Um professor apaixonado
por Literatura
Pedro
J. Bondaczuk
O escritor Vergílio
Ferreira – cujo centenário de nascimento está sendo comemorado neste ano de
2016 – teve duas grandes paixões em sua vida: a Literatura e o Magistério
(provavelmente, ambas, com a mesma intensidade). Desde que se formou na
Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, e estagiou, como professor, no
Liceu Dom João III dessa cidade, aos 26 anos de idade, em 1942, nunca parou de
lecionar. Lecionou até, praticamente, sua morte, ocorrida, em Lisboa, em 1ª de
março de 1996. Foram 54 anos dedicados a ensinar várias gerações de alunos. Não
deixou a cátedra mesmo depois de se tornar escritor consagrado e reconhecido,
não somente em Portugal, mas em toda a Europa e em várias partes do mundo. E,
pelos excelentes resultados obtidos nas duas atividades, parece que uma não
interferiu negativamente na outra. Foi prolífico, eficaz e criativo em ambas.
Creio não ser
inadequado, portanto, alcunhá-lo de “O professor apaixonado por Literatura”.
Ou, como queiram, de chamá-lo de “O escritor apaixonado pelo Magistério”. Ter
paixão, observe-se, não significa ser obcecado e esquecer tudo o mais da vida,
como amizades, diversões etc.etc.etc., enfim, deixar de viver. Uma pessoa
organizada pode fazer (e faz) várias coisas ao mesmo tempo e, principalmente,
vive. Vergílio Ferreira viveu plenamente. Cultivou vários hobbies, como, por
exemplo, a pintura, o futebol e o xadrez. Diz-se que foi torcedor do Benfica
(embora eu não tenha certeza). Nem por isso, deixou de lecionar, ou lecionou
menos, e nem de escrever, ou limitou sua obra literária. Desde que publicou seu
primeiro livro, em 1943, o romance “O caminho fica longe” (escrito em 1939),
não parou de enfileirar sucessos literários, entre ficção (romances e contos),
ensaios e seus diários, que publicou todos, perfazendo onze volumes, sendo que
o último foi póstumo, publicado cinco anos após sua morte.
A obra completa de
Vergílio Ferreira ascende a 47 livros. Destes, 45 foram publicados em vida e
apenas dois foram póstumos. Geralmente, quem escreve muito não consegue manter
a qualidade em toda a obra. Esta oscila, o que é compreensível, de um livro para outro. Não foi, todavia, o
que aconteceu com Vergílio Ferreira. Não há uma única de suas publicações em
que se possa fazer alguma restrição, quer quanto à forma, quer quanto ao
conteúdo. É essa linearidade qualitativa que faz dele aquilo que é: um dos
principais expoentes da moderna literatura de língua portuguesa. Portanto, não
surpreendeu ninguém quando, em 1992, recebeu o cobiçado Prêmio Camões, pelo
conjunto da sua obra. Surpreendente, sim, foi o fato de não haver conquistado o
Nobel de Literatura, como enfatizei em comentário anterior.
Uma de suas
características foi a de levar experiências pessoais – fatos bons ou ruins – de
sua vida, para sua produção literária. E não me refiro, somente, aos onze
diários que, logicamente, são personalíssimos, mas a vários de seus romances e
contos, inspirados na própria vivência. Foi o caso, por exemplo, do livro
“Nítido Nulo”. Nele Vergílio relata, em forma de ficção, dolorosa (e estranha)
separação dos seus pais, ocorrida em 1927. Naquele ano, ambos emigraram para o
Canadá, em busca de uma vida melhor, deixando-o, todavia, para trás, junto com
seus irmãos, todos mais novos, dos quais teve que cuidar. Outra experiência
pessoal que transformou em uma história aparentemente ficcional, foi sua
experiência no seminário do Fundão, onde permaneceu por seis anos, ao cabo dos
quais descobriu que não tinha nenhuma vocação religiosa. Essa vivência, porém,
é o tema central do seu livro “Manhã Submersa”.
Enquanto cursava a
Faculdade de Letras, escreveu centenas de poemas. Jamais, todavia, publicou-os
em livros específicos. Contudo, muitos deles não ficaram inéditos. Alguns foram
transcritos, completos. Outros, apenas alguns versos esparsos. Eles aparecem na
primeira série de seus diários, que intitulou de “Conta-corrente” (foram cinco
livros com este título e outros quatro intitulados “Conta-corrente-nova
série”). Suas experiências no magistério, como seria de se esperar, também
foram fartas fontes temáticas de sua ficção. Foram os casos, por exemplo, do
seu livro mais famoso, “Manhãs submersas” (levado às telas em filme do mesmo
nome, em que Vergílio atuou como ator principal, vivendo o papel de reitor do
seminário) e de “Aparição”.
Sua paixão pelo ensino
era tão grande, que em 1946, casou-se com uma professora. Tratava-se de Regina
Kasprzykowsky, refugiada de guerra polonesa, com a qual viveu até a morte.
Quando morreu, Vergílio, já consagrado e reverenciado nos principais círculos
literários e culturais europeus, ainda era professor, do Liceu Camões, de
Lisboa. Escritores desse porte não podem, e não devem ser esquecidos. São
exemplos raros de competência, persistência e criatividade. Estou convicto de
que este mestre das letras e de vida jamais o será!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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