Wednesday, March 16, 2016

O saldo é animador


 Pedro J. Bondaczuk


A reunião de cúpula de Genebra, levada a efeito anteontem e ontem pelo presidente norte-americano Ronald Reagan e pelo secretário-geral do Partido Comunista Soviético, Mikhail Gorbachev, mesmo que não apresente resultados espetaculares, certamente terá um grande mérito. O de quebrar o longo e perigoso congelamento de relações entre as superpotências, iniciado após a invasão russa no Afeganistão e que chegou ao seu ponto crítico em 1983, quando um Boeing da Korean Airlines, da Coréia do Sul, foi abatido sobre território da URSS, levando a bordo quase duas centenas de pessoas.

Pela reação das duas delegações, especula-se eu nenhuma das partes sairá de mãos vazias desse encontro histórico que ganhou essas características não tanto pelos acordos que possam ter sido firmados, mas pelas circunstâncias em que se realizou. Espera-se que tenha sido acertada, pelo menos, uma substancial redução de mísseis estratégicos de ambas as partes, desafogando um pouquinho o território europeu, hoje um virtual campo minado nuclear.

As indicações mais seguras de que pelo menos algum saldo bom foi obtido vêm da própria urgência com que a liderança do Cremlin reservou espaço na TV estatal do país. Quando um líder soviético fala na televisão pessoalmente, é porque tem um grande comunicado a fazer. Do contrário, deixa a tarefa para subalternos.

O fato de Reagan e Gorbachev terem mantido tantos encontros reservados, fora da pauta, é um outro bom sintoma. Revela que pelo menos em nível pessoal, se estabeleceu uma certa simpatia mútua, ou na pior das hipóteses, um mútuo respeito. Certamente o longo passeio que os dois líderes deram anteontem, na gélida noite de Genebra, na companhia apenas dos respectivos intérpretes, não foi para apreciar as belezas do lago que banha essa importante cidade suíça.

Nem essa conversa foi acerca de banalidades, como por exemplo, sobre o frio que estava fazendo, sobre o chá que as duas primeiras damas tomaram juntas ou sobre a saúde dos respectivos filhos. Eles devem ter explorado os inúmeros pontos que têm em comum.

Aliás, pela primeira vez na história das reuniões de cúpula, as esposas dos respectivos líderes tiveram uma participação decisiva e, estejam certos, não restrita ao terreno meramente social. Ambas são mulheres brilhantes, bonitas, charmosas, mas acima de tudo inteligentes e participantes.

Nancy há muito vem se destacando pela cruzada que promove, junto às primeiras damas de vários países para coibir o tráfico de entorpecentes, não somente nos Estados Unidos, mas no mundo todo. Raisa acompanhou o marido em todas as viagens, internas e externas, que fez, antes e depois dele se tornar o número um do Cremlin, surpreendendo os jornalistas pelas respostas rápidas e seguras que sempre teve para todas as questões que lhe foram formuladas.

Apesar de um certo desencanto que se nota entre os comentaristas políticos internacionais, Reagan e Gorbachev sobem agora no conceito desses mesmos analistas e atingem o status de autênticos estadistas. Embora talvez todos eles neguem essa automática ascensão. Os dotes de comunicação do presidente norte-americano e seu encanto pessoal igualam-se aos de Franklin Delano Roosevelt, se é que não os superam.

Quanto ao “pedigree” do líder soviético, isso nem se discute. Pode ser que ele não possua a astúcia de um Stalin, mas tem muito maior fundamento cultural do que o sanguinário “paizinho” da Rússia. Tem a mesma sagacidade de Kruschev, mas sem a sua grossura. Ostenta idêntico realismo de Andropov, mas sem a sua debilidade. Com Brezhnev e Chernenko nem é possível estabelecer qualquer termo de comparação. É uma diferença notável!

Ou estamos muito enganados, mesmo com a experiência ditada por anos de prática na análise de fatos internacionais, ou esta reunião de Genebra teve saldos muito bons a apresentar. Pode ser que não tão bombásticos quanto a opinião pública esperava e que seriam de se desejar. É possível que sejam aquém, até, do que os próprios interlocutores desse encontro esperavam.

Mas que podem extinguir com aquilo que Ronald Reagan denominou de “a paranóia das superpotências”, disso não temos dúvidas. Se for assim, o mundo poderá, doravante, respirar pelo menos um pouco mais aliviado, ciente de que a razão ainda está predominando sobre os instintos.

(Artigo publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 21 de novembro de 1985).


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