O saldo é animador
A reunião de cúpula de
Genebra, levada a efeito anteontem e ontem pelo presidente norte-americano
Ronald Reagan e pelo secretário-geral do Partido Comunista Soviético, Mikhail
Gorbachev, mesmo que não apresente resultados espetaculares, certamente terá um
grande mérito. O de quebrar o longo e perigoso congelamento de relações entre
as superpotências, iniciado após a invasão russa no Afeganistão e que chegou ao
seu ponto crítico em 1983, quando um Boeing da Korean Airlines, da Coréia do
Sul, foi abatido sobre território da URSS, levando a bordo quase duas centenas
de pessoas.
Pela
reação das duas delegações, especula-se eu nenhuma das partes sairá de mãos
vazias desse encontro histórico que ganhou essas características não tanto
pelos acordos que possam ter sido firmados, mas pelas circunstâncias em que se
realizou. Espera-se que tenha sido acertada, pelo menos, uma substancial
redução de mísseis estratégicos de ambas as partes, desafogando um pouquinho o
território europeu, hoje um virtual campo minado nuclear.
As
indicações mais seguras de que pelo menos algum saldo bom foi obtido vêm da
própria urgência com que a liderança do Cremlin reservou espaço na TV estatal
do país. Quando um líder soviético fala na televisão pessoalmente, é porque tem
um grande comunicado a fazer. Do contrário, deixa a tarefa para subalternos.
O
fato de Reagan e Gorbachev terem mantido tantos encontros reservados, fora da
pauta, é um outro bom sintoma. Revela que pelo menos em nível pessoal, se
estabeleceu uma certa simpatia mútua, ou na pior das hipóteses, um mútuo
respeito. Certamente o longo passeio que os dois líderes deram anteontem, na
gélida noite de Genebra, na companhia apenas dos respectivos intérpretes, não
foi para apreciar as belezas do lago que banha essa importante cidade suíça.
Nem
essa conversa foi acerca de banalidades, como por exemplo, sobre o frio que
estava fazendo, sobre o chá que as duas primeiras damas tomaram juntas ou sobre
a saúde dos respectivos filhos. Eles devem ter explorado os inúmeros pontos que
têm em comum.
Aliás,
pela primeira vez na história das reuniões de cúpula, as esposas dos
respectivos líderes tiveram uma participação decisiva e, estejam certos, não
restrita ao terreno meramente social. Ambas são mulheres brilhantes, bonitas,
charmosas, mas acima de tudo inteligentes e participantes.
Nancy
há muito vem se destacando pela cruzada que promove, junto às primeiras damas
de vários países para coibir o tráfico de entorpecentes, não somente nos
Estados Unidos, mas no mundo todo. Raisa acompanhou o marido em todas as
viagens, internas e externas, que fez, antes e depois dele se tornar o número
um do Cremlin, surpreendendo os jornalistas pelas respostas rápidas e seguras
que sempre teve para todas as questões que lhe foram formuladas.
Apesar
de um certo desencanto que se nota entre os comentaristas políticos
internacionais, Reagan e Gorbachev sobem agora no conceito desses mesmos
analistas e atingem o status de autênticos estadistas. Embora talvez todos eles
neguem essa automática ascensão. Os dotes de comunicação do presidente
norte-americano e seu encanto pessoal igualam-se aos de Franklin Delano
Roosevelt, se é que não os superam.
Quanto
ao “pedigree” do líder soviético, isso nem se discute. Pode ser que ele não
possua a astúcia de um Stalin, mas tem muito maior fundamento cultural do que o
sanguinário “paizinho” da Rússia. Tem a mesma sagacidade de Kruschev, mas sem a
sua grossura. Ostenta idêntico realismo de Andropov, mas sem a sua debilidade.
Com Brezhnev e Chernenko nem é possível estabelecer qualquer termo de
comparação. É uma diferença notável!
Ou
estamos muito enganados, mesmo com a experiência ditada por anos de prática na
análise de fatos internacionais, ou esta reunião de Genebra teve saldos muito
bons a apresentar. Pode ser que não tão bombásticos quanto a opinião pública
esperava e que seriam de se desejar. É possível que sejam aquém, até, do que os
próprios interlocutores desse encontro esperavam.
Mas
que podem extinguir com aquilo que Ronald Reagan denominou de “a paranóia das
superpotências”, disso não temos dúvidas. Se for assim, o mundo poderá,
doravante, respirar pelo menos um pouco mais aliviado, ciente de que a razão
ainda está predominando sobre os instintos.
(Artigo
publicado na página 10, Internacional, do Correio Popular, em 21 de novembro de
1985).
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