Sunday, March 27, 2016

A implacável ditadura das circunstâncias


Pedro J. Bondaczuk

O império mais poderoso e fatal que existe é o das circunstâncias”. Quem fez essa declaração, tão enfática e assertiva, foi o Marquês de Maricá. Poucas pessoas, hoje em dia, conhecem quem foi essa figura histórica. Alguns sabem desse nobre (quando sabem, claro) apenas e tão somente que foi exímio frasista e nada mais. Muitos de seus aforismos são citados principalmente por sites da internet especializados em citações que se tornaram famosas. Mas você, querido e esclarecido leitor, sabe quem foi o Marquês de Maricá? Conhece, pelo menos, seu nome de batismo? Se não sabe, não se constranja. Pouquíssimos sabem. Eu somente sei por acaso, por haver lido determinado episódio da História do Brasil em que esse nobre foi citado. Recorri, depois disso, a algumas fontes para saber mais sobre ele. Contudo, agi assim mais por curiosidade do que por necessidade.

Hoje está fácil saber “alguma” coisa a propósito de personalidades públicas (políticos, escritores, advogados, cientistas, artistas, atletas etc.etc.etc.), que tiveram algum destaque em alguma atividade, ao contrário de alguns poucos anos atrás. Aliás sobre quase qualquer coisa. Basta recorrer ao “onisciente” serviço de busca (que alguns já apelidaram, até, de “Santo Google”) que, salvo uma ou outra rara exceção, terá de imediato diante de si uma profusão de informações a respeito. O mínimo que posso informar sobre o Marquês de Maricá é que seu nome era Mariano José Pereira da Fonseca. Foi um escritor, filósofo e político brasileiro. Aliás, carioca, pois nasceu (óbvio) no Rio de Janeiro em 18 de maio de 1773, cidade onde também morreu em 16 de novembro de 1848, aos 75 anos de idade.

Fosse a História do Brasil ensinada como deveria ser, e esse personagem estaria na ponta da língua de todo o mundo em nosso país. Afinal foi, além de conselheiro de Estado, no período de regência, durante a minoridade do imperador Dom Pedro II, ministro da Fazenda de um dos tantos gabinetes do período e senador, de 1826 até sua morte, em 1848. Mas... pouquíssimas pessoas sabem disso. Com toda a atividade que exerceu, porém, esse homem brilhante foi esquecido. Ou melhor, é lembrado, apenas, e por alguns, só por seus aforismos e assim mesmo somente com seu título de nobreza, mas não com seu nome. Foi, portanto, uma das vítimas das tais circunstâncias, de que aliás tratou tanto.

Ele, pelo menos, ainda é lembrado, mesmo que ocasionalmente, e por sua condição de frasista. Todavia tantos e tantos e tantos de seus contemporâneos da primeira metade do século XIX, por exemplo, populares em seu tempo, são completamente ignorados (salvo uma ou outra exceção) menos de dois séculos após, como se sequer tivessem existido. É como o mesmo Marquês de Maricá declarou: “As circunstâncias ordinariamente nos dominam, poucas vezes nos obedecem”. Será que nos obedecem em algum momento? Não creio! Ouso dizer que jamais se submetem à nossa vontade.

O historiador grego Heródoto, no remoto século V antes de Cristo, já defendia essa tese. Em seus escritos, que sobreviveram ao tempo e ao esquecimento, há esta declaração: “São as circunstâncias que governam os homens, não os homens que governam as circunstâncias”. Pensem um pouquinho e chegarão, com a maior facilidade, à mesma conclusão. Elas são surpreendentes, aleatórias e não dão o menor aviso que possa nos possibilitar a mínima defesa.

Tenho escrito muito sobre o assunto e notei que nunca defini essa implacável “ditadora dos homens”. Estou certo que os leitores mais curiosos já foram a algum dicionário em busca de seus significados. Para os que não foram, todavia, transcrevo o verbete a respeito que consta do célebre Michaelis: “sf (lat circumstantia) 1 Acidente de lugar, modo, tempo etc. que acompanha um fato. 2 Dir Motivo ou fato que, acompanhando, seguindo ou precedendo um crime ou delito, o agrava ou atenua. 3 Condição, requisito. 4 Causa, motivo. 5 Estado das coisas, em determinado momento. 6 Relação, situação. 7 Importância ou destaque social. Estar em más circunstâncias: estar em perigo ou má situação financeira”.

Sei que o assunto se presta a alimentar pessimismo na alma das pessoas. “Quer dizer que não adianta fazer nada certo, com competência e constância, pois, dependendo das circunstâncias tudo pode dar errado?”, muitos, certamente, se indagam ou se indagarão. Não é bem assim. Agindo com correção, teremos, pelo menos, “uma chance”, talvez mínima, talvez enorme, de escaparmos de algum desses estados de coisas que signifiquem fracasso e caos. Se fizermos o contrário, no entanto, é mais do que certo que criaremos as condições propícias para o surgimento de implacáveis circunstâncias que nos derrotem, anulem e até eliminem. Essa é a escolha (única? Não sei!!) ao nosso alcance. Ou não?


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