A implacável ditadura
das circunstâncias
Pedro
J. Bondaczuk
“O império mais
poderoso e fatal que existe é o das circunstâncias”. Quem fez essa declaração,
tão enfática e assertiva, foi o Marquês de Maricá. Poucas pessoas, hoje em dia,
conhecem quem foi essa figura histórica. Alguns sabem desse nobre (quando sabem,
claro) apenas e tão somente que foi exímio frasista e nada mais. Muitos de seus
aforismos são citados principalmente por sites da internet especializados em
citações que se tornaram famosas. Mas você, querido e esclarecido leitor, sabe
quem foi o Marquês de Maricá? Conhece, pelo menos, seu nome de batismo? Se não
sabe, não se constranja. Pouquíssimos sabem. Eu somente sei por acaso, por
haver lido determinado episódio da História do Brasil em que esse nobre foi
citado. Recorri, depois disso, a algumas fontes para saber mais sobre ele.
Contudo, agi assim mais por curiosidade do que por necessidade.
Hoje está fácil saber
“alguma” coisa a propósito de personalidades públicas (políticos, escritores,
advogados, cientistas, artistas, atletas etc.etc.etc.), que tiveram algum
destaque em alguma atividade, ao contrário de alguns poucos anos atrás. Aliás
sobre quase qualquer coisa. Basta recorrer ao “onisciente” serviço de busca
(que alguns já apelidaram, até, de “Santo Google”) que, salvo uma ou outra rara
exceção, terá de imediato diante de si uma profusão de informações a respeito.
O mínimo que posso informar sobre o Marquês de Maricá é que seu nome era
Mariano José Pereira da Fonseca. Foi um escritor, filósofo e político
brasileiro. Aliás, carioca, pois nasceu (óbvio) no Rio de Janeiro em 18 de maio
de 1773, cidade onde também morreu em 16 de novembro de 1848, aos 75 anos de
idade.
Fosse a História do
Brasil ensinada como deveria ser, e esse personagem estaria na ponta da língua
de todo o mundo em nosso país. Afinal foi, além de conselheiro de Estado, no
período de regência, durante a minoridade do imperador Dom Pedro II, ministro
da Fazenda de um dos tantos gabinetes do período e senador, de 1826 até sua
morte, em 1848. Mas... pouquíssimas pessoas sabem disso. Com toda a atividade
que exerceu, porém, esse homem brilhante foi esquecido. Ou melhor, é lembrado,
apenas, e por alguns, só por seus aforismos e assim mesmo somente com seu
título de nobreza, mas não com seu nome. Foi, portanto, uma das vítimas das
tais circunstâncias, de que aliás tratou tanto.
Ele, pelo menos, ainda
é lembrado, mesmo que ocasionalmente, e por sua condição de frasista. Todavia
tantos e tantos e tantos de seus contemporâneos da primeira metade do século
XIX, por exemplo, populares em seu tempo, são completamente ignorados (salvo
uma ou outra exceção) menos de dois séculos após, como se sequer tivessem
existido. É como o mesmo Marquês de Maricá declarou: “As circunstâncias
ordinariamente nos dominam, poucas vezes nos obedecem”. Será que nos obedecem
em algum momento? Não creio! Ouso dizer que jamais se submetem à nossa vontade.
O historiador grego
Heródoto, no remoto século V antes de Cristo, já defendia essa tese. Em seus
escritos, que sobreviveram ao tempo e ao esquecimento, há esta declaração: “São
as circunstâncias que governam os homens, não os homens que governam as
circunstâncias”. Pensem um pouquinho e chegarão, com a maior facilidade, à
mesma conclusão. Elas são surpreendentes, aleatórias e não dão o menor aviso
que possa nos possibilitar a mínima defesa.
Tenho escrito muito
sobre o assunto e notei que nunca defini essa implacável “ditadora dos homens”.
Estou certo que os leitores mais curiosos já foram a algum dicionário em busca
de seus significados. Para os que não foram, todavia, transcrevo o verbete a
respeito que consta do célebre Michaelis: “sf (lat circumstantia) 1 Acidente de
lugar, modo, tempo etc. que acompanha um fato. 2 Dir Motivo ou fato que,
acompanhando, seguindo ou precedendo um crime ou delito, o agrava ou atenua. 3
Condição, requisito. 4 Causa, motivo. 5 Estado das coisas, em determinado
momento. 6 Relação, situação. 7 Importância ou destaque social. Estar em más
circunstâncias: estar em perigo ou má situação financeira”.
Sei que o assunto se
presta a alimentar pessimismo na alma das pessoas. “Quer dizer que não adianta
fazer nada certo, com competência e constância, pois, dependendo das
circunstâncias tudo pode dar errado?”, muitos, certamente, se indagam ou se
indagarão. Não é bem assim. Agindo com correção, teremos, pelo menos, “uma
chance”, talvez mínima, talvez enorme, de escaparmos de algum desses estados de
coisas que signifiquem fracasso e caos. Se fizermos o contrário, no entanto, é
mais do que certo que criaremos as condições propícias para o surgimento de implacáveis
circunstâncias que nos derrotem, anulem e até eliminem. Essa é a escolha
(única? Não sei!!) ao nosso alcance. Ou não?
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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