A
ponte da imaginação
Pedro J. Bondaczuk
A imaginação, ou seja, o pensamento através da
projeção de imagens na mente, é a base da inteligência. Esta, por definição,
nada mais é do que a capacidade de "entender" tudo o que nos cerca, o
que vemos, ouvimos, apalpamos, cheiramos e lemos e até o que não existe,
"criado" pela nossa mente. Podem ser coisas, pessoas, animais,
vegetais, aves ou peixes, não importa. Também podem ser conceitos: tanto os
aprendidos por experiência pessoal, quanto os ensinados por alguém, os
herdados. Ou os elaborados por nós. É mais inteligente quem consegue
entendimento melhor dos mundos concreto e abstrato. Alguns tentam medir a
inteligência, o que nos parece uma fantasia, mera abstração. E inútil.
Já a imaginação é a matéria-prima por excelência do
artista, qualquer que seja a sua arte. O pintor e o escultor criam com ela
maravilhas visuais, ou reproduzem simplesmente o que vêem. O músico vale-se das
combinações de sons, "falando" mais às emoções do que ao intelecto.
E o escritor tem como desafio criar, tendo como
instrumento essa coisa frágil, e no entanto poderosa, que é a palavra. Com
apenas 26 sinais gráficos, denominados letras, conseguimos expressar tudo o que
existe e até o inexistente, ou seja, as fantasias e projeções.
Todo o homem tem em si um artista, embora muitas
vezes não pareça que seja assim. Ocorre que alguns sufocam esse pendor natural,
voltados que estão para coisas aparentemente mais importantes, mais
"sérias" e que, na verdade, quando submetidas a uma análise lógica
mínima, se revelam supérfluas, triviais, fantasiosas e absolutamente
dispensáveis. Só a arte dá dimensões divinas ao ser humano. É por seu
intermédio que ele verdadeiramente se revela em toda a sua grandeza e
transcendência.
O mexicano Octávio Paz lança um pouco mais de luz
nessas nossas digressões ao constatar: "A imaginação é a faculdade que
associa e estende pontes entre um objeto e outro, por isso é a ciência das
correspondências".
Criamos milhares, milhões, bilhões de mundos novos
(concretos ou abstratos) apenas com as imagens que temos arquivadas no cérebro,
que podem ser até em pequenas quantidades. Jogamos com suas variações nesse
processo de criação. Ora mudamos suas formas, ora sua textura, ora sua cor, ora
seu tamanho, etc. Tudo isso em nossa mente.
A literatura, por uma série de razões, é a mais
complexa e refinada das artes. Principalmente, quando é boa, pois para adquirir
essa excelência, o autor contou com uma série de fatores limitantes, entre os
quais os temáticos.
Através da criação de imagens, elaboramos enredos de
romances, contos, novelas, peças teatrais e roteiros de cinema. Nos três
primeiros casos, deixamos por conta dos leitores a recriação em seu painel
mental dos cenários, dos personagens e das ações que criamos. E cada qual
reproduz com detalhes próprios, de acordo com a sua realidade, o que
escrevemos.
É provável que não haja duas dessas reproduções
exatamente iguais. "Recria" o nosso texto, tornando-se seu cúmplice,
seu co-participante, seu co-autor. Daí entender perfeitamente o que Jorge Luís
Borges quis dizer ao sentenciar: "Tenho orgulho não dos livros que
escrevi, mas daqueles que li". Ou seja, de cuja "recriação"
participou e que se incorporaram ao seu acervo intelectual.
O mesmo Octávio Paz, que citei acima, raciocina:
"Talvez a literatura tenha apenas dois temas: um o homem com os homens,
seus semelhantes e seus adversários, outro, o homem só frente ao universo e
frente a si mesmo. O primeiro tema é o do poeta épico, do dramaturgo e do
romancista; o segundo, o do poeta lírico e metafísico".
Wilson Luiz Sanvito, no artigo "Releitura do
Bruxo do Cosme Velho", publicado no "Caderno de Sábado" do
"Jornal da Tarde" em 28 de maio de 1994, explica: "A civilização
da escrita apresenta o mundo na forma de conceitos, enquanto a civilização da
imagem, na forma de objetos. Eu acredito mais no olho que lê do que no olho que
vê. A matéria lida impõe reflexão e a dúvida metódica, enquanto a matéria vista
rapidamente se volatiliza". E mesmo quando não se desfaz, a mente perde
detalhes, nuances, tonalidades. Daí a minha tese de que a imaginação é a base
da inteligência. Ou não? Afinal, é indispensável que sempre deixemos um espaço
para a dúvida em nossas conclusões.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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