Friday, March 04, 2016

A ponte da imaginação



Pedro J. Bondaczuk



A imaginação, ou seja, o pensamento através da projeção de imagens na mente, é a base da inteligência. Esta, por definição, nada mais é do que a capacidade de "entender" tudo o que nos cerca, o que vemos, ouvimos, apalpamos, cheiramos e lemos e até o que não existe, "criado" pela nossa mente. Podem ser coisas, pessoas, animais, vegetais, aves ou peixes, não importa. Também podem ser conceitos: tanto os aprendidos por experiência pessoal, quanto os ensinados por alguém, os herdados. Ou os elaborados por nós. É mais inteligente quem consegue entendimento melhor dos mundos concreto e abstrato. Alguns tentam medir a inteligência, o que nos parece uma fantasia, mera abstração. E inútil.

Já a imaginação é a matéria-prima por excelência do artista, qualquer que seja a sua arte. O pintor e o escultor criam com ela maravilhas visuais, ou reproduzem simplesmente o que vêem. O músico vale-se das combinações de sons, "falando" mais às emoções do que ao intelecto.

E o escritor tem como desafio criar, tendo como instrumento essa coisa frágil, e no entanto poderosa, que é a palavra. Com apenas 26 sinais gráficos, denominados letras, conseguimos expressar tudo o que existe e até o inexistente, ou seja, as fantasias e projeções.

Todo o homem tem em si um artista, embora muitas vezes não pareça que seja assim. Ocorre que alguns sufocam esse pendor natural, voltados que estão para coisas aparentemente mais importantes, mais "sérias" e que, na verdade, quando submetidas a uma análise lógica mínima, se revelam supérfluas, triviais, fantasiosas e absolutamente dispensáveis. Só a arte dá dimensões divinas ao ser humano. É por seu intermédio que ele verdadeiramente se revela em toda a sua grandeza e transcendência.

O mexicano Octávio Paz lança um pouco mais de luz nessas nossas digressões ao constatar: "A imaginação é a faculdade que associa e estende pontes entre um objeto e outro, por isso é a ciência das correspondências".

Criamos milhares, milhões, bilhões de mundos novos (concretos ou abstratos) apenas com as imagens que temos arquivadas no cérebro, que podem ser até em pequenas quantidades. Jogamos com suas variações nesse processo de criação. Ora mudamos suas formas, ora sua textura, ora sua cor, ora seu tamanho, etc. Tudo isso em nossa mente.

A literatura, por uma série de razões, é a mais complexa e refinada das artes. Principalmente, quando é boa, pois para adquirir essa excelência, o autor contou com uma série de fatores limitantes, entre os quais os temáticos.

Através da criação de imagens, elaboramos enredos de romances, contos, novelas, peças teatrais e roteiros de cinema. Nos três primeiros casos, deixamos por conta dos leitores a recriação em seu painel mental dos cenários, dos personagens e das ações que criamos. E cada qual reproduz com detalhes próprios, de acordo com a sua realidade, o que escrevemos.

É provável que não haja duas dessas reproduções exatamente iguais. "Recria" o nosso texto, tornando-se seu cúmplice, seu co-participante, seu co-autor. Daí entender perfeitamente o que Jorge Luís Borges quis dizer ao sentenciar: "Tenho orgulho não dos livros que escrevi, mas daqueles que li". Ou seja, de cuja "recriação" participou e que se incorporaram ao seu acervo intelectual.

O mesmo Octávio Paz, que citei acima, raciocina: "Talvez a literatura tenha apenas dois temas: um o homem com os homens, seus semelhantes e seus adversários, outro, o homem só frente ao universo e frente a si mesmo. O primeiro tema é o do poeta épico, do dramaturgo e do romancista; o segundo, o do poeta lírico e metafísico".

Wilson Luiz Sanvito, no artigo "Releitura do Bruxo do Cosme Velho", publicado no "Caderno de Sábado" do "Jornal da Tarde" em 28 de maio de 1994, explica: "A civilização da escrita apresenta o mundo na forma de conceitos, enquanto a civilização da imagem, na forma de objetos. Eu acredito mais no olho que lê do que no olho que vê. A matéria lida impõe reflexão e a dúvida metódica, enquanto a matéria vista rapidamente se volatiliza". E mesmo quando não se desfaz, a mente perde detalhes, nuances, tonalidades. Daí a minha tese de que a imaginação é a base da inteligência. Ou não? Afinal, é indispensável que sempre deixemos um espaço para a dúvida em nossas conclusões.


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