Wednesday, March 23, 2016

Desaparecidos: crime contra a nacionalidade


Pedro J. Bondaczuk

Os argentinos, vivendo desde dezembro passado um clima de democracia, vão, aos poucos, à medida que o tempo passa, tomando conhecimento de crimes hediondos cometidos no país, sob o pretexto de combate à subversão. Nós, pela nossa formação, somos daqueles que não cansamos de pregar o absoluto respeito à lei e à hierarquia, fatores essenciais para a ordem, sem a qual nenhuma sociedade consegue prosperar. Mas tudo isto tendo em vista, sobretudo, servir ao indivíduo, promovendo o seu bem estar e a sua educação, para que se torne útil e produtivo à coletividade em que está inserido.

Em outras palavras, o Estado deve existir para promoção de todos os seus integrantes e não o oposto. Somos avessos, portanto, à contestação, por vias violentas, das autoridades constituídas. Contrários, dessa forma, a atos de terrorismo. Como nÃo concordamos, também, com abusos cometidos por autoridades justamente contra o povo ao qual dizem servir. Afinal, quase todas as Constituições trazem em seus preâmbulos (com variações aqui e ali), algo que significa, mais ou menos, este princípio: “Todo poder emana do povo e em seu nome será exercido”.

Por essa razão, como seres pensantes, somos tomados da mesma indignação que corre o mundo, com a revelação do número de adversários do regime argentino anterior, cujo destino agora está sendo tornado público. Os portenhos puderam assistir, anteontem, estarrecidos, a um documentário intitulado “Nunca mais”, exibido num canal de TV, sobre o que, eufemisticamente, se passou a denominar “desaparecimento” de pessoas. Milhares de adversários do regime foram presos, torturados, mortos e sepultados em cemitérios clandestinos. E, segundo consta, nem mesmo crianças escaparam a esta insânia até inexplicável.

É claro que o Estado precisa de salvaguardas para se proteger contra os que desejam destruí-lo. Mas em sociedades ajustadas, esse processo ocorre estritamente dentro dos limites da lei, resguardado o pleno direito dos acusados à defesa. Mão se justifica, sob argumento algum, que qualquer ser humano submeta outro a tortura, por pior que seja o indivíduo torturado. Quem assim procede, acaba por cometer crime ainda maior do que aquele que ele deseja punir.

O que se pretende e se espera é que o título do documentário sobre os desaparecidos, exibido anteontem, pelo canal 13 da Argentina, venha a se tornar profético. Isto é, que “Nunca mais...” se repita episódio dessa natureza, não apenas no país vizinho, mas em qualquer lugar do mundo. Infelizmente, contudo, a tendência é exatamente oposta. Por isso, qualquer coisa ao menos parecida com paz, torna-se, cada vez mais, uma utopia idealista, algo possível, apenas, de ser sonhado.


(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 6 de julho de 1984)

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