Desaparecidos: crime
contra a nacionalidade
Pedro
J. Bondaczuk
Os argentinos, vivendo
desde dezembro passado um clima de democracia, vão, aos poucos, à medida que o
tempo passa, tomando conhecimento de crimes hediondos cometidos no país, sob o
pretexto de combate à subversão. Nós, pela nossa formação, somos daqueles que
não cansamos de pregar o absoluto respeito à lei e à hierarquia, fatores
essenciais para a ordem, sem a qual nenhuma sociedade consegue prosperar. Mas
tudo isto tendo em vista, sobretudo, servir ao indivíduo, promovendo o seu bem
estar e a sua educação, para que se torne útil e produtivo à coletividade em
que está inserido.
Em outras palavras, o
Estado deve existir para promoção de todos os seus integrantes e não o oposto.
Somos avessos, portanto, à contestação, por vias violentas, das autoridades
constituídas. Contrários, dessa forma, a atos de terrorismo. Como nÃo
concordamos, também, com abusos cometidos por autoridades justamente contra o
povo ao qual dizem servir. Afinal, quase todas as Constituições trazem em seus
preâmbulos (com variações aqui e ali), algo que significa, mais ou menos, este
princípio: “Todo poder emana do povo e em seu nome será exercido”.
Por essa razão, como
seres pensantes, somos tomados da mesma indignação que corre o mundo, com a
revelação do número de adversários do regime argentino anterior, cujo destino
agora está sendo tornado público. Os portenhos puderam assistir, anteontem,
estarrecidos, a um documentário intitulado “Nunca mais”, exibido num canal de
TV, sobre o que, eufemisticamente, se passou a denominar “desaparecimento” de
pessoas. Milhares de adversários do regime foram presos, torturados, mortos e
sepultados em cemitérios clandestinos. E, segundo consta, nem mesmo crianças
escaparam a esta insânia até inexplicável.
É claro que o Estado
precisa de salvaguardas para se proteger contra os que desejam destruí-lo. Mas
em sociedades ajustadas, esse processo ocorre estritamente dentro dos limites
da lei, resguardado o pleno direito dos acusados à defesa. Mão se justifica,
sob argumento algum, que qualquer ser humano submeta outro a tortura, por pior
que seja o indivíduo torturado. Quem assim procede, acaba por cometer crime
ainda maior do que aquele que ele deseja punir.
O que se pretende e se
espera é que o título do documentário sobre os desaparecidos, exibido anteontem,
pelo canal 13 da Argentina, venha a se tornar profético. Isto é, que “Nunca
mais...” se repita episódio dessa natureza, não apenas no país vizinho, mas em
qualquer lugar do mundo. Infelizmente, contudo, a tendência é exatamente
oposta. Por isso, qualquer coisa ao menos parecida com paz, torna-se, cada vez
mais, uma utopia idealista, algo possível, apenas, de ser sonhado.
(Artigo publicado na
página 9, Internacional, do Correio Popular, em 6 de julho de 1984)
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