Espanto de existir
Pedro
J. Bondaczuk
O que é a vida? Esta é
uma pergunta recorrente, que milhões de pessoas já fizeram, e ainda fazem,
mundo e tempo afora. Respostas há muitas, mas nenhuma conclusiva. A indagação
dá margem a infinitas especulações, mas a nenhuma certeza. Uma das incertezas é:
a morte é o fim de tudo? Para muitos, a resposta é afirmativa. Para outros
tantos, baseados exclusivamente na fé, a “alma” – que tem significados
diferentes para diversas pessoas – seria imortal. Mas saber, saber mesmo, de
verdade, sem possibilidades de engano, ninguém sabe. Creio que jamais se
saberá.
É certo que nem todos
se preocupam com isso. Aliás, suponho – com base na lógica e principalmente na
observação – que pouquíssimos pensam nisso. A imensa maioria, mundo e tempo
afora, limita-se a sobreviver, como animais irracionais, como plantas, embora
tais pessoas contem com a possibilidade de raciocinar, como as que pensam
constantemente nesse mistério e em tantos outros que nos confrontam. Apenas uma
relativamente incipiente minoria, que se não é composta de filósofos, o é de
gente com potencial para a Filosofia, tem esse tipo de preocupação. Entre os
que ousam “filosofar”, a principal preocupação se refere ao “significado” de
viver, se é que exista algum.
Colhi, aleatoriamente,
aqui e ali, a opinião de vários escritores a propósito e elas divergem, como
seria de se esperar. A maioria, para minha surpresa, é pessimista. O escritor
francês, nascido na Argélia, Albert Camus (que já foi jogador profissional de
futebol), por exemplo, entendia que “antes a questão era descobrir se a vida
precisava ter algum significado para ser vivida. Agora, ao contrário, ficou
evidente que ela seria vivida melhor se não tivesse significado”. Discordo!
Mas... Estou mais propenso a concordar com a opinião de Gabriel Garcia Marquez,
que escreveu: “A vida não é mais do que uma contínua sucessão de oportunidades
para sobreviver”. Pelo menos é o que parece, embora não descarte o fato de que,
como o povão diz amiúde, “as aparências enganem”. É verdade que nem sempre.
Mas...
A poetisa portuguesa,
Florbela Espanca, não via qualquer lógica na vida. Escreveu, em uma de suas
tantas cartas a amigos: “A vida é apenas isto: um encadeamento de acasos bons e
maus, encadeamento sem lógica nem razão. É preciso a gente olhá-la de frente
com coragem e pensar, mas sem desfalecimentos, que a nossa hora há de vir, que
a gente há de ter um dia em que há de poder dormir e não ouvir, não ver, não
compreender nada”. Ela, todavia, foi incoerente. “Desfaleceu”. Abreviou sua
hora final, cometendo suicídio.
A mim a vida causa,
sobretudo, espanto. Eu teria, portanto, minha entrada franqueada na biblioteca
descrita pelo português José Gomes Ferreira, no livro “As aventuras de João sem
medo”, em cuja porta havia este aviso: “É proibida a entrada a quem não andar
espantado de existir”. Aliás, este escritor, autor de uma quantidade muito
grande de publicações (quase uma centena entre poesias, crônicas, contos,
ensaios, literatura infantil etc.etc.etc.) está novamente em evidência com o
recente lançamento, pela Editora Dom Quixote, de uma de suas obras mais antigas
(datada de 1966) e mais surreais. Refiro-me, exatamente, ao livro “As aventuras
de João sem medo”. O enredo é mais ou menos o seguinte, conforme sinopse
divulgada pela editora:
“João Sem Medo habita
na aldeia Chora-Que Logo-Bebes, cujos habitantes vivem presos à tradição de que
tanto se orgulham: chorar de manhã à noite. Um dia, o nosso herói decide saltar
o Muro que protege a aldeia da Floresta Branca, local onde ‘os homens, perdidos
dos enigmas da infância, haviam instalado uma espécie de Parque de Reserva de
Entes Fantásticos’. Tem início, assim, uma viagem surpreendente, na qual João
Sem Medo irá cruzar com bichos de sete cabeças, gigantes de cinco braços,
fadas, bruxas, animais que falam, e ainda com o mítico Príncipe das Orelhas de
Burro”.
Como se observa, é uma
história fantástica que recorre ao imaginário mágico, por vezes de inspiração
surrealista. Este romance de José Gomes Ferreira – nascido em 9 de junho de
1900 e que morreu em 8 de fevereiro de 1985 – prova que o autor é um prodígio de fabulação e de engenho
narrativo. Vale a pena ser lido. Segundo a editora, trata-se de “uma obra
intemporal que continua a arrebatar tanto adolescentes quanto adultos”. Mas,
voltando a tratar da opinião de alguns renomados pensadores sobre esse
mistério, que é o nosso “existir” – que a mim causa “espanto” sempre que penso
nisso, como destaquei – as duas, digamos, mais poéticas foram as expressadas
não por poetas, mas por filósofos.
O romano Sêneca, de
cuja obra tenho sorvido generosos goles de sabedoria, recomendou: “Apressa-te a
viver bem e pensa que cada dia é, por si só, uma vida”. Daí depreendo que:
aquele que desperdiça tempo com tolices, ou com atitudes negativas e perversas,
é um suicida, sem que se dê conta. Põe fim a “várias vidas” nos dias que
desperdiça. Mas a conclusão mais singela, e para mim mais bela, é a do filósofo
Voltaire, que escreveu: “A vida é uma criança que é preciso embalar até que
adormeça”. Como não sabemos quando ela irá conciliar o sono, ou seja, por causa
dessa incerteza, é que ela me causa tamanho espanto.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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