Desabafo há muito tempo
contido
Pedro
J. Bondaczuk
O presidente argentino,
Raul Alfonsin, ao discursar, anteontem à noite, para empresários do seu país,
na passagem do “Dia da Indústria”, fez um desabafo que, com certeza, desejava
há muito tempo fazer, mas que, em virtude das circunstâncias, teve que ser
contido. Falou “cobras e lagartos” contra o Fundo Monetário Internacional e o
Banco Mundial, causando grande inquietação entre os credores de sua dívida
externa, a terceira maior do Terceiro Mundo, que ascende a US$ 52 bilhões.
Exigiu do FMI que congele, pelo valor histórico, isto é, o da época da tomada
dos empréstimos, os juros dos débitos da Argentina. Classificou a política
ultra-ortodoxa da instituição de “ridícula”. E advertiu o Bird de que seu país
não permitirá que ele “deixe de atender os objetivos mais importantes para o
que foi criado, fundamentalmente o de atender aos problemas do desenvolvimento,
da pobreza e da infra-estrutura.
Como experiente
político que é, e sensível aos desejos da população, Alfonsin entendeu o claro
recado das urnas. Percebeu que a receita recessiva do FMI, além de não trazer
os resultados pretendidos, e prometidos pelos “magos” desse preposto dos ricos,
sobretudo no controle da inflação (e ela nunca funcionou, em lugar algum),
ainda minou a sua base, o seu prestígio e a sua liderança. E o presidente
argentino, como outros tantos governantes em cujas mãos tenha estourado uma
“bomba”, como essa, a da dívida externa, não está mais disposto a tolerar a
experiência de economistas alienados da realidade do Terceiro Mundo, às custas
do sofrimento dos argentinos.
O discurso, em parte,
concretiza um previsão feita num profético editorial do jornal “The Washington
Post”, publicado na terça-feira, comentando as eleições argentinas de domingo
passado, que resultou na vitória dos peronistas. Depois de criticar duramente o
aventureirismo político da população da Argentina, representado por Peron e pelo
movimento que ele inspirou, o texto do diário norte-americano completou: “O
débil governo brasileiro, que tenta evitar as necessárias medidas internas de
austeridade, está buscando aliados para uma moratória conjunta do pagamento da
dívida externa. Se Alfonsin for imobilizado e impedido de levar adiante o seu
próprio programa de reformas, aumentarão as pressões para essa moratória”.
Até quando o mundo
desenvolvido, sem entender bem a questão, pretende submeter o chamado Terceiro
Mundo ao neocolonialismo, embora, desta vez, apenas econômico? Até quando será
necessário que os deserdados da sorte se sacrifiquem por uma dívida contraída
em seu nome, de cujo dinheiro não viram um mísero centavo? Até quando a velha
prática etrusca (e posteriormente romana) da escravidão por débito será
aplicada em plena segunda metade do século XX? São essas as questões sobre as
quais precisamos refletir, e não, apenas, sobre decisões políticas, certas ou
erradas, tomadas à revelia de um povo apenas teoricamente soberano. Será que um
país, do porte da Argentina (ou do Brasil) pode ser tratado como um tomador de
empréstimo comum, e em bancos particulares, portanto, com fins lucrativos?
Pensem nisso.
(Artigo publicado na
editoria Internacional, do Correio Popular, em 11 de setembro de 1987)
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