Novela já vista cujo
final se conhece
Pedro
J. Bondaczuk
O governo argentino
colocou, desde quinta-feira passada, em pleno andamento, a segunda fase do
chamado Plano Austral, com medidas que, segundo a Casa Rosada, tenderão a
reativar a economia do país, paralisada por brutal recessão, cujas
conseqüências são muito difíceis, se não impossíveis, de dimensionar. Algumas
das providências já são nossas velhas conhecidas, apregoadas aos quatro ventos,
em 1982, como a “salvação da lavoura”. Entre elas destacam-se a construção de
85 mil casas populares e linhas de crédito para empresas que optarem em voltar
sua produção ao mercado externo.
Aliás, no Brasil,
quando da ocorrência do nosso “Setembro Negro”, ocasião em que não foi mais
possível esconder da sociedade a situação de insolvência externa do país,
nossas autoridades se mostraram até mesmo mais ousadas do que as da Argentina.
Anunciaram, naquela oportunidade, a construção de um milhão de unidades
habitacionais voltadas à população de baixa renda. Todavia, nem as que já
estavam prontas, disponíveis, portanto, a eventuais interessados, conseguiam
ser negociadas. Por que? Por falta de compradores. É evidente que a recessão
que nos estava sendo imposta, desde meados de 1980, havia suprimido os empregos
dos potenciais adquirentes de casas próprias. Esse número astronômico de
unidades, anunciado na ocasião, compreensivelmente, acabou sendo drasticamente
reduzido, às vésperas das eleições estaduais, com conseqüências tão danosas que
são sentidas ate hoje.
Quanto à ênfase dada ao
comércio exterior, para acumular reservas em dólares, visando ao pagamento das
elevadas taxas de juros da dívida externa, essa medida mostra-se uma clássica
faca de dois gumes. Se por um lado reativa alguns setores produtivos, sobretudo
da indústria, amainando a crise de desemprego (embora longe de solucioná-la),
por outro traz embutida uma inegável componente inflacionária. O mercado
interno passa a ser deficitário de determinados produtos destinados à
exportação. E a inflação (já que a demanda, mesmo com tantas pessoas
desempregadas e com o achatamento salarial dos trabalhadores, se torna maior do
que a oferta) tende a registrar taxas exponencialmente crescentes.
Por isso, o Plano
Austral, anunciado aos quatro ventos como a maravilha das maravilhas
econômicas, poderá ser ainda mais comprometido por uma de suas próprias fases.
Assim, a economia argentina tende a continuar andando em círculos. A inflação
de países como o Brasil, a Argentina e o México só poderá ser contida levando
em conta, prioritariamente, seus respectivos mercados internos. Para isso,
porém, é indispensável uma produção crescente de bens, até ao ponto da fúria
consumista da população não poder superar a oferta ao seu dispor. Isso exige
investimentos e evita a especulação financeira com papeis. É evidente que no
primeiro estágio, enquanto as prateleiras dos supermercados (e seus depósitos)
não estiverem extravasando mercadorias, esse consumismo desenfreado fará as
taxas de inflação crescer.
Todavia, se a reposição
de estoques for mais ágil do que a saída dos produtos, chegará determinado
momento em que os preços terão, forçosamente, que despencar, sob pena de
encalhe de mercadorias, o que nenhum comerciante competente e ajuizado quer que
ocorra. Afinal, se não vender o que acumulou, se tornará infeliz proprietário
de enorme elefante branco, representado por enorme capital ocioso que investiu,
empastado, sem o esperado retorno, com os respectivos lucros. Seria nesse caso,
no meu entender, e apenas nele, que poderia entrar na jogada o mercado externo.
A ação inversa não resolve um problema e nem outro. Ou seja, nem o país liquida
(ou pelo menos atenua) sua dívida com os bancos credores (porquanto estará
saldando, apenas, e com sacrifícios crescentes da população, os juros, sem
amortizar um mísero centavo de dólar do principal) e nem a inflação irá ceder
em virtude da demanda continuar maior do que a oferta.
Essas recessões “por
decreto”, via achatamento salarial, punem, exatamente, os que menos consomem,
por não contarem com recursos para tal. Dada a péssima distribuição de renda,
gritante realidade em toda a América Latina, os que se lançam a um consumismo
desbragado e não raro perdulário, continuarão com essa prática, por terem
“bala” na agulha para isso. O que eventualmente perderem com a alta dos preços,
recuperarão em dobro (ou muito mais) com a especulação no mercado financeiro.
Afinal, raros deles dependem, ou virão a depender algum dia, de salários.
Embora constituam minoria da população, seguirão consumindo, consumindo e
consumindo o que precisam e o que não precisam e em quantidades exageradas. Por
conseqüência lógica, a demanda seguirá superando, crescentemente, a oferta, pressionando
os preços cada vez mais para cima. A segunda fase do tão decantado Plano
Austral, portanto, a meu juízo, está fadado, inexoravelmente, ao fracasso. É
uma novela repetitiva, da qual se conhece, “ad nausea”, o desfecho. É,
infelizmente, uma triste história com final dos mais infelizes. Confiram daqui
a algum tempo.
(Artigo publicado na editoria
Internacional, do Correio Popular, em 12 de fevereiro de 1986).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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