Thursday, March 03, 2016

Pecúlio de uma geração


Pedro J. Bondaczuk


A dívida externa brasileira é o problema mais angustiante que o País tem pela frente para resolver. Embora a questão fosse “empurrada com a barriga” durante todo esse ano de 1985, no próximo ela terá que ser encarada e equacionada e o clima de falsa euforia que se esboça em diversos setores, em virtude de uma razoável performance econômica nos últimos 365 dias, certamente deverá se transformar um mais uma frustração para todos nós. Mas o que fazer? O Brasil emprestou todo esse dinheiro dos banqueiros e agora, ou algum dia, terá de pagá-lo. Até aí, todos concordam.

Mas com uma coisa, brasileiro nenhum, por mais alienado ou impatriótico que seja, pode jamais estar de acordo. Com o fato de 15% do nosso endividamento no Exterior Ter sido aplicado para coisa nenhuma. Ou seja, toda essa dinheirama foi, literalmente, jogada fora.

Essa revelação, chocante e revoltante sob todos os aspectos, foi feita anteontem por Henri Reichstul, chefe da Secretaria Especial de Controle das Estatais. Ele constatou, abismado (e mais ainda está toda a sociedade), que dos US$ 102,9 bilhões que o País deve ao mercado financeiro internacional (essa é a cifra mais atualizada, divulgada no dia 21 de outubro passado pelo Morgan Guaranty Trust), cerca de 60% são de responsabilidade das empresas do governo. E de que desse percentual, num montante em dinheiro de US$ 60 bilhões, 25% foram aplicados em projetos sem nenhum tostão de retorno.

Não se trata, se esclareça, de recurso investido na área social. Se o fosse, haveria algum saldo positivo, representado pela satisfação das classes menos favorecidas, o que redundaria num enorme investimento em força de trabalho. Ou seja, em relativa felicidade nacional.

Essa enormidade de dólares foi realmente esbanjada, atirada no lixo, desperdiçada de maneira irreversível. Por exemplo, US$ 3 bilhões foram perdidos com o atraso nas obras da Açominas; US$ 1 bilhão foram para a Caraíba Metais; US$ 5 bilhões “desapareceram” nesse autêntico sorvedouro de verbas que é o projeto nuclear e US$ 3 bilhões estão empatados na incrível Ferrovia do Aço, abandonada e sem serventia atualmente. Os restantes US$ 3 bilhões foram “investidos” de forma semelhante, em tantos outros projetos inúteis.

O pior de tudo é que esse dinheiro, que equivale a uma importância superior em US$ 1,1 bilhão à da nona dívida externa mundial (a peruana, que é de US$ 13,9 bilhões) foi emprestado em nosso nome. Nós é que teremos de pagar esse débito, tirando o pão da boca dos nossos filhos.

Mas na hora do empréstimo ser contraído, ninguém nos consultou por qualquer meio. E esse endividamento vem causando prejuízos enormes a toda a sociedade e é uma autêntica dinamite, que provavelmente vai explodir em 1986.

Apenas para que o leitor tenha uma idéia, a amortização dessa quantia, no corrente ano, custou aos cofres (falidos) do nosso Tesouro a bagatela de US$ 2 bilhões. Trocando em miúdos, no câmbio oficial de hoje, Cr$ 15 trilhões foram perdidos como conseqüência da má aplicação nessa aventura, feita com capital alheio.

Essa importância, por exemplo, é muito maior do que todo o gasto governamental deste ano na área social. É revoltante, não é verdade? E mais ainda quando se sabe que 36 milhões de crianças brasileiras são carentes e que 12 milhões delas são totalmente abandonadas.

As escolas, creches, roupa, alimentação e livros desses brasileirinhos foram perdidos nessas “geniais” inversões de verbas. Mas o pior ainda está para vir. Os banqueiros internacionais, todos sabem, não são filantropos, mas negociantes. Eles estão exigindo a devolução desse empréstimo e, convenhamos, estão no seu direito. Afinal, não cabe a eles julgar onde o devedor aplicou aquilo que tomou emprestado.

Mas o País não tem como saldar esse compromisso sem comprometer ainda mais o seu desenvolvimento. O que deve ocorrer, com toda a probabilidade, é uma emissão de moeda muito maior do que a já verificada. Uma venda de títulos do governo em dose cavalar. E como vai ficar a nossa economia em conseqüência disso?

Lastro para emitir moeda, o Brasil não tem. Portanto, esse processo tenderá a aumentar a espiral inflacionária. Para negociar as suas obrigações reajustáveis, por outro lado, o governo terá de torná-las atrativas em termos de rentabilidade. Os juros, por conseqüência, vão crescer.

E pensar que todas essas dificuldades serão decorrentes de dinheiro “jogado fora”! Que toda uma geração ficará marcada (quando não mais de uma) por atos irresponsáveis, ou na melhor das hipóteses, atrabiliários, posto que realizados sem qualquer consulta a quem terá de pagar por eles.

Isso deve servir de lição definitiva para nossa sociedade, para que jamais permita que o País saia novamente dos trilhos da democracia. Para que exerça uma fiscalização sistemática e permanente sobre os representantes que eleger para os diversos cargos da República, cobrando todo e cada um de seus atos. E para que se conscientize, de uma vez por todas, que a Nação não é uma meia dúzia de poderosos ou de privilegiados. Somos todos nós! O que acontecer à entidade nacional chamada Brasil, acontecerá a cada um dos seus componentes, chamados brasileiros.

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 24 de novembro de 1985).


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