Pecúlio de uma geração
Pedro J. Bondaczuk
A dívida externa brasileira
é o problema mais angustiante que o País tem pela frente para resolver. Embora
a questão fosse “empurrada com a barriga” durante todo esse ano de 1985, no
próximo ela terá que ser encarada e equacionada e o clima de falsa euforia que
se esboça em diversos setores, em virtude de uma razoável performance econômica
nos últimos 365 dias, certamente deverá se transformar um mais uma frustração
para todos nós. Mas o que fazer? O Brasil emprestou todo esse dinheiro dos
banqueiros e agora, ou algum dia, terá de pagá-lo. Até aí, todos concordam.
Mas
com uma coisa, brasileiro nenhum, por mais alienado ou impatriótico que seja,
pode jamais estar de acordo. Com o fato de 15% do nosso endividamento no
Exterior Ter sido aplicado para coisa nenhuma. Ou seja, toda essa dinheirama
foi, literalmente, jogada fora.
Essa
revelação, chocante e revoltante sob todos os aspectos, foi feita anteontem por
Henri Reichstul, chefe da Secretaria Especial de Controle das Estatais. Ele
constatou, abismado (e mais ainda está toda a sociedade), que dos US$ 102,9
bilhões que o País deve ao mercado financeiro internacional (essa é a cifra
mais atualizada, divulgada no dia 21 de outubro passado pelo Morgan Guaranty
Trust), cerca de 60% são de responsabilidade das empresas do governo. E de que
desse percentual, num montante em dinheiro de US$ 60 bilhões, 25% foram
aplicados em projetos sem nenhum tostão de retorno.
Não
se trata, se esclareça, de recurso investido na área social. Se o fosse,
haveria algum saldo positivo, representado pela satisfação das classes menos
favorecidas, o que redundaria num enorme investimento em força de trabalho. Ou
seja, em relativa felicidade nacional.
Essa
enormidade de dólares foi realmente esbanjada, atirada no lixo, desperdiçada de
maneira irreversível. Por exemplo, US$ 3 bilhões foram perdidos com o atraso
nas obras da Açominas; US$ 1 bilhão foram para a Caraíba Metais; US$ 5 bilhões
“desapareceram” nesse autêntico sorvedouro de verbas que é o projeto nuclear e
US$ 3 bilhões estão empatados na incrível Ferrovia do Aço, abandonada e sem
serventia atualmente. Os restantes US$ 3 bilhões foram “investidos” de forma
semelhante, em tantos outros projetos inúteis.
O
pior de tudo é que esse dinheiro, que equivale a uma importância superior em
US$ 1,1 bilhão à da nona dívida externa mundial (a peruana, que é de US$ 13,9
bilhões) foi emprestado em nosso nome. Nós é que teremos de pagar esse débito,
tirando o pão da boca dos nossos filhos.
Mas
na hora do empréstimo ser contraído, ninguém nos consultou por qualquer meio. E
esse endividamento vem causando prejuízos enormes a toda a sociedade e é uma
autêntica dinamite, que provavelmente vai explodir em 1986.
Apenas
para que o leitor tenha uma idéia, a amortização dessa quantia, no corrente
ano, custou aos cofres (falidos) do nosso Tesouro a bagatela de US$ 2 bilhões.
Trocando em miúdos, no câmbio oficial de hoje, Cr$ 15 trilhões foram perdidos
como conseqüência da má aplicação nessa aventura, feita com capital alheio.
Essa
importância, por exemplo, é muito maior do que todo o gasto governamental deste
ano na área social. É revoltante, não é verdade? E mais ainda quando se sabe
que 36 milhões de crianças brasileiras são carentes e que 12 milhões delas são
totalmente abandonadas.
As
escolas, creches, roupa, alimentação e livros desses brasileirinhos foram
perdidos nessas “geniais” inversões de verbas. Mas o pior ainda está para vir.
Os banqueiros internacionais, todos sabem, não são filantropos, mas negociantes.
Eles estão exigindo a devolução desse empréstimo e, convenhamos, estão no seu
direito. Afinal, não cabe a eles julgar onde o devedor aplicou aquilo que tomou
emprestado.
Mas
o País não tem como saldar esse compromisso sem comprometer ainda mais o seu
desenvolvimento. O que deve ocorrer, com toda a probabilidade, é uma emissão de
moeda muito maior do que a já verificada. Uma venda de títulos do governo em
dose cavalar. E como vai ficar a nossa economia em conseqüência disso?
Lastro
para emitir moeda, o Brasil não tem. Portanto, esse processo tenderá a aumentar
a espiral inflacionária. Para negociar as suas obrigações reajustáveis, por
outro lado, o governo terá de torná-las atrativas em termos de rentabilidade.
Os juros, por conseqüência, vão crescer.
E
pensar que todas essas dificuldades serão decorrentes de dinheiro “jogado
fora”! Que toda uma geração ficará marcada (quando não mais de uma) por atos
irresponsáveis, ou na melhor das hipóteses, atrabiliários, posto que realizados
sem qualquer consulta a quem terá de pagar por eles.
Isso
deve servir de lição definitiva para nossa sociedade, para que jamais permita
que o País saia novamente dos trilhos da democracia. Para que exerça uma
fiscalização sistemática e permanente sobre os representantes que eleger para
os diversos cargos da República, cobrando todo e cada um de seus atos. E para
que se conscientize, de uma vez por todas, que a Nação não é uma meia dúzia de
poderosos ou de privilegiados. Somos todos nós! O que acontecer à entidade
nacional chamada Brasil, acontecerá a cada um dos seus componentes, chamados
brasileiros.
(Artigo
publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 24 de novembro de 1985).
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