Procuro um livro
Pedro
J. Bondaczuk
O “desconhecido” causa
as mais diversas reações nas pessoas, de acordo com seu temperamento, formação,
visão de mundo e outras tantas características. O bastante curioso, por
exemplo, aceita correr todos os riscos possíveis e imagináveis para conhecer o que
se desconhece. O prudente, por seu turno, pondera os prós e contras, os riscos
e vantagens potenciais, antes de tomar uma decisão. Todavia não se arrisca.
Clarice Lispector, em uma crônica do livro “A descoberta do mundo” (Editora
Rocco), cita outras reações possíveis, como estranhamento, assombro,
deslumbramento e... medo. Mesmo o mais ousado dos ousados, o mais imprudente
dos imprudentes, teme encarar o desconhecido. Pudera! Ele está cercado de
infinitas potenciais surpresas. Afinal, nunca se sabe o que ele nos reserva.
Pode tanto ser a felicidade e a glória, quanto a ruína e até nossa destruição.
Ou nenhuma coisa. Depende que tipo de situação é o que não conhecemos, mas que
cogitamos conhecer.
O físico Albert
Einstein defendeu a idéia de que devemos ter, pelo menos, a “percepção” do
desconhecido. Ou seja, que é mister percebermos sua existência. E, mesmo com
medo (o que é natural), com as devidas cautelas, temos que buscar conhecê-lo,
caso haja possibilidade para tal. O “pai da teoria da relatividade” escreveu,
no livro “Como vejo o mundo”: “A percepção do desconhecido é a mais fascinante
das experiências. O homem que não tem olhos abertos para o misterioso passará
pela vida sem ver nada”. No meu caso, estou na categoria dos prudentes. Minha
reação depende de que tipo é a situação (ou coisa) que não conheço, mas cogito
conhecer. Afinal, como diz o povão, “cautela e caldo de galinha não fazem mal a
ninguém”.
Mas... e se esse
desconhecido for um livro, que supomos existir, mas que não tenhamos certeza
que exista? Afinal, por mais eruditos e maníacos por leitura que sejamos, as
obras que lemos são ínfimos infinitésimos de todas as que já foram escritas.
Trago esse caso à baila a propósito deste trecho da crônica “O livro
desconhecido”, do volume “A descoberta do mundo”, que citei acima, de Clarice
Lispector. A prolífica e instigante escritora inicia assim esse pitoresco
texto: “Estou à procura de um livro para ler”. Até aí, não há nada de novo, de
desafiador, de excepcional. Qualquer um de nós pode estar neste momento à
procura de um livro específico, não importa o motivo. A mais brasileira das
ucranianas, contudo, na sequência, fornece pistas sobre o que deseja: “Eu o
imagino como a um rosto sem traços. Não lhe sei o nome nem o autor”. Fica
claro, portanto, que se trata mesmo de um livro “desconhecido”, pelo menos por
ela.
Clarice prossegue,
nessa insólita crônica: “Quem sabe, às vezes penso que estou à procura de um
livro que eu mesma escreveria. Não sei. Mas faço tantas fantasias a respeito
desse livro desconhecido e já tão profundamente amado”. Nós, que lidamos com
Literatura e fazemos dela muito mais do que profissão, obsessão, temos
idênticas fantasias. Sonhamos escrever algo tão original e inédito como
ninguém, em tempo algum, jamais escreveu. Afinal, isso é possível? Temo que
não. Temo que o que escrevemos, ou que pretendamos ainda escrever, mesmo que
nem desconfiemos, não passa de um conjunto de variações em torno dos
mesmíssimos temas. As palavras são diferentes, os estilos variam, mas os
conteúdos... são monotonamente, se não iguais, idênticos a tantos e tantos e
tantos outros. Afinal, tantos e bons
escritores já passaram pela Terra (quantos? É impossível até de estimar) , que
originalidade é algo que, suponho, nos seja rigorosamente interdita.
Mas Clarice, como
sempre, surpreende e na sequência de sua crônica, fugindo do óbvio, do lugar
comum, nos traz mais uma surpresa. Escreve, a propósito das fantasias que o tal
livro desconhecido lhe suscita: (...) Eu
o estaria lendo e, de súbito, uma frase lida com lágrimas nos olhos, diria em
êxtase de dor e enfim, libertação: mas é que eu não sabia que se pode tudo, meu
Deus!”. Na verdade, o que ela descobriu foi a felicidade. Até nisso, todavia,
Clarice foi original. Assustou-se, ou pelo menos escreveu isso, ao constatar
que era feliz. Vejam o que escreveu, não na citada crônica, mas em outro texto,
tratando do mesmo assunto, sobre este tão desejável estado de espírito, ao
alcance de todas as pessoas que, no entanto, não percebem essa proximidade e
teimam em serem infelizes: “Ah milhares de pessoas não têm coragem de pelo
menos prolongar-se um pouco mais nessa coisa desconhecida, que é sentir-se
feliz, e preferem a mediocridade”.
A exemplo de Clarice,
também estou à procura desse livro especial, que satisfaça todos meus anseios,
e não somente literários (o que já seria muito), mas existenciais, e cujo
título e autor desconheço. É, portanto, literalmente “desconhecido”. Como ela,
desconfio que esse livro já exista, mas apenas de forma embrionária, em minha
imaginação. Concluo que ele não pode ser lido, porquanto ainda estou à procura
de palavras adequadas, medidas, exatas, sem contradições e sem ambigüidade,
para que possa ser escrito. E decido fazer de sua redação não mero desejo, mas
inadiável tarefa a cumprir.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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