Bom teste para a “glasnost”
Pedro J.
Bondaczuk
As eleições de hoje, na União Soviética, posto que ainda
muito distantes de algo que sequer palidamente lembre um processo democrático,
não deixam de ser um passo adiante, pelos diversos precedentes que já abriram e
que ainda vão abrir. Por exemplo, é a primeira vez que eleitores de todo o país
vão comparecer, simultaneamente, às urnas (e eles são cerca de 184 milhões)
para i exercício do voto.
Outra “novidade” é a existência
de mais de um candidato em diversos distritos, o que já dá um caráter de
disputa ao pleito, coisa que há pouquíssimo tempo seria algo simplesmente
inconcebível na superpotência marxista. É óbvio que aqueles que esperavam um
processo que pelo menos lembrasse ligeiramente o que ocorre no Ocidente estão
decepcionados com o predomínio massacrante do Partido Comunista.
A agremiação única da União
Soviética não se dispôs a correr qualquer risco. Em princípio, garantiu um
terço das vagas do novo Congresso do Povo para si, mediante a nomeação de 750
deputados biônicos. Para disputar as outras 1.500, o PC dispõe de 82% dos
candidatos. Portanto, certamente vai continuar detendo o controle dos mínimos
passos e atitudes dos soviéticos, provavelmente até com maior rigor do que
antes.
Se é assim, perguntará o leitor,
qual a razão de tanto barulho em torno de um pleito que sequer merece esse
nome, dado os vícios que encerra? Não há somente uma. Existem muitas. Por
exemplo, pela primeira vez, o Partido Comunista e seus principais “barões”
tiveram suas mazelas expostas em público por postulantes independentes, durante
a campanha, como foi o caso do ex-secretário-geral da agremiação em Moscou,
Boris Yeltsin, expulso em novembro de 1987 do seu cargo e do Politburo
exatamente por não ter papas na língua. E o que é o principal, esses críticos
não foram parar em prisões e muito menos nos sombrios hospitais psiquiátricos,
para onde eram enviados antigamente os que ousavam não ser meros “boizinhos de
presépio”.
Ale, disso, mesmo onde houver
candidatura única, o eleitor vai ter a oportunidade de rejeitar o postulante,
caso entenda que ele seja incompetente, corrupto ou prepotente, mediante uma
simples palavrinha, que no idioma russo tem quatro letras: “nyet”, ou “não”.
O terceiro e principal mérito das
eleições foi a sua ampla divulgação no Exterior. Com isso, o sistema foi
analisado, avaliado e amplamente criticado, podendo vir a ser melhorado num
futuro, que se espera não seja muito distante. Isto, desde que os soviéticos
desejem, de fato, soluções inovadoras.
De qualquer forma, a “glasnost”
de Mikhail Gorbachev haverá de continuar sob o foco das atenções mundiais, para
se aquilatar se se trata realmente de um processo de “transparência”, como o
termo sugere, ou se não é mais uma das tantas farsas encenadas por Moscou nos
últimos 72 anos de sua história.
(Artigo publicado na página 21, Internacional, do Correio Popular, em 26
de março de 1989).
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