Friday, March 11, 2016

Raízes da violência



Pedro J. Bondaczuk


O ministro da Justiça, Maurício Corrêa, afirmou, no início da semana, que o governo está preparando um verdadeiro pacote de medidas para tentar reduzir a violência no País. Os índices, de fato, estão alarmantes, em especial nas maiores metrópoles brasileiras, como Rio de Janeiro – onde os traficantes detêm o domínio de diversas favelas – São Paulo e Porto Alegre, apenas para citar três casos.

Campinas também teve expressivo crescimento da criminalidade em setembro passado, conforme atestou matéria publicada pelo “Correio Popular” no último fim de semana. As propostas do governo, se de fato forem implementadas e não se restringirem ao terreno das boas-intenções, serão, portanto, bem-vindas. Mas, certamente, não resolverão o problema.

É preciso, antes de tudo, que sejam atacadas as raízes da violência. Torna-se indispensável, em princípio, reduzir as proporções das grandes cidades, com a adoção de uma política agrária consistente, séria, não-demagógica, que reverta o êxodo das zonas rurais para as urbanas.

É necessário que o Brasil seja “repensado”. Hoje, o País constitui a mais injusta das sociedades nacionais em termos de concentração de renda. Não nos atrevemos a afirmar que a miséria seja a única causa (ou até mesmo a principal) da criminalidade. Concordamos com o historiador inglês, Paul Johnson, quando diz que, afirmar isso, seria uma “tremenda injustiça com os pobres”.

Mas a extrema pobreza da maioria dos brasileiros – de acordo com o relatório do Banco Mundial divulgado em 30 de setembro passado – é uma dessas raízes da violência. É responsável, por exemplo, pelos 7,2 milhões de meninos e meninas de rua, expostos a toda a sorte de vícios e perigos e que se iniciam precocemente nessa “escola do crime”. Induz, por outro lado, pessoas carentes, sem capacitação profissional, desempregadas ou mal-remuneradas em empregos instáveis, a se verem tentadas a obter seu sustento à margem da lei, traficando drogas, praticando furtos e cometendo toda a sorte de delitos.

As grandes concentrações urbanas, características deste século, são insalubres, sob todos os aspectos, e impróprias para uma vida civilizada. O historiador inglês Arnold Toynbee chegou a essa conclusão. O pensador japonês Daisaku Ikeda também condenou essa forma de vida, em que as pessoas permanecem “encaixotadas”, sem aquele espaço vital mínimo imposto pela própria natureza.

Eça de Queiroz, no livro “A Cidade e a Serra”, diz que em tais aglomerações o homem perde “a força e a beleza”. E acrescenta: “Na cidade, findou sua liberdade moral; cada manhã ela lhe impõe uma necessidade, e cada necessidade arremessa para uma dependência: pobre e subalterno, a sua vida é um constante solicitar, adular, vergar, rastejar, aturar; rico e superior...A sociedade logo o enreda em tradições, preceitos, etiquetas, cerimônias, praxes, ritos, serviços mais disciplinares que os dum cárcere ou dum quartel...A sua tranqüilidade, onde está?”

O pacote antiviolência, anunciado por Corrêa, que prevê a reforma do sistema penitenciário, a inclusão dos grupos de extermínio no rol dos crimes hediondos e um maior controle da venda e da manipulação de armas de fogo pela sociedade, propõe medidas que já deveriam estar há muito em vigor.

Mas, certamente, não resolverá o problema se não houver esse “repensamento” do Brasil. Até porque, como diz o presidente da República Checa, Vaclav Havel: “A salvação deste mundo humano está no coração humano e em nenhum outro lugar”.    

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 8 de outubro de 1993)


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