Thursday, March 10, 2016

Bem relativamente caro e nada raro


Pedro J. Bondaczuk

O eclético e realista escritor italiano, Umberto Eco, mordaz crítico do comportamento característico de nosso tempo, declarou, em certa ocasião, que “o mundo está cheio de livros fantásticos, que ninguém lê”. É uma realidade tão óbvia, que não requer, nem mesmo, o menor esforço para ser comprovada. Basta vermos o que ocorre ao nosso redor. Livros fantásticos, de conteúdo precioso, que enriqueceriam nossa cultura e aperfeiçoariam nossa visão do mundo existem aos montes. Da existência da maioria, no entanto, sequer tomamos ciência, por uma série de razões, das quais a mais comum é a deficiência (quando não completa ausência) de divulgação. Nestes casos, até se justifica o fato de não serem lidos. Como ler um livro que nem mesmo sabemos que existe?

O ruim é quando um amigo nos recomenda sua leitura, mas, por algum motivo, não conseguimos ter acesso a ele – ou por não o encontrarmos em nenhuma livraria da cidade, ou por não integrar o acervo da biblioteca pública que freqüentamos, ou por não contarmos com dinheiro suficiente para adquiri-lo, ou por qualquer razão que não as citadas. Isso, porém, não é o pior. Pior é se o temos em casa e, em vez de lê-lo, deixamo-lo juntando poeira na estante de livros da nossa casa, sem jamais tê-lo sequer folheado. E isto também é bastante comum.

Todavia, o livro – tanto esse específico quanto outro qualquer – embora seja um produto relativamente caro, está anos-luz de distância de ser raro. Nem sempre foi assim. Durante milênios, foi um bem raríssimo, a que pouquíssimas pessoas tinham acesso. A lógica diz que, mesmo depois da invenção da escrita, por determinada sociedade, passou-se um tempo enorme para que alguém se aventurasse a registrar por escrito acontecimentos, idéias, sentimentos e vai por aí afora. Para escrever, seria indispensável que houvesse leitores potenciais. E para a existência deles, seria preciso que muitas pessoas, ou mesmo apenas um punhado delas, dominassem os símbolos que constituíam o alfabeto daquele determinado idioma.

E mais do que isso: seria necessário que juntassem as letras para formar sílabas, palavras, sentenças, orações, períodos e textos minimamente coerentes e inteligíveis. Raros se dispunham a encarar esse desafio, ou por considerá-lo inútil e desnecessário, ou por comodismo ou por qualquer outra razão. Pretextos para a inércia e o desinteresse nunca faltaram, não faltam e duvido que algum dia faltem. Se hoje, com todos os magníficos recursos tecnológicos proporcionados pelo aparato de comunicação contemporâneo há, de acordo com estimativas da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), em torno de 1,1 bilhão de analfabetos, imaginem naqueles tempos remotos em que faltava tudo e a luta pela sobrevivência era muito mais feroz e renhida!

O site Worldmeters (WWW.worldmeters.info/pt), especializado em estatísticas mundiais em tempo real, informa que de 1º de janeiro de 2015 até a data em que redijo estas reflexões (17 de dezembro de 2015), foram publicados, no mundo, 330.735.831 livros, literários ou técnicos, de todos os gêneros e em todas as línguas existentes. Não me perguntem como os editores desse espaço da internet chegaram a essa estratosférica cifra, pois não sei e nem desconfio. Prefiro acreditar na informação. Além disso, só nesta data, circularam 439.305 jornais, ao redor do Planeta, de acordo com a mesma fonte.

Creio que nem mesmo esse site é capaz de apurar quantos portais e blogs da internet publicaram hoje algum texto e quantos eles foram. O que ler, portanto, os 7,3 bilhões de pessoas da Terra têm, e em profusão. O que nem todos são é alfabetizados. O que nem todos têm é interesse de se instruir e de se informar. O que nem todos têm é a consciência dessa necessidade. Nem sempre, todavia, reitero, as coisas foram sequer parecidas com nossa realidade atual. Aliás, muito pelo contrário. Mesmo depois da invenção dos tipos móveis, por parte de Johannes Guttenberg, por volta do ano 1450, o livro era produto raro, raríssimo, uma espécie de tesouro difícil de ser encontrado, o que começou a mudar, somente, em meados do século XIX, se tanto.

Ouso afirmar, sem nenhum receio de engano, que somente as obras publicadas neste ano são o dobro, ou o triplo, ou muito mais do que todas as que foram dadas a lume – desde que o primeiro sujeito talentoso e paciente conseguiu colocar, com razoável coerência, de forma inteligível, suas idéias em tabuazinhas de barro, ou num papiro, ou num pergaminho (couro de animal geralmente de carneiro) dependendo de onde esse escritor pioneiro procedia – somados. Imaginem nesta década, neste século e no anterior juntos! Por isso, não estranho que, havendo tantos livros fantásticos, a esmagadora maioria não seja lida e talvez jamais o venha a ser. Não estranho, é fato, contudo lamento, principalmente por não ter a mínima chance de acesso a tantas e desconhecidas preciosidades.


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