Bem relativamente caro
e nada raro
Pedro
J. Bondaczuk
O eclético e realista
escritor italiano, Umberto Eco, mordaz crítico do comportamento característico
de nosso tempo, declarou, em certa ocasião, que “o mundo está cheio de livros
fantásticos, que ninguém lê”. É uma realidade tão óbvia, que não requer, nem
mesmo, o menor esforço para ser comprovada. Basta vermos o que ocorre ao nosso
redor. Livros fantásticos, de conteúdo precioso, que enriqueceriam nossa
cultura e aperfeiçoariam nossa visão do mundo existem aos montes. Da existência
da maioria, no entanto, sequer tomamos ciência, por uma série de razões, das
quais a mais comum é a deficiência (quando não completa ausência) de
divulgação. Nestes casos, até se justifica o fato de não serem lidos. Como ler
um livro que nem mesmo sabemos que existe?
O ruim é quando um
amigo nos recomenda sua leitura, mas, por algum motivo, não conseguimos ter
acesso a ele – ou por não o encontrarmos em nenhuma livraria da cidade, ou por
não integrar o acervo da biblioteca pública que freqüentamos, ou por não
contarmos com dinheiro suficiente para adquiri-lo, ou por qualquer razão que
não as citadas. Isso, porém, não é o pior. Pior é se o temos em casa e, em vez
de lê-lo, deixamo-lo juntando poeira na estante de livros da nossa casa, sem
jamais tê-lo sequer folheado. E isto também é bastante comum.
Todavia, o livro –
tanto esse específico quanto outro qualquer – embora seja um produto
relativamente caro, está anos-luz de distância de ser raro. Nem sempre foi
assim. Durante milênios, foi um bem raríssimo, a que pouquíssimas pessoas
tinham acesso. A lógica diz que, mesmo depois da invenção da escrita, por
determinada sociedade, passou-se um tempo enorme para que alguém se aventurasse
a registrar por escrito acontecimentos, idéias, sentimentos e vai por aí afora.
Para escrever, seria indispensável que houvesse leitores potenciais. E para a
existência deles, seria preciso que muitas pessoas, ou mesmo apenas um punhado
delas, dominassem os símbolos que constituíam o alfabeto daquele determinado
idioma.
E mais do que isso:
seria necessário que juntassem as letras para formar sílabas, palavras,
sentenças, orações, períodos e textos minimamente coerentes e inteligíveis.
Raros se dispunham a encarar esse desafio, ou por considerá-lo inútil e
desnecessário, ou por comodismo ou por qualquer outra razão. Pretextos para a
inércia e o desinteresse nunca faltaram, não faltam e duvido que algum dia
faltem. Se hoje, com todos os magníficos recursos tecnológicos proporcionados
pelo aparato de comunicação contemporâneo há, de acordo com estimativas da
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco),
em torno de 1,1 bilhão de analfabetos, imaginem naqueles tempos remotos em que
faltava tudo e a luta pela sobrevivência era muito mais feroz e renhida!
O site Worldmeters (WWW.worldmeters.info/pt),
especializado em estatísticas mundiais em tempo real, informa que de 1º de
janeiro de 2015 até a data em que redijo estas reflexões (17 de dezembro de
2015), foram publicados, no mundo, 330.735.831 livros, literários ou técnicos,
de todos os gêneros e em todas as línguas existentes. Não me perguntem como os
editores desse espaço da internet chegaram a essa estratosférica cifra, pois
não sei e nem desconfio. Prefiro acreditar na informação. Além disso, só nesta
data, circularam 439.305 jornais, ao redor do Planeta, de acordo com a mesma
fonte.
Creio que nem mesmo
esse site é capaz de apurar quantos portais e blogs da internet publicaram hoje
algum texto e quantos eles foram. O que ler, portanto, os 7,3 bilhões de
pessoas da Terra têm, e em profusão. O que nem todos são é alfabetizados. O que
nem todos têm é interesse de se instruir e de se informar. O que nem todos têm
é a consciência dessa necessidade. Nem sempre, todavia, reitero, as coisas
foram sequer parecidas com nossa realidade atual. Aliás, muito pelo contrário.
Mesmo depois da invenção dos tipos móveis, por parte de Johannes Guttenberg,
por volta do ano 1450, o livro era produto raro, raríssimo, uma espécie de
tesouro difícil de ser encontrado, o que começou a mudar, somente, em meados do
século XIX, se tanto.
Ouso afirmar, sem
nenhum receio de engano, que somente as obras publicadas neste ano são o dobro,
ou o triplo, ou muito mais do que todas as que foram dadas a lume – desde que o
primeiro sujeito talentoso e paciente conseguiu colocar, com razoável
coerência, de forma inteligível, suas idéias em tabuazinhas de barro, ou num
papiro, ou num pergaminho (couro de animal geralmente de carneiro) dependendo
de onde esse escritor pioneiro procedia – somados. Imaginem nesta década, neste
século e no anterior juntos! Por isso, não estranho que, havendo tantos livros
fantásticos, a esmagadora maioria não seja lida e talvez jamais o venha a ser.
Não estranho, é fato, contudo lamento, principalmente por não ter a mínima
chance de acesso a tantas e desconhecidas preciosidades.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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