O desafio de fazer
pensar
Pedro
J. Bondaczuk
“O mais belo triunfo do
escritor é fazer pensar os que podem pensar”. O autor dessa declaração, ao
contrário do que se possa pensar, não foi ninguém envolvido, direta ou
indiretamente, com Literatura. Não teria, portanto, porque afirmar isso em
proveito próprio. É certo que foi um artista e dos mais talentosos e
reconhecidos. Mas de outra arte, que nada tem a ver com letras. Quem disse isso
(que para os desavisados pode até soar como mera frase de efeito, sem qualquer
conteúdo especial) foi o pintor francês Ferdinand Victor Eugene Delacroix,
expoente do romantismo na França (e, por extensão, na Europa), que nasceu em 26
de abril de 1798 e morreu em 13 de agosto de 1863, aos 65 anos de idade.
Convenhamos, nem todo
escritor tem esse talento, ou seja, o de fazer pensar aquele que pode. E, quem
não pode, muito menos. Este nem mesmo o mais fantástico dos mágicos, algum
Merlin magnífico e todo-poderoso, tem esse poder. Pior é quem pode pensar, mas
não pensa. E o que se recusa a fazê-lo, por inércia, preguiça ou seja lá por
qual motivo for. Mas fazê-lo raciocinar é, justamente, o grande desafio do
escritor. E não importa a qual gênero literário recorra: quer à ficção, quer à
poesia, quer ao ensaio ou quer à Filosofia. Há milhões, provavelmente bilhões,
de pessoas assim mundo afora. Poderiam (e deveriam) contribuir com idéias para
a evolução da humanidade, mas não contribuem.
Perguntaram-me, há já
bom tempo, por que escrevo tanto, com tamanha fúria, obsessão e assiduidade.
Bem, para enriquecer é que não é, pois salvo uma ou outra raríssima exceção,
quase ninguém enriquece com Literatura. Aliás, economicamente, convenhamos, não
é das atividades mais rentáveis. Muito pelo contrário. Então seria por vaidade?
É certo que me sinto gratificado quando algum dos meus textos é elogiado (o
que, felizmente, não é raro) e reconhecido como “bom”. Como “excelente”, então,
é a glória (e esse qualificativo, sim, é sumamente escasso). Mas a Literatura
está repleta de armadilhas. Sujeita-nos, com maior freqüência, ao ridículo, do
que à consagração. Quem já passou por isso, sabe a que estou me referindo.
Portanto, por mais vaidoso que eu fosse (e quem me conhece sabe que não sou),
jamais recorreria às letras para colher louvores. Se o fizesse, viveria
frustrado, amargurado e permanentemente triste.
Dedico-me a esta
atividade, tão trabalhosa e frustrante e tão raramente compensadora, justamente
para encarar o “desafio” feito (provavelmente sem a intenção de desafiar) por
Delacroix, que li, alhures, há umas três décadas. Ou seja, o de “fazer pensar
os que podem”. E, se possível, os que não podem. Ou, pelo menos, aqueles que
não querem fazê-lo. É pouco? Admito que é. E aqui cabe o superlativo: é
pouquíssimo!!! Considero, porém, caso seja bem-sucedido, maiúscula vitória. Daí
tentar, e tentar, e tentar, sem nunca saber (o escritor raramente sabe) se
consegui ou não atingir meu objetivo. A presunção de sucesso, no entanto, para
mim, já é recompensa suficiente.
Concordo com Monteiro
Lobato quando observou que “o escritor funciona qual antena – e disso vem o
valor da literatura. Por meio dela se fixam aspectos da alma de um povo, ou,
pelo menos, instantes da vida desse povo”. Embora tenha a presunção de criar, o
escritor não cria coisa alguma. Apenas “capta”, e retransmite, aspectos da
realidade, que quem pode pensar e, quer fazê-lo, usufrui. Não tem motivos,
pois, para vaidade. Até porque, mesmo que faça multidões pensarem (o que é
improvável), provavelmente um dia será irremediavelmente esquecido, como
milhões e milhões já o foram e milhões e milhões também o serão, mundo e tempo
afora.
E qual a recompensa do
escritor por tamanho empenho, por tanta dedicação, por estafante trabalho para
pesquisar, ler, redigir, revisar e desgastar neurônios e os olhos, e talvez o
cérebro todo, nessa inglória labuta sem fim? A material é que não é (reitero,
salvo raríssimas exceções, tão raras que não vale a pena desejar). A glória? Se
vier, será efêmera e passageira, mera fumaça que se perde no ar. Caso, porém,
tenha êxito, e faça multidões pensarem (e, claro, venha a saber que isso
aconteceu), restará a deliciosa sensação do dever (e não imposto por ninguém,
mas por si próprio, atendendo os reclamos de sua vocação) de dever cumprido. E,
sobretudo, isso que a poetisa. Cora Coralina constatou: “Feliz aquele que
transfere o que sabe e aprende o que ensina”. Para mim, isso não tem preço.
Vale mais, muito mais, do que fortuna, glória e até a suposta e tão procurada
“imortalidade” da memória.
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