Sunday, March 27, 2016

Ganhos e perdas


Pedro J. Bondaczuk


A crise dos reféns, recém encerrada, no Líbano, com a libertação dos 39 norte-americanos que ficaram prisioneiros dos muçulmanos xiitas libaneses por 17 dias, após o seqüestro do Boeing 727 da TWA, no dia 14 de junho, trouxe vantagens e desvantagens para figuras direta ou indiretamente envolvidas no incidente.

Em princípio, ao que parece, o maior ganhador, com o desfecho do caso, foi o presidente sírio, Hafez Assad, responsável (ao menos ostensivo) pelo fim do cativeiro dos cidadãos dos EUA. Isso, a despeito de tentativas israelenses de implicá-lo no ato de pirataria aérea, posto que indiretamente.

Com o sucesso em reaver os reféns das mãos dos xiitas, esse político hábil e pragmático não somente aumentou o seu cacife junto à Casa Branca (que, goste ou não, ficou a lhe dever esse favor), como consolidou seu prestígio junto a uma das facções mais numerosas que compõem a população libanesa.

Os rumores que correram durante a semana deram conta de que Assad teria encabeçado a ação mediadora a conselho do líder soviético, Mikhail Gorbachev, que lhe teria recomendado isso na semana em que ele esteve de visita a Moscou. Seja ou não verdadeira esta versão, o fato é que conseguiu êxito em sua missão. E, certamente, seu prestígio deve ter crescido muito no desunido mundo árabe.

Se a crise teve um grande vencedor, não deixou de ter, também, seus perdedores. E, destes, os maiores foram as duas nominais autoridades do Líbano: o presidente Amin Gemayel e o primeiro-ministro Rashid Karami. Em momento algum dos 17 dias em que durou o affaire, o nome de qualquer um deles foi, sequer de passagem, mencionado.

Isso demonstra, sobejamente, que o poder que ambos detêm hoje é exclusivamente nominal. Não é estranho que isso ocorra? Se um incidente internacional de tamanha monta viesse a ocorrer no Brasil, por exemplo, não seria de se esperar que a primeira e principal posição a ser inquirida devesse ser a do presidente José Sarney?  Pois com o Líbano não aconteceu assim.

Aliás, desde 19 de março, quando apresentou a sua renúncia da chefia de gabinete, após perder setores importantes do bairro muçulmano para os xiitas, o líder da milícia dos sunitas, Rashid Karami, passou a ser considerado carta fora do baralho em termos de decisão naquele país. Essas partem todas, há algum tempo, de Damasco e, tanto o primeiro-ministro, quanto o presidente, não passam de meros porta-vozes do presidente sírio, Hafez Assad. Gemayel até mesmo já não é mais ouvido, sequer, pela Falange Cristã, entidade criada por seu falecido pai e que atualmente contesta o seu comando.

Por outro lado, embora tenha ficado exposto a possíveis futuras represálias norte-americanas e israelenses, o ministro da Justiça, e da pasta que trata do Sul do Líbano, Nabih Berri, viu bastante fortalecida sua posição, principalmente entre os grupos mais radicais da sua seita religiosa, como o Hezbollah (Partido de Deus) e a Jihad Islâmica (Guerra Santa).

Não só consolidou a sua liderança na própria milícia, a Amal, como conquistou importantes espaços entre todos os xiitas do país, atualmente 33% de toda a população. Seu gesto, embora condenável à luz das leis internacionais, deve ter repercutido bem nas alas mais radicais do mundo árabe, que o viam com muita reserva até aqui.

Caso Nabih Berri deixasse os reféns nas mãos dos originais seqüestradores, quais poderiam ser as conseqüências? Será que os piratas aéreos, tão desequilibrados a ponto de assassinarem friamente o fuzileiro naval Robert Stephen, teriam libertado tão ilesos assim os seus reféns? Certamente que não!

O mais provável é que esses não seriam retirados do aparelho e que alguma desesperada operação de resgate, do tipo promovido por Israel em Entebbe, viesse a ser tentada pelos fuzileiros norte-americanos. E aí, o que poderia ocorrer, é totalmente imprevisível. Fica por conta da imaginação de cada um. Somente isso já reduz o “pecado” de Berri, ao assumir o papel de fiador dos terroristas, se é que algum deslize lhe possa ser atribuído em todo esse caso.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 2 de julho de 1985).


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