Ganhos e perdas
Pedro J.
Bondaczuk
A crise dos reféns, recém encerrada, no Líbano, com a
libertação dos 39 norte-americanos que ficaram prisioneiros dos muçulmanos
xiitas libaneses por 17 dias, após o seqüestro do Boeing 727 da TWA, no dia 14
de junho, trouxe vantagens e desvantagens para figuras direta ou indiretamente
envolvidas no incidente.
Em princípio, ao que parece, o
maior ganhador, com o desfecho do caso, foi o presidente sírio, Hafez Assad,
responsável (ao menos ostensivo) pelo fim do cativeiro dos cidadãos dos EUA.
Isso, a despeito de tentativas israelenses de implicá-lo no ato de pirataria
aérea, posto que indiretamente.
Com o sucesso em reaver os reféns
das mãos dos xiitas, esse político hábil e pragmático não somente aumentou o
seu cacife junto à Casa Branca (que, goste ou não, ficou a lhe dever esse
favor), como consolidou seu prestígio junto a uma das facções mais numerosas
que compõem a população libanesa.
Os rumores que correram durante a
semana deram conta de que Assad teria encabeçado a ação mediadora a conselho do
líder soviético, Mikhail Gorbachev, que lhe teria recomendado isso na semana em
que ele esteve de visita a Moscou. Seja ou não verdadeira esta versão, o fato é
que conseguiu êxito em sua missão. E, certamente, seu prestígio deve ter
crescido muito no desunido mundo árabe.
Se a crise teve um grande
vencedor, não deixou de ter, também, seus perdedores. E, destes, os maiores
foram as duas nominais autoridades do Líbano: o presidente Amin Gemayel e o
primeiro-ministro Rashid Karami. Em momento algum dos 17 dias em que durou o
affaire, o nome de qualquer um deles foi, sequer de passagem, mencionado.
Isso demonstra, sobejamente, que
o poder que ambos detêm hoje é exclusivamente nominal. Não é estranho que isso
ocorra? Se um incidente internacional de tamanha monta viesse a ocorrer no
Brasil, por exemplo, não seria de se esperar que a primeira e principal posição
a ser inquirida devesse ser a do presidente José Sarney? Pois com o Líbano não aconteceu assim.
Aliás, desde 19 de março, quando
apresentou a sua renúncia da chefia de gabinete, após perder setores
importantes do bairro muçulmano para os xiitas, o líder da milícia dos sunitas,
Rashid Karami, passou a ser considerado carta fora do baralho em termos de
decisão naquele país. Essas partem todas, há algum tempo, de Damasco e, tanto o
primeiro-ministro, quanto o presidente, não passam de meros porta-vozes do
presidente sírio, Hafez Assad. Gemayel até mesmo já não é mais ouvido, sequer,
pela Falange Cristã, entidade criada por seu falecido pai e que atualmente
contesta o seu comando.
Por outro lado, embora tenha
ficado exposto a possíveis futuras represálias norte-americanas e israelenses,
o ministro da Justiça, e da pasta que trata do Sul do Líbano, Nabih Berri, viu
bastante fortalecida sua posição, principalmente entre os grupos mais radicais
da sua seita religiosa, como o Hezbollah (Partido de Deus) e a Jihad Islâmica
(Guerra Santa).
Não só consolidou a sua liderança
na própria milícia, a Amal, como conquistou importantes espaços entre todos os
xiitas do país, atualmente 33% de toda a população. Seu gesto, embora
condenável à luz das leis internacionais, deve ter repercutido bem nas alas
mais radicais do mundo árabe, que o viam com muita reserva até aqui.
Caso Nabih Berri deixasse os reféns
nas mãos dos originais seqüestradores, quais poderiam ser as conseqüências?
Será que os piratas aéreos, tão desequilibrados a ponto de assassinarem
friamente o fuzileiro naval Robert Stephen, teriam libertado tão ilesos assim
os seus reféns? Certamente que não!
O mais provável é que esses não
seriam retirados do aparelho e que alguma desesperada operação de resgate, do
tipo promovido por Israel em Entebbe, viesse a ser tentada pelos fuzileiros
norte-americanos. E aí, o que poderia ocorrer, é totalmente imprevisível. Fica
por conta da imaginação de cada um. Somente isso já reduz o “pecado” de Berri,
ao assumir o papel de fiador dos terroristas, se é que algum deslize lhe possa
ser atribuído em todo esse caso.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 2
de julho de 1985).
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