Saturday, March 05, 2016

Guerra esconde problemas


 Pedro J. Bondaczuk


A guerra do Golfo Pérsico, cuja cobertura vem ocupando a totalidade dos espaços disponíveis para o noticiário internacional nos meios de comunicação do mundo todo, está servindo como uma espécie de máscara para outros problemas, de tanta gravidade como este, e que não contarão por muito tempo com cobranças por parte da opinião pública para a sua solução.

Nesse meio tempo, enquanto Bagdá era arrasada estupidamente, sob aplausos delirantes de alienados que sempre encontraram justificativas para atos de destruição que não aos atinjam; enquanto os mísseis riscavam os céus do Iraque, de Israel e da Arábia Saudita, muitos dramas se desenvolviam, sem a luz dos refletores e nem as câmeras de TV por perto para registrar.

Os chineses, por exemplo, começaram a julgar os líderes do movimento pró-democracia, num evidente arremedo de Justiça, tentando sufocar de vez as aspirações populares legítimas por liberdade.

Por outro lado, os militares soviéticos reprimiam selvagemente os nacionalistas bálticos, à revelia do presidente Mikhail Gorbachev, conforme ele mesmo revelou, demonstrando que o líder do Cremlin não mais detém o poder de fato, já que não consegue sequer ser obedecido pelos seus soldados.

Enquanto as agências se desdobram para furar a censura imposta tanto pelo Pentágono, quanto pelo Ministério de Informação do Iraque, para informar de maneira mais aproximada possível o que de fato está ocorrendo nos campos de batalha do Golfo, as guerras civis da Somália, de Ruanda, do Sri Lanka, da Birmânia, de El Salvador e da Libéria, para citar apenas as que estão mais em evidência, seguem fazendo talvez mais vítimas do que o conflito do Oriente Médio.

Os esforços bélicos dos presidentes George Bush, Saddam Hussein, François Mitterrand, Hosni Mubarak e Hafez Assad; do primeiro-ministro britânico John Major e do rei saudita Fahd, priva os cidadãos de seus respectivos países de preciosos recursos para a solução de outros e graves problemas internos.

Como o da AIDS, nos Estados Unidos, por exemplo. Ou o do desemprego, no Iraque de antes da guerra. Ou o dos agricultores franceses, prejudicados pelas normas do MCE. Ou o da recessão da Grã-Bretanha. Ou a questão habitacional egípcia, gravíssima por sinal. Ou a da crise econômica síria. E assim por diante.

Passou-se, para a opinião pública, a falsa impressão que o único desastre mundial que requer a atenção é o da divisão do Kuwait e a queda do regime dos riquíssimos xeques kuwaitianos, que não conhecem a palavra democracia sequer nos dicionários. Agir assim é o mesmo que disfarçar um piromaníaco de bombeiro. Ao invés de lançar água nas chamas, tentará “apagar” o incêndio com gasolina.

(Artigo publicado na página 12, A Guerra no Golfo, do Correio Popular, em 26 de janeiro de 1991).


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