Guerra esconde problemas
A guerra do Golfo Pérsico,
cuja cobertura vem ocupando a totalidade dos espaços disponíveis para o
noticiário internacional nos meios de comunicação do mundo todo, está servindo
como uma espécie de máscara para outros problemas, de tanta gravidade como
este, e que não contarão por muito tempo com cobranças por parte da opinião
pública para a sua solução.
Nesse
meio tempo, enquanto Bagdá era arrasada estupidamente, sob aplausos delirantes
de alienados que sempre encontraram justificativas para atos de destruição que
não aos atinjam; enquanto os mísseis riscavam os céus do Iraque, de Israel e da
Arábia Saudita, muitos dramas se desenvolviam, sem a luz dos refletores e nem
as câmeras de TV por perto para registrar.
Os
chineses, por exemplo, começaram a julgar os líderes do movimento
pró-democracia, num evidente arremedo de Justiça, tentando sufocar de vez as
aspirações populares legítimas por liberdade.
Por
outro lado, os militares soviéticos reprimiam selvagemente os nacionalistas
bálticos, à revelia do presidente Mikhail Gorbachev, conforme ele mesmo
revelou, demonstrando que o líder do Cremlin não mais detém o poder de fato, já
que não consegue sequer ser obedecido pelos seus soldados.
Enquanto
as agências se desdobram para furar a censura imposta tanto pelo Pentágono,
quanto pelo Ministério de Informação do Iraque, para informar de maneira mais
aproximada possível o que de fato está ocorrendo nos campos de batalha do
Golfo, as guerras civis da Somália, de Ruanda, do Sri Lanka, da Birmânia, de El
Salvador e da Libéria, para citar apenas as que estão mais em evidência, seguem
fazendo talvez mais vítimas do que o conflito do Oriente Médio.
Os
esforços bélicos dos presidentes George Bush, Saddam Hussein, François
Mitterrand, Hosni Mubarak e Hafez Assad; do primeiro-ministro britânico John
Major e do rei saudita Fahd, priva os cidadãos de seus respectivos países de
preciosos recursos para a solução de outros e graves problemas internos.
Como
o da AIDS, nos Estados Unidos, por exemplo. Ou o do desemprego, no Iraque de
antes da guerra. Ou o dos agricultores franceses, prejudicados pelas normas do
MCE. Ou o da recessão da Grã-Bretanha. Ou a questão habitacional egípcia,
gravíssima por sinal. Ou a da crise econômica síria. E assim por diante.
Passou-se,
para a opinião pública, a falsa impressão que o único desastre mundial que
requer a atenção é o da divisão do Kuwait e a queda do regime dos riquíssimos
xeques kuwaitianos, que não conhecem a palavra democracia sequer nos
dicionários. Agir assim é o mesmo que disfarçar um piromaníaco de bombeiro. Ao
invés de lançar água nas chamas, tentará “apagar” o incêndio com gasolina.
(Artigo
publicado na página 12, A Guerra no Golfo, do Correio Popular, em 26 de janeiro
de 1991).
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