Monday, March 07, 2016

Chance de luxúria


Pedro J. Bondaczuk

O escritor norte-americano Henry Miller teria afirmado que “devemos ler para oferecer à nossa alma a oportunidade da luxúria”. O verbo, aqui, vai no condicional, porque não tenho certeza que ele emitiu, de fato, e por escrito, essa opinião. Não a colhi na fonte, em nenhum dos livros desse controvertido intelectual, como é meu procedimento corriqueiro. Li-a em um comentário, não me lembro de que autor, em determinado blog da internet, sem a devida contextualização dessa declaração. Não estou discordando do seu teor, dessa citação atribuída ao escritor, que aliás ficou conhecido pelo fato de seus livros serem considerados mais do que eróticos –  como os classificam seus defensores – ou apenas “picantes” – como outros tantos os consideram –  mas escandalosamente pornográficos. Muito pelo contrário. Até concordo com tal observação.

É certo que fiquei intrigado com a palavra “luxúria” contida na expressão. Daí minha curiosidade sobre o contexto em que Miller teria escrito isso (claro, se foi ele mesmo que escreveu). O significado desse substantivo feminino tem a ver com os prazeres sexuais, mas levados ao grau superlativo. Tem a ver, portanto, com lascívia. É considerada um dos sete pecados capitais pela Igreja Católica. Interpreto, porém, essa “luxúria” não no sentido usual, de comportamento desmedido em relação aos prazeres carnais, mas como criativa metáfora de um estado luxuriante, ou seja, viçoso e abundante, significados estes que também constam dos dicionários. E, com essa conotação, concordo integralmente com a citação que nem sei se é autêntica ou apócrifa. “Devemos ler para oferecer à nossa alma a oportunidade da luxúria”. Ou seja, de irrestrito e copioso deleite.

É claro que a leitura não se presta “somente” a isto, mas pode e deve “também” se prestar a isso, ou seja, em nos proporcionar intensa satisfação. A mim proporciona, mesmo quando seu objeto é um texto mal escrito, ou “bonitinho, mas ordinário”, que seja até mesmo belo, mas vazio de conteúdo. Sempre me opus a estereótipos, de atividades e de pessoas, por considerá-los, sobretudo, injustos. Mas Henry Miller é estereotipado por alguns livros que escreveu, que críticos mordazes e seus tantos adversários rotularam de “pornográficos”. Não tenho toda sua obra, mas do que já li dele – a trilogia “Sexus”, “Plexus” e “Nexus”, “Trópico de Câncer” e “Trópico de Capricórnio” – não merece essa classificação. São livros um tanto picantes, é verdade, mas jamais podem ser incluídos na categoria de pornografia, apesar de terem sido proibidos em muitos países (e também no Brasil), por terem sido considerados “indecentes”. Indecente, isso sim, é esse (e qualquer outro) tipo de censura.

Ocorre que Henry Miller publicou, também, obras de crítica literária e de cunho filosófico que não têm, óbvio, nada de obsceno. Obscenidade é esta generalização barata e preconceituosa, ignorando preciosas reflexões que nos brindou e que, se lidas e praticadas, certamente nos engrandecerão intelectual e espiritualmente. O escritor novaiorquino, que morreu em 7 de junho de 1980, escreveu coisas como esta, de grande sabedoria e conteúdo: “Ao expandirmos o campo do conhecimento apenas aumentamos o horizonte da ignorância”. E ele não estava certo?! Afinal, quanto mais sabemos, mais nos convencemos que nada sabemos.

Querem outra reflexão de Henry Miller? Que tal esta: “Ninguém avança pela vida em linha reta. Muitas vezes, não paramos nas estações indicadas no horário. Por vezes, saímos dos trilhos. Por vezes, perdemo-nos, ou levantamos voo e desaparecemos como pó. As viagens mais incríveis fazem-se às vezes sem se sair do mesmo lugar. No espaço de alguns minutos, certos indivíduos vivem aquilo que um mortal comum levaria toda a sua vida a viver. Alguns gastam um sem número de vidas no decurso da sua estadia cá em baixo. Alguns crescem como cogumelos, enquanto outros ficam inelutavelmente para trás, atolados no caminho. Aquilo que, momento a momento, se passa na vida de um homem é para sempre insondável. É absolutamente impossível que alguém conte a história toda, por muito limitado que seja o fragmento da nossa vida que decidamos tratar”.

Como se vê, reflexões como estas, e como tantas outras, se lidas, oferecem à nossa alma preciosas e indispensáveis oportunidades de “luxúria”, mas em seu sentido metafórico e nobre: de um “estado luxuriante, viçoso e abundante”. Mesmo que Henry Miller não seja o verdadeiro autor dessa citação, se ela for interpretada de forma inteligente e positiva, expressa uma das maiores necessidades espirituais que temos. Antes que me esqueça, recomendo a leitura deste livro de Henry Miller, “Colosso de Marússia”, que não tem absolutamente nada de erótico, ou de picante e muito menos de pornográfico, como seus detratores rotularam a totalidade da sua obra literária.


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