Saturday, March 26, 2016

Genialidade e criatividade


Pedro J. Bondaczuk

A inteligência excepcional com que muitas pessoas são naturalmente dotadas, essa que classificamos, genericamente, de “genialidade”, de nada vale caso quem a tenha não a aplique para o próprio bem e muito menos para o bem comum. Nessas circunstâncias, ela acaba por ser pior do que a condição inversa, a conhecida popularmente como “burrice”. De que adianta você ter asas, se não souber voar. Ou seja, se não tiver a mais remota idéia do que fazer com elas? Em tais circunstâncias, esse aparato típico das aves seria mais um empecilho do que propriamente facilidade especial, não é mesmo? Há muitas pessoas assim. Ou seja, com Quocientes de Inteligência muito superiores à média, mas que, por algum motivo (inércia, preguiça, desconhecimento das próprias aptidões e vai por aí afora) agem, no dia a dia, como os mais broncos dos broncos, useiros e vezeiros em trapalhadas de toda a sorte.

Para a renomada psicóloga norte-americana de Harvard, Shelley Carson – autora do best-seller internacional “O cérebro criativo” – o que falta a essas pessoas é a cognição. Ou seja, é o conhecimento que lhes possibilite fazer bom uso dessa aptidão com que a natureza as dotou, sem a qual, conforme a especialista, elas “não conseguem ser originais e surpreendentes”. Ou seja, podem ser tudo, menos criativas. E sem a criatividade, não marcarão sua passagem pelo mundo. O mais provável é que sejam ignoradas e que seu elevado QI sequer seja conhecido ou reconhecido por quem quer que seja.

Para ser criativo é indispensável que a pessoa seja “genial”? Para Shelley Carson, não! Qualquer indivíduo “normal”, ou mesmo com alguma psicopatologia que não seja severa demais a ponto de inutilizá-lo, pode ser. Foi o que a psicóloga disse na excelente entrevista que concedeu ao jornalista Remato Grandelle, publicada pelo jornal “O Globo” em 7 de abril de 2012, tratando do seu livro. “Não importa o que lhe dizem, você é criativo”, assegurou a especialista.  Somos todos, basta, somente, que “criemos” de fato, ou seja, que exercitemos esse nosso não raro adormecido potencial de criatividade, o que o escritor em especial (embora também quem exerça  outras tantas atividades) exercita com constância para desenvolver seu “métier”.Um romancista, contista, poeta etc.etc.etc. que não for criativo tende, apenas, a tratar de lugares-comuns. Nesse caso, não raro, cairá em ridículo.

Além de conhecimento (e quanto mais e mais variado, melhor) a intuição tem algo a ver com criatividade? Quanto, caso seja possível mensurá-la? Essa foi uma das perguntas feitas por Renato Grandelle (não necessariamente com essas palavras) na mencionada entrevista. “Pessoas intuitivas são mais criativas? Elas levam um projeto adiante com a mesma facilidade dos racionais?”. Essa última questão foi formulada exatamente assim pelo jornalista. Antes de transcrever a resposta da entrevistada, pergunto-lhe, atento leitor: o que você acha a propósito? Veja o que Shelley Carson pensa a  respeito: “As pessoas que se consideram intuitivas são mais propensas a mudar seu estado de ativação de cérebro. Elas estão mais dispostas a ‘baixar o volume’ daquelas partes do cérebro que nos ajudam a focar a atenção. Uma das funções principais do córtex pré-frontal é inibir informações irrelevantes de entrar em nossa consciência. Esta é a essência da concentração. No entanto, esta habilidade para focar também limita nosso acesso à informação tangencial, que pode nos ajudar a resolver criativamente os problemas. Ser capaz de desfocar a atenção é útil para a criatividade”.

Uma questão que geralmente vem à baila quando converso com amigos sobre criatividade é se a rotina interfere de alguma forma, para o bem ou para o mal, nela. As opiniões que colhi são as mais diversas possíveis. Da minha parte, não vejo interferência alguma, nem positiva e nem negativa. Minha preferência pessoal, até por temperamento, é fazer as coisas, sempre que possível, da mesma forma, no mesmo horário e no mesmo lugar. Nem por isso minha criatividade aumentou ou diminuiu. Já escrevi textos que me surpreenderam pela inegável alta qualidade nos horários mais malucos e nos lugares mais inusitados. Meu melhor poema, por exemplo, foi escrito no Estádio Moisés Lucarelli, durante um emocionante jogo de futebol entre a Ponte Preta e o Flamengo, pelo Campeonato Brasileiro da Série A. Entendo, pois, que a interferência da rotina depende do temperamento de cada um.

No meu caso, por exemplo, fui “adestrado” por décadas a pensar (e criar) em locais menos rotineiros possíveis: redações de jornais. O jornalismo pode ser muita coisa, quase tudo o que você imaginar, menos atividade rotineira. Se você não tiver capacidade de improvisação, o que chamamos eufemisticamente de “jogo de cintura”, não durará dias na empresa, quanto mais meses ou anos. Como se vê, genialidade e criatividade têm pouco a ver uma com a outra (talvez nada). Claro, se você tiver ambas, tanto melhor. Contudo, se não for gênio, mas for culto, bem informado, atento, interessado etc.etc.etc. e, sobretudo, persistente, não se amofine. Faço minhas as palavras de Shelley Carson: “VOCÊ É CRIATIVO”!!! Ao menos potencialmente, cujo exercício depende exclusivamente de você.


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