Thursday, March 31, 2016

Gafes e teimosias de um grande presidente


Pedro J. Bondaczuk


O presidente norte-americano, Ronald Reagan, embora com seus razoáveis dotes de ator saiba polarizar, junto ao grande público de seu país, as simpatias da maioria (mesmo quando comete gafes extraordinárias), tem se caracterizado por algumas atitudes infelizes, que além de enriquecerem o anedotário político, dão argumentos de sobra para seus opositores criarem uma imagem nada edificante dele.

Já não se questionam mais suas seguidas quebras de protocolo, ao visitar, ou receber, ilustres visitas, como quando recebeu a rainha Elizabeth II, em 1982. Nem algumas brincadeiras infelizes e inoportunas, como a feita no ano passado, por exemplo, quando ao testar um microfone em sua fazenda em Santa Bárbara, na Califórnia, prometeu apagar a União Soviética do mapa em cinco minutos.

Mais do que aquilo que Reagan diz, ele acaba tropeçando no que faz. E, até, no que deixa de fazer. Em junho de 1982, por exemplo, quando estava em andamento a operação “Paz para a Galiléia”, ou seja, a invasão das tropas israelenses ao Líbano, o presidente perguntou, candidamente, a um de seus assessores, sem se importar com a presença indiscreta de jornalistas: “Nós estamos ganhando?”.

Esse “nós”, obviamente, referia-se às forças de Israel. Na época, isso repercutiu mal, pois, dias antes, Reagan afirmara, sério e compenetrado, perante a imprensa, que os EUA estavam absolutamente neutros na questão. Como se vê, não estavam.

Mas de todas as atitudes infelizes desse estadista, que há meio ano obteve uma das mais consagradoras vitórias eleitorais da história norte-americana, a que vem despertando maior celeuma é a sua projetada visita ao cemitério da pequenina cidade alemã ocidental de Bittburg, local onde estão sepultados diversos soldados nazistas, inclusive vários ex-oficiais SS, que torturaram e executaram não apenas milhões de judeus em campos de concentração, mas muitos soldados do próprio país do presidente.

É certo que sentimentos revanchistas não devem perdurar indefinidamente. Afinal, a guerra já acabou há quatro décadas e muita água rolou sob a ponte da História. A própria Alemanha Ocidental de hoje é bem diversa daquela em que esses crimes hediondos ocorreram.

De perigosa inimiga, que deveria ser vencida a qualquer custo, pelo bem dos princípios da liberdade em todo o mundo (que nunca foram tão desrespeitados como atualmente), se transformou na mais fiel e leal aliada norte-americana na Europa.

Mas perdoar uma falta de alguém, ou de um povo, não equivale a esquecer que ela foi cometida. Os crimes nazistas não poderão ser apagados da História. E nem devem. Precisam ser sempre lembrados, não com um espírito de rancor e de vingança, ou com o objetivo de punir a Alemanha atual, que pouco (ou quase nada) teve a ver com aqueles fatos deprimentes. Mas, em memória dos milhões de mártires da insânia nazista, devem servir para sempre como um permanente alerta, para que o mundo jamais permita que o lado bestial da natureza humana volte a se manifestar como no período de 1939 a 1945, sob o olhar complacente, ou ao menos acomodado, de quem poderia ter evitado essa ocorrência.

Que o presidente cometa as suas gafes, vez ou outra, vá lá. O anedotário político está repleto de passagens pitorescas envolvendo líderes do porte de um Winston Churchill, Charles De Gaulle, Franklin Roosevelt, Nikita Kruschev, entre tantos outros.

Que brinque de extinguir a URSS, ou diga que um foguete pode ser chamado de volta, após disparado, ainda se tolera (embora já com certo mal-estar). Mas, nem Reagan, nem ninguém, tem o direito de ferir tão profundamente sentimentos de saudade e de respeito nutridos pelos familiares e sobreviventes dos que foram massacrados pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.

O presidente norte-americano não poderia, portanto, ter descoberto uma forma mais infeliz e desastrada para lembrar o 40º aniversário do fim de um dos mais dolorosos conflitos em que a humanidade já se envolveu...

(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 20 de abril de 1985).


 Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk             

No comments: