Gafes e teimosias de um grande presidente
Pedro J.
Bondaczuk
O presidente norte-americano, Ronald Reagan, embora com
seus razoáveis dotes de ator saiba polarizar, junto ao grande público de seu
país, as simpatias da maioria (mesmo quando comete gafes extraordinárias), tem
se caracterizado por algumas atitudes infelizes, que além de enriquecerem o
anedotário político, dão argumentos de sobra para seus opositores criarem uma
imagem nada edificante dele.
Já não se questionam mais suas
seguidas quebras de protocolo, ao visitar, ou receber, ilustres visitas, como
quando recebeu a rainha Elizabeth II, em 1982. Nem algumas brincadeiras
infelizes e inoportunas, como a feita no ano passado, por exemplo, quando ao
testar um microfone em sua fazenda em Santa Bárbara, na Califórnia, prometeu
apagar a União Soviética do mapa em cinco minutos.
Mais do que aquilo que Reagan
diz, ele acaba tropeçando no que faz. E, até, no que deixa de fazer. Em junho
de 1982, por exemplo, quando estava em andamento a operação “Paz para a
Galiléia”, ou seja, a invasão das tropas israelenses ao Líbano, o presidente
perguntou, candidamente, a um de seus assessores, sem se importar com a
presença indiscreta de jornalistas: “Nós estamos ganhando?”.
Esse “nós”, obviamente,
referia-se às forças de Israel. Na época, isso repercutiu mal, pois, dias
antes, Reagan afirmara, sério e compenetrado, perante a imprensa, que os EUA
estavam absolutamente neutros na questão. Como se vê, não estavam.
Mas de todas as atitudes
infelizes desse estadista, que há meio ano obteve uma das mais consagradoras
vitórias eleitorais da história norte-americana, a que vem despertando maior
celeuma é a sua projetada visita ao cemitério da pequenina cidade alemã
ocidental de Bittburg, local onde estão sepultados diversos soldados nazistas,
inclusive vários ex-oficiais SS, que torturaram e executaram não apenas milhões
de judeus em campos de concentração, mas muitos soldados do próprio país do
presidente.
É certo que sentimentos
revanchistas não devem perdurar indefinidamente. Afinal, a guerra já acabou há
quatro décadas e muita água rolou sob a ponte da História. A própria Alemanha
Ocidental de hoje é bem diversa daquela em que esses crimes hediondos
ocorreram.
De perigosa inimiga, que deveria
ser vencida a qualquer custo, pelo bem dos princípios da liberdade em todo o
mundo (que nunca foram tão desrespeitados como atualmente), se transformou na
mais fiel e leal aliada norte-americana na Europa.
Mas perdoar uma falta de alguém,
ou de um povo, não equivale a esquecer que ela foi cometida. Os crimes nazistas
não poderão ser apagados da História. E nem devem. Precisam ser sempre
lembrados, não com um espírito de rancor e de vingança, ou com o objetivo de
punir a Alemanha atual, que pouco (ou quase nada) teve a ver com aqueles fatos
deprimentes. Mas, em memória dos milhões de mártires da insânia nazista, devem
servir para sempre como um permanente alerta, para que o mundo jamais permita
que o lado bestial da natureza humana volte a se manifestar como no período de
1939 a 1945, sob o olhar complacente, ou ao menos acomodado, de quem poderia
ter evitado essa ocorrência.
Que o presidente cometa as suas
gafes, vez ou outra, vá lá. O anedotário político está repleto de passagens
pitorescas envolvendo líderes do porte de um Winston Churchill, Charles De
Gaulle, Franklin Roosevelt, Nikita Kruschev, entre tantos outros.
Que brinque de extinguir a URSS,
ou diga que um foguete pode ser chamado de volta, após disparado, ainda se
tolera (embora já com certo mal-estar). Mas, nem Reagan, nem ninguém, tem o
direito de ferir tão profundamente sentimentos de saudade e de respeito
nutridos pelos familiares e sobreviventes dos que foram massacrados pelos
nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.
O presidente norte-americano não
poderia, portanto, ter descoberto uma forma mais infeliz e desastrada para
lembrar o 40º aniversário do fim de um dos mais dolorosos conflitos em que a
humanidade já se envolveu...
(Artigo publicado na página 9, Internacional, do Correio Popular, em 20
de abril de 1985).
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
No comments:
Post a Comment