O amor dos romanos
pelos livros
Pedro
J. Bondaczuk
Os romanos – sobretudo
um dos seus maiores vultos intelectuais, o filósofo, orador, escritor e
advogado Marcus Tullius Cícero – deram grande impulso à Literatura, não apenas
como escritores, mas, sobretudo, como leitores.. A elite pensante de Roma
desenvolveu e incentivou o hábito da leitura – ao contrário da maioria dos
outros povos, contemporâneos ou não, que não deram maior importância (na
verdade, nenhuma, salvo raras exceções) a essa forma de obter conhecimento.
Entre tantas contribuições nesse sentido, a alta sociedade romana foi grande
incentivadora, por exemplo, de bibliotecas particulares. Tratava-se de um “luxo”
sumamente dispendioso (se levarmos em conta que na época o livro, pelas
dificuldades de serem “materialmente” produzidos, era um objeto bastante raro
e, portanto, caro). Refiro-me especificamente ao século I antes de Cristo,
período considerado como sendo o “de ouro” da Literatura romana.
Eram comuns, por
exemplo, os salões de leitura, espalhados por toda a Roma, e sempre lotados, com pessoas ávidas por
ouvirem a leitura, em voz alta, dos escritores mais populares de então.
Guardadas as devidas proporções, esse interesse equivalia ao que tínhamos ainda
bastante recentemente em relação ao cinema, antes que novas mídias nos
possibilitassem o acesso, sem sairmos de casa (inclusive pelo computador), aos
filmes mais badalados. Era bastante comum, também, a leitura de livros nas
termas, enquanto as pessoas se banhavam, ou nos banquetes, onde eram recitados,
principalmente, os poemas dos poetas mais notáveis de Roma.
Nessa época, a posse de
uma biblioteca particular, que fosse bem sortida, era símbolo de “status”,
objeto de desejo dos que tinham posses suficientes para tal. Como se vê, ao
contrário do que a maioria pensa, os romanos não se divertiam, somente, com os
selvagens e brutais combates de gladiadores. Não, pelo menos, os abastados, com
acesso à educação e à cultura. O amor e a veneração desse povo pelos livros era
tão grande, a ponto de Cícero haver declarado, em certa ocasião: “Se tens um
jardim e uma biblioteca, tens tudo”. Os estudiosos da História da Literatura
tendem a considerar os escritores gregos mais profundos e menos superficiais
que os romanos. No que diz respeito à Filosofia, até pode sem embora esse tipo
de comparação sequer caiba. Todavia, considero os poetas de Roma mais
apaixonantes, completos e sutis. Sobretudo no que diz respeito a elegias.
Um dos grandes vultos
da poesia, em Roma, foi, sem dúvida, Plauto. Popularíssimo não somente entre as
elites, era conhecido como o “poeta do povo”. Era especializado em sátiras e
criticava, com argúcia e coragem, os costumes de seu tempo. É tido, até os dias
de hoje, como o maior cômico latino. Aliás, os romanos tinham particular gosto
pela sátira e pela comédia. Outro escritor, bastante popular de então, foi
Terêncio. Embora cartaginês, e escravo, conquistou o patriciado romano com suas
engraçadíssimas peças, como “O eunuco”, “A sogra”, “Os dois irmãos” e “O
atormentador de si mesmo”. Roma produziu, na figura de Virgílio, um dos maiores
poetas de todos os tempos, comparável ao grego Homero, autor da epopéia
“Eneida”, além de outros poemas, sobretudo líricos.
Não se pode tratar de
Literatura romana sem citar nomes como Horácio, com suas “Odes” e suas
“Sátiras”. Ou como Ovídio e seu clássico “A arte de amar”. Ou como Tito Lívio e
sua esclarecedora obra “Livros desde a fundação da Cidade”, com episódios sobre
a história de Roma. Há dezenas de outros nomes, de escritores que nada ficam a
dever para os atuais, como Petrônio (autor do “Satyricon”, uma paródia do
romance grego), ou Marcial, ou Juvenal (ambos escritores satíricos). Ou, mais
tarde, Plutarco (autor de “Vidas paralelas”), e Luciano (chamado pelos
historiadores de “O Voltaire da Antiguidade”, autor de “Diálogo dos mortos” e
“As seitas em hasta pública”).
Mas quando se fala em
Literatura romana, e mais, em cultura desse povo extraordinário, um intelectual,
na verdade um gênio, se destaca. Refiro-me a Cícero, tido e havido, com justiça
como uma das mentes mais versáteis da Roma antiga. Foi ele, afinal, quem
apresentou aos romanos as escolas da filosofia grega. Foi mais longe: criou um
vocabulário filosófico em Latim, distinguindo-se como linguista, tradutor, e
filósofo. Além disso, foi orador impressionante e advogado de sucesso. Cícero
provavelmente pensava que sua carreira política era sua maior façanha. Estava
enganado. Hoje em dia, ele é apreciado principalmente
pelo seu humanismo e trabalhos filosóficos. Sua correspondência (parte da qual
é dirigida ao seu amigo Ático) é especialmente influente, introduzindo a arte
de cartas refinadas à cultura européia. Pena, na verdade, que se meteu em
política. Por causa dela, foi assassinado, em 7 de dezembro de 43 a.C., a mando
de Marco Antonio, seu desafeto. Não me
admiro dos romanos terem tamanho respeito pelo livro. Pudera, com tantos e bons
escritores, valia a pena o sacrifício que isso, então, representava,
considerando-se a raridade e o preço bastante salgado dessa preciosa fonte de
cultura e prazer.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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