Monday, March 28, 2016

Round de estudos



Pedro J. Bondaczuk


O novo chanceler soviético, Eduard Shevardnadze, teve, anteontem e ontem, em Helsinque, o seu batismo de fogo internacional na arena diplomática. Ele foi à Finlândia para participar das comemorações do décimo aniversário de um acordo que, se cumprido, representaria um avanço no relacionamento entre as pessoas e nações e que objetivava, sobretudo, a promover uma distensão entre o Leste e o Oeste. E, desde a abertura dos trabalhos, aconteceu o que os soviéticos já esperavam.

Verificou-se uma série de críticas ao não cumprimento, por parte de Moscou, do documento que os russos também firmaram, em 1975, com tanta pompa e solenidade. E que depois de uma década, não passa de mera letra morta, de mais uma das pretensas boas intenções, que nunca saem do papel para a prática.

Antes de uma reunião reservada, ocorrida ontem, com o secretário de Estado dos EUA, George Shultz, Shevardnadze teve que travar um duelo verbal com o seu oponente norte-americano. Acossado por duras críticas desse, deu uma indicação do porquê da sua escolha para substituir o veterano (e eficiente) Andrei Gromiko.

Utilizou as táticas do antecessor e fez do ataque sua arma de defesa. Com isso, conseguiu, pelo menos em parte, esvaziar a reprimenda que estava sendo preparada contra o seu país. Mas não completamente.

Como Shevardnadze poderia negar, por exemplo, a perseguição, por razões ideológicas, por parte do Estado soviético, a vários de seus intelectuais, quando homens como Andrei Sakharov enfrentaram duros confinamentos, por anos a fio? Quando algumas das inteligências mais brilhantes da União Soviética são internadas em sanatórios psiquiátricos, enterradas vivas nas casas dos mortos,. Somente porque não concordam com determinadas atitudes do regime? Quando jovens promissores são enviados a campos de trabalhos forçados por buscarem padrões de vida compatíveis com o grau de evolução do seu país?

Não poderia e nem fez. Prudentemente, resolveu adotar a tática do seu astuto antecessor e partiu, de rijo, para o ataque. Mas a sua competência foi demonstrada, de fato, na reunião reservada de ontem, iniciada com insólitas gentilezas (além daquelas protocolares), com sorrisos e tapinhas nas costas, e encerrada com ambos protagonistas saindo do local com caras de poucos amigos.

Ao final de três horas de discussões, de um autêntico diálogo de surdos (como, aliás, vem sendo, há quarenta anos, esses tipos de contato entre soviéticos e norte-americanos), Shultz constatou a força do interlocutor que terá, daqui por diante, pela frente. E não deve ter gostado muito.

No decorrer de toda a reunião, apenas o novo chanceler falou pela União Soviética, embora contasse com assessores de alto nível. Isso mostrou que ele já tomou as rédeas da sua função e que está bem informado. E quem esteve presente às discussões foi unânime em afirmar que Shevardnadze demonstrou “muita competência”.

Isso é bom ou ruim para o relacionamento menos tenso entre as superpotências? É muito cedo para esse tipo de avaliação. Todavia, negociadores que expõem com franqueza e energia suas posições, geralmente são os mais confiáveis. Porque os acordos, quando saem, acabam assentados em bases sólidas. Ou seja, em posições concretas e factíveis.

Os interlocutores dessa espécie sabem o que querem, como querem e porque querem. E é disso que o mundo precisa: de um pouco mais de franqueza e de muita ação, ao invés da retórica barata e vazia e de uma enxurrada de acordos e de tratados, que acabam nunca sendo efetivamente cumpridos.
    

(Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 1º de agosto de 1985)

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