Round
de estudos
Pedro J. Bondaczuk
O novo chanceler soviético, Eduard Shevardnadze,
teve, anteontem e ontem, em Helsinque, o seu batismo de fogo internacional na
arena diplomática. Ele foi à Finlândia para participar das comemorações do
décimo aniversário de um acordo que, se cumprido, representaria um avanço no
relacionamento entre as pessoas e nações e que objetivava, sobretudo, a
promover uma distensão entre o Leste e o Oeste. E, desde a abertura dos
trabalhos, aconteceu o que os soviéticos já esperavam.
Verificou-se uma série de críticas ao não
cumprimento, por parte de Moscou, do documento que os russos também firmaram,
em 1975, com tanta pompa e solenidade. E que depois de uma década, não passa de
mera letra morta, de mais uma das pretensas boas intenções, que nunca saem do
papel para a prática.
Antes de uma reunião reservada, ocorrida ontem, com
o secretário de Estado dos EUA, George Shultz, Shevardnadze teve que travar um
duelo verbal com o seu oponente norte-americano. Acossado por duras críticas
desse, deu uma indicação do porquê da sua escolha para substituir o veterano (e
eficiente) Andrei Gromiko.
Utilizou as táticas do antecessor e fez do ataque
sua arma de defesa. Com isso, conseguiu, pelo menos em parte, esvaziar a
reprimenda que estava sendo preparada contra o seu país. Mas não completamente.
Como Shevardnadze poderia negar, por exemplo, a
perseguição, por razões ideológicas, por parte do Estado soviético, a vários de
seus intelectuais, quando homens como Andrei Sakharov enfrentaram duros confinamentos,
por anos a fio? Quando algumas das inteligências mais brilhantes da União
Soviética são internadas em sanatórios psiquiátricos, enterradas vivas nas
casas dos mortos,. Somente porque não concordam com determinadas atitudes do
regime? Quando jovens promissores são enviados a campos de trabalhos forçados
por buscarem padrões de vida compatíveis com o grau de evolução do seu país?
Não poderia e nem fez. Prudentemente, resolveu
adotar a tática do seu astuto antecessor e partiu, de rijo, para o ataque. Mas
a sua competência foi demonstrada, de fato, na reunião reservada de ontem,
iniciada com insólitas gentilezas (além daquelas protocolares), com sorrisos e
tapinhas nas costas, e encerrada com ambos protagonistas saindo do local com
caras de poucos amigos.
Ao final de três horas de discussões, de um
autêntico diálogo de surdos (como, aliás, vem sendo, há quarenta anos, esses
tipos de contato entre soviéticos e norte-americanos), Shultz constatou a força
do interlocutor que terá, daqui por diante, pela frente. E não deve ter gostado
muito.
No decorrer de toda a reunião, apenas o novo
chanceler falou pela União Soviética, embora contasse com assessores de alto
nível. Isso mostrou que ele já tomou as rédeas da sua função e que está bem
informado. E quem esteve presente às discussões foi unânime em afirmar que
Shevardnadze demonstrou “muita competência”.
Isso é bom ou ruim para o relacionamento menos tenso
entre as superpotências? É muito cedo para esse tipo de avaliação. Todavia,
negociadores que expõem com franqueza e energia suas posições, geralmente são
os mais confiáveis. Porque os acordos, quando saem, acabam assentados em bases
sólidas. Ou seja, em posições concretas e factíveis.
Os interlocutores dessa espécie sabem o que querem,
como querem e porque querem. E é disso que o mundo precisa: de um pouco mais de
franqueza e de muita ação, ao invés da retórica barata e vazia e de uma
enxurrada de acordos e de tratados, que acabam nunca sendo efetivamente
cumpridos.
(Artigo publicado na página 12, Internacional, do
Correio Popular, em 1º de agosto de 1985)
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