Faz-nos crescer...
Pedro
J. Bondaczuk
O eminente e polêmico
filósofo francês, François Marie Arouet, que se consagrou e passou para a
história com o cognome de Voltaire, escreveu, em um de seus tantos ensaios, que
“a leitura engrandece a alma”. Tomada assim, de forma isolada, fora do
contexto, a citação parece, somente, arroubo de retórica. Dá a impressão de ser
um desses tantos lugares-comuns, que as pessoas citam, sem sequer atentarem
para o conteúdo. Quem conhece, porém, o pensamento desse filósofo, defensor
intransigente das liberdades civis, principalmente da religiosa – em uma época
em que isso era imensa temeridade, que poderia resultar, até mesmo, na morte de
quem ousasse agir assim – sabe que não se trata de mero clichê.
Voltaire foi um dos
principais expoentes da corrente filosófica conhecida como “Iluminismo”, cujo
próprio nome já sugere sua linha de pensamento. Quando ele nasceu, nos últimos
anos do século XVII – em 21 de novembro de 1694 – a Europa, e o mundo
ocidental, mal estavam saindo de um longo período de trevas, que durou cerca de
um milênio, conhecido como Idade Média. O meio prioritário de instrução, no seu
tempo, estava distante de ser a leitura, considerada, ainda, um “luxo” pela
elite europeia, tida e havida como coisa das “classes subalternas”, dos
pequenos burocratas que atuavam nas várias cortes do Velho Continente, na
concepção então vigente. Havia reis e rainhas (pasmem) e não poucos,
absolutamente analfabetos, que não sentiam a mínima falta de leitura. O mesmo
ocorria com boa parte dos nobres que os cercavam.
Apesar de, quando
Voltaire nasceu, a invenção de Johannes Guttenberg – os tipos móveis – haver
completado mais de dois séculos (ocorreu por volta de 1450), a publicação de
livros era, ainda, processo bastante trabalhoso e, por isso, caro. Eram,
portanto, bens relativamente raros e considerados “supérfluos”. Ademais, as taxas
de analfabetismo da população eram altíssimas (isso, na instruída Europa). A
leitura, portanto, era, mesmo, um “luxo”. E que luxo! Foi nesse contexto que
Voltaire fez a declaração que citei, que hoje nos soa como o óbvio do óbvio,
mas que naquele tempo não era. Quando o filósofo morreu, em 30 de maio de 1778,
o panorama já era bastante diferente, mesmo que longe do ideal. Mas, afinal, a
“leitura engrandece mesmo a alma” (tomada, aqui, não no sentido religioso, mas
no da inteligência e da razão)? Muitos acham que não. Pobres destes!
Da minha parte, posso
assegurar que, pelo menos 80% do que sei aprendi nos livros. Foram eles que
mais me “engrandeceram a alma”. É certo que me instruí também por outros meios.
Aprendi muito com os professores com os quais tive o privilégio de contar. Devo
citar, também, a observação do que me cercou, as conversas com pessoas sábias,
as várias viagens que fiz etc.etc.etc. como fontes de aprendizado E,
recentemente, aprendi (e venho aprendendo) demais com os tantos documentários
que assisti e continuo assistindo na televisão a cabo. Mas nenhum desses meios
foi tão eficaz e direto quanto a leitura. Esse hábito, óbvio, não adquiri
sozinho. Foi-me incutido desde tenra infância (e tenra mesmo) primeiro pelo meu
saudoso e sapiente pai, senhor Ananii e, na sequência, pelo meu tio materno Jan
Kraszczuk que, tão logo aprendi a ler, presenteou-me com livros e mais livros,
nem sei quantificar quantos. Cá estou eu, de novo, personalizando um texto. Mas
como deixar de fazê-lo num caso como este?! Como tratar de um assunto que
envolva experiência, sem pleno conhecimento de causa? A minha conheço bem. Já a
de outros... A experiência de terceiros nunca será confiável como a própria.
Caso outras pessoas ma relatassem as suas, poderiam (o que seria muito provável
de ocorrer) subestimar ou superestimar seus casos, mesmo que inconscientemente,
sem nenhuma malícia.
E por que “a leitura
engrandece a alma”? Posso encontrar a resposta, por exemplo, neste trecho de um
sermão do padre Antonio Vieira: “Quem não lê, não quer saber; quem não quer
saber, quer errar”. Sem leitura das prédicas do mais completo estilista de
língua portuguesa eu poderia chegar a essa conclusão? Dificilmente!!! Jorge Luís Borges, neste trecho de um de seus
ensaios, reforça o argumento sobre esse engrandecimento: “Chega-se a ser grande
por aquilo que se lê e não por aquilo que se escreve”. Neste século XXI, que poderia ser o século
das luzes pelas facilidades de instrução que propicia, milhões e milhões de
pessoas ao redor do mundo não cultivam o saudável hábito da leitura, embora
alfabetizadas. Essa situação chegou a alarmar o saudoso presidente sul-africano
Nelson Mandela, um dos mitos do nosso tempo, e levou-o a desabafar, em um
discurso, em tom de lamento: “Hoje, uma das tristes realidades é que
pouquíssimas pessoas, em especial jovens, lêem livros. A menos que encontremos
formas imaginativas de resolver esse problema, as futuras gerações arriscam-se
a perder a sua história”.
Uma das tantas
vantagens do livro é a possibilidade da releitura. Caso algum aprendizado seja
esquecido ou ficado incompleto, podemos relê-lo, na fonte em que o bebemos,
uma, duas, cem mil vezes, tantas quanto se desejar, até que tais conceitos se
fixem de vez na memória. Nesse aspecto, aliás, acho pertinente a declaração do
saudoso poeta Ledo Ivo, membro da Academia Brasileira de Letras, que disse, em
uma entrevista: “O meu leitor não é o que me lê. É o que me relê (caso exista).
O autor lido unicamente uma vez, não tem leitores, por mais retumbante que seja
o seu sucesso”. Qual outro meio, se não o da leitura, propicia o verdadeiro
“engrandecimento da alma”, como Voltaire declarou? Ouso afirmar, sem receio de
ser contestado: NENHUM!!!
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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