Procurando a formiga sem ver o elefante
Pedro
J. Bondaczuk
A grande movimentação
diplomática que vem se registrando, especialmente nos últimos dois anos, na
América do Sul, é um sintoma dos mais animadores. É, como o presidente
argentino, Raul Alfonsin, constatou, ontem, ao recepcionar os ministros de
Relações Exteriores dos membros da Bacia do Prata, que estão reunidos em Buenos
Aires: “A região começou a tomar uma inédita consciência a respeito da
necessidade de integrar esforços para novas propostas de ação solidária”. Isso
apenas foi possível depois que a democracia renasceu, em meio a dificuldades de
toda a sorte, no continente.
Nos quase 170 anos de
vida independente dos povos da América do Sul, a prática mais constante, em
todos os países, quase sem nenhuma exceção, foi a de ressaltar nossas reduzidas
diferenças, fazendo vistas grossas às extraordinárias semelhanças culturais,
políticas, históricas, sociais e econômicas que temos. Nós, sul-americanos, nos
preocupamos neste tempo todo em procurar uma quase invisível formiguinha
perdida no chão e acabamos atropelados pelo elefante de uma monumental crise,
que não conseguimos enxergar. Nossos países teriam todas as condições possíveis
para a autossuficiência continental. Contam com o petróleo venezuelano,
equatoriano e argentino; com o gás e o estanho bolivianos: com o cobre chileno,
com os produtos industriais brasileiros e assim por diante. No setor alimentar,
Argentina e Uruguai produzem o suficiente para nos alimentar a todos e ainda
sobrar para transações com outros mercados. Pouco disso, porém, é usado em
nosso proveito.
Ao invés de rompermos
estúpidas e incompreensíveis barreiras que nós mesmos criamos através dos anos,
temos inventado novas. E dispersos, temos nos revelado bastante fracos Nos tornamos totalmente dependentes de países
em estágios mais avançados de desenvolvimento. Enredados em nossas
contradições, temos dado passos para trás, ao invés de evoluirmos. No terreno
das intenções, até que a coisa anda relativamente bem. Mas na hora de realizar
na prática aquilo que é tão bonito no papel, nos transformamos numa autêntica
Babel. Cada um de nós passa a falar uma língua completamente estranha ao outro,
como se não tivéssemos origens parecidas.
Tempos atrás,
ensaiou-se, no continente, algo parecido com o Mercado Comum Europeu, com a
criação da Associação Latino-Americana de Livre Comércio (Alalc). O nome desse
órgão ocupou enormes espaços nos noticiários, chegou a frequentar as manchetes,
mas jamais passou do mero terreno das intenções. Até que acabou morrendo, de
morte natural. Por um motivo que nenhum de nós conseguiria explicar, começamos
a procurar, alhures, em condições bastante desvantajosas, aquilo que está bem
nas nossas cercanias, a custos extremamente compensadores. E, com isso, “perdemos
o bonde da história”. É verdade que os países mais expressivos do continente
viveram um longo período de obscurantismo. Brasil, Argentina, Uruguai, Peru e
Bolívia tiveram um demorado e forçado “jejum democrático” a ponte de quase
morrerem de inanição, por falta de liberdade. Chile e Paraguai ainda vivem esse
estado de coisas, sendo vozes dissonantes na atual realidade continental.
Durante essa longa
noite que se abateu sobre aq América do Sul, no plano institucional, Colômbia e
Venezuela foram duas honrosas exceções. Mas pouco poderiam fazer para mudar as
coisas, já que se constituíam em absoluta minoria. E afundaram juntas, como
todos nós. Mas se nossos regimes eram semelhantes, embora muito distantes do
ideal, nossas práticas seguiam caminhos opostos, coincidindo, apenas, nos
pontos negativos: todos nos endividamos além do que poderíamos pagar, nãso nos
preocupamos com investimentos de longo prazo e nos esquecemos que “dona
cegonha” nunca espera o tempo que o nosso empirismo precisaria para que, de
experiência em experiência, de fracasso em fracasso, achássemos o caminho que
nos conduzisse ao harmonioso desenvolvimento.
Nunca, porém, em nossa
história as condições foram tão propícias às políticas integracionistas como
agora. Há uma longa estrada aberta à nossa frente, o ânimo geral está
fortalecido e temperado pela crise e só basta que iniciemos nossa caminhada
rumo à criação do Mercado Comum Latino-Americano. Esse é o único caminho que
temos para evitar a bancarrota total de nossas sociedades: a união irrestrita
de vontades e de esforços.
(Artigo publicado na editoria
Internacional, do Correio Popular, em 4 de abril de 1986)
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