Sunday, February 15, 2015

Yukio Mishima: um enigma ambulante

Pedro J. Bondaczuk

O escritor japonês, Yukio Mishima – cujo nome verdadeiro era Hiraoka Kimitake – foi, pelo menos para nós, ocidentais, uma espécie de “enigma ambulante”. Sua vida, e sua morte, intrigam, fascinam e não raro horrorizam os que tomam conhecimento dela. Tudo nele, e na sua vasta obra, é polêmico, estranho e incompreensível, sobretudo para quem não é familiarizado á cultura oriental. E quando digo “tudo”, não se trata de mera força de expressão. É tudo mesmo! Ou seja, a família de que descendia, a forma como foi educado, sua opção sexual, o pseudônimo que adotou (e a razão que o levou a adotá-lo) e a morte que escolheu, mediante suicídio ritual dos samurais (o “seppuku”vulgarmente conhecido no Ocidente como “haraquiri”) como desfecho de uma tentativa de golpe de Estado que liderou. Como se vê, tudo o que se refere a ele (e sequer mencionei ainda sua vasta e originalíssima obra), exige competente explicação e induz a comentários específicos e esclarecedores, para ser minimamente entendido.

Quem pretender tratar do que Mishima foi, e do que fez, de forma sintética, minimalista, resumida, é melhor que nem tente. Procure outro assunto para abordar. Se tentar resumir, estará desperdiçando excelente tema e, ademais, dificilmente será minimamente compreendido pelos leitores. Caso você, leitor amigo, me der a honra de me acompanhar atentamente nestas explanações, entenderá a razão dessa minha advertência. Destaco que não me sinto devidamente preparado para um desafio desse porte, dado meu parco (diria primário) conhecimento da cultura e, sobretudo, da maneira de encarar a vida dos povos orientais, sobretudo do japonês. Tentarei ser o mais direto e objetivo possível. Todavia, por mais que queira, não conseguirei, reitero, tratar desse escritor, excelente em todos os gêneros literários, em um único texto, mesmo que mais extenso do que o usual.

Aos que se frustrarem com a minha abordagem, provavelmente primária e cheia de furos, recomendo a leitura de um livro, publicado em 1980 pela escritora francesa Marguerite Yourcenar, intitulado “Mishima ou a visão do vazio”. O doutor em Teoria Literária pela Universidade Federal de Santa Catarina, Kelvin Falcão Klein, em excelente artigo publicado no jornal “O Globo”, explica: “A França tem uma sólida tradição de livros de escritores sobre escritores, ou seja, monografias críticas cujo objetivo é analisar detidamente a obra e/ou a figura histórica de um escritor. Victor Hugo escreveu um volume sobre Shakespeare; Théophile Gautier, sobre Balzac; e no século XX exemplos possíveis são os estudos de André Gide sobre Dostoiévski e Henri Michaux ou os de Sartre sobre Flaubert e Genet. São livros que oscilam criativamente entre o próprio estilo e as ideias daquele que escreve e, por outro lado, a busca pela compreensão de uma obra ou vida alheia”

Sobre o escritor japonês e a abordagem de Yourcenar a seu propósito em seu livro, o mestre catarinense observa: “Yukio Mishima preparou sua morte com antecedência de anos, realizando-a em 24 de novembro de 1970 no ritual do seppuku, em que o suicida rasga o próprio ventre e é, em seguida, decapitado por um assistente. A cena final é uma fixação para Yourcenar, assim como o foi para Mishima, e a autora rastreia na ficção do escritor japonês inúmeros momentos que parecem comprovar esse desejo contraditório de manter a vida, e o trabalho, sempre atrelados a uma percepção da morte como uma escolha e como uma condição honorífica”. Este é um dos aspectos que pretendo abordar, em detalhes, a propósito desse (para mim) enigmático personagem.

Klein acrescenta, em seu artigo: “ O Mishima que surge da leitura de Yourcenar, um escritor vaidoso (tanto com seu corpo quanto com sua obra literária), que esperava o Nobel e se surpreendeu quando ele foi dado a Kawabata em 1968, mesclou de forma indissociável vida e obra, e ambas foram forjadas em iguais medidas de rigor, abnegação, e uma vasta confiança na memória das gerações futuras (...) Seus temas recorrentes, como a morte, a honra e o erotismo, além de sua sutil e continuada fascinação pela cultura ocidental, surgem de forma clara e concisa na argumentação da escritora francesa”.

Yourcenar escreve, em certo trecho de seu livro: “Quase se pode dizer que, até a idade de cerca de quarenta anos, esse homem que a guerra deixou ileso — ao menos ele assim acreditava — concluiu em si a evolução que foi a de todo o Japão, passando rapidamente do heroísmo dos campos de batalha à aceitação passiva da ocupação, reconvertendo suas energias no sentido dessa outra forma de imperialismo que são a ocidentalização renhida e o desenvolvimento econômico a qualquer preço”.

Destaque-se que Yukio Mishima passou uma temporada no Brasil. Foi em 1952, quando tinha 27 anos de idade e buscava novas experiências. Hospedou-se, na ocasião, na fazenda de Toshiko Tarama, na cidade de Lins, no interior paulista. Essa experiência rendeu-lhe algumas obras. Uma delas foi o drama “A toca de cupins”. Outra foi a opereta “Bom dia, Senhora”, nascida do seu encantamento com o Carnaval do Rio de Janeiro, peça, aliás, que lhe valeu o Prêmio Kishida de Dramaturgia de 1955. Também escreveu, no Brasil, o conto irônico “Mulheres insatisfeitas”, importante em sua bibliografia. Em sua passagem por terras paulistas, fez várias palestras e publicou artigos em jornais paulistanos de língua japonesa. Voltarei a tratar do assunto, dessa vez com mais ordem e objetividade, com abordagem como manda o figurino. Ou seja, mais organizada, com começo, meio e fim.


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