Thursday, February 26, 2015

Empenho para salvar Gaia

Pedro J. Bondaczuk

A Terra é, conforme asseguram notáveis cientistas, um super-organismo vivo, com todas as funções vitais bem caracterizadas, que eles denominam de "Gaia". Tudo o que ela contém – animais, vegetais e minerais – seriam, simplesmente, componentes desse magnífico super-ser, de extraordinária beleza quando contemplado do espaço. Nosso planeta é belíssimo, visto à distância, azul salpicado de branco. A teoria, se atentarmos bem, não é tão disparatada quanto possa parecer em um primeiro momento. Nós, humanos, nesse gigantesco corpo, não passaríamos de células, (possivelmente neurônios do cérebro dessa super-criatura). Contudo, por nossa ação, o processo de envelhecimento de "Gaia" vem sendo acelerado e ela já está ameaçada de colapso, possivelmente iminente.

O desaparecimento de espécies, o desmatamento crescente e o aumento intolerável da poluição do ar e das águas põem em risco a saúde do Planeta. Caso não se atue no sentido da preservação do ambiente natural, a Terra, como qualquer animal, poder vir a "morrer", em um futuro não muito distante, ficando "fossilizada", estéril e vazia, desolada e deserta em nosso Sistema Solar, como Marte, por exemplo, ou quem sabe, até, como Vênus ou Mercúrio. Comentando essa depredação ambiental – insensata, criminosa (seria, no caso, suicida) e acelerada –, Leonardo Boff conclui, no ensaio "Desafios Ecológicos do Fim de Milênio", publicado no caderno "Mais!" do jornal "Folha de S. Paulo", em 12 de maio de 1996: "Nós, seres humanos, podemos ser o Satã da Terra, como podemos ser seu anjo da guarda bom".

No primeiro caso, estaremos, junto com a morte de "Gaia", decretando a extinção da nossa própria espécie (e de todas as demais). No segundo, rejuvenesceremos este magnífico organismo, ele sim com possibilidades de uma vida "quase" eterna (pelo menos enquanto durar nosso Sol, cuja falência é estimada em mais quatro bilhões de anos), garantindo a existência, saudável, harmoniosa e segura, de milhares de gerações. Seria o homem capaz de compreender essa relação profundíssima que tem com a Terra e mudar, em curto espaço de tempo, seu comportamento infeliz, destrutivo e absurdo?Tenho minhas dúvidas. Seu comportamento atual indica que não tem essa salvadora consciência.

Para que isso seja possível, é necessário educar os jovens, incutindo-lhes a mentalidade preservacionista, mas não como modismo ou bandeira "ideológica", como se faz amiúde, mas como ação. A educação cuidadosa, integral e generalizada das novas gerações é parte da minha utopia. A dúvida é: haverá tempo para isso? Ela deveria já estar, há séculos, em pleno andamento. Óbvio que não está. Ainda é possível reverter os sintomas de desgaste, de envelhecimento de "Gaia", que podem evoluir rapidamente para uma "doença" de caráter irreversível, que a leve em pouco tempo à morte? Sim! O ser humano pode qualquer coisa, desde que tenha vontade. Aí, porém, é que está o grande obstáculo, o insolúvel “x” da questão..

Albert Camus, aparentemente um pessimista, a julgar pelos livros que deixou, afirmou que "há nos homens mais coisas a admirar do que a desprezar". Outro escritor, o também antropólogo, ambientalista e poeta norte-americano, Loren Eiseley, vai mais longe na avaliação da espécie, de tamanha fragilidade face o universo e, no entanto, de incomparável grandeza quando exercita a razão (seu distintivo e diferencial em relação aos demais seres vivos). Acentua: "O homem sempre pertence em parte ao futuro, tem o poder de se transportar para além da natureza que conhece. Há muito tempo, criaturas armadas de paus e meras pedras começaram uma jornada que conduz a nós mesmos. Se não houvesse entre elas uma pequenina parcela de honra e amor, pequena, muito pequena, talvez não poderíamos estar aqui agora. Temos que recolher novamente essa pequenina parcela, em vez do nosso terrível equivalente das pedras e esforçar-nos por seguir adiante".

O amor, a compreensão e a solidariedade são outros fragmentos da minha utopia, a mesma de São Francisco de Assis, de Madre Teresa, de Irmã Dulce, do Centro de Defesa da Vida, do Lar Fabiano de Cristo e de tantas e tantas outras pessoas e entidades, famosas ou anônimas, que agem para proteger a espécie mais ameaçada de extinção de todas do Planeta: o homem. A vertiginosa reprodução humana, mormente no século XX, é aberrante e antinatural. Em qualquer organismo vivo, essa multiplicação desordenada de células seria diagnosticada como câncer. Talvez "Gaia" já tenha esse "tumor maligno" a corroê-la e, quem sabe, em pleno processo de metástase.

Em vários períodos da história, povos perderam o "freio" que mantém as comunidades ordenadas e sadias, chamado "moral" e pagaram altíssimo (diria intolerável) preço por isso. Foi o caso dos romanos, por exemplo, quando da invasão dos bárbaros. É o que vem acontecendo agora, com as insensatas tentativas de dissolução de uma das mais antigas e eficientes instituições humanas, a família, sem que nada de melhor seja criado em substituição.

Isso resulta numa irresponsável liberação de instintos cegos – principalmente por uma maioria despreparada para a vida –, aqueles mesmos, citados por Eiseley, como os "equivalentes das pedras". Essa perda de autocontrole faz com que a humanidade tenha, como contraponto da evolução tecnológica, perigosíssimo retrocesso ético. Surge, em nosso tempo, uma "subespécie" humana, faminta, miserável, obscura, viciada, violenta e selvagem. É o anticlímax da evolução. A preservação da moral, de maneira espontânea e consentida, mediante processo de conscientização geral, é outro fragmento da minha utopia. É preciso que valores duramente conquistados ao longo de milênios – como respeito, lealdade, honra, fidelidade, amor, honestidade e solidariedade, entre outros – sejam resgatados e ampliados e não se transformem, como hoje, em simples palavras, despidas de conteúdo, despojadas de significado e ridicularizadas pelos "modernosos".

Roger William Riis lembra que "somente nós, entre as coisas vivas, descobrimos a beleza, a amamos e criamo-la para os nossos olhos e para os nossos ouvidos. Somente nós, entre as coisas vivas, temos o dom de contemplar o ambiente que nos cerca e criticá-lo e torná-lo melhor". Nessa mesma linha, o autor teatral Thornton Wilder, na peça "Our Town" (Nossa Cidade), coloca na boca de um personagem: "Oh, Terra, és maravilhosa demais para que alguém te perceba. Acaso os seres humanos têm consciência da vida enquanto vivem? Da vida em todos os seus minutos?". O ideal de beleza, de cultura, de harmonia e de inteligência plena complementa minha utopia. Ela, contudo, é coroada mediante a defesa intransigente e a radical valorização da vida, de cada vida, de toda a vida, animal ou vegetal, racional ou irracional. E de Gaia, como super-organismo vivo, vivíssimo, posto que seriamente ameaçado e de cuja sobrevivência depende a nossa.

Loren Eiseley nos lembra que "em nosso mundo, mesmo uma aranha se recusa a deitar-se e morrer, se um fio ainda pode ser tecido em direção a uma estrela". Essa utopia, mal-esboçada, incompleta, inacabada, a soma de todas as magníficas utopias que já foram urdidas e que ainda serão, tem tudo para deixar o plano do ideal, das elucubrações e das fantasias e tornar-se concreta. Basta que queiramos. Basta que ajamos nesse sentido. Basta que não nos conformemos jamais com a decadência da civilização nem nunca admitamos a robotização do homem.

Eclesiastes, o pregador, ensinou: "Tudo tem a sua hora, cada empreendimento tem o seu tempo debaixo do céu: tempo para nascer, tempo para morrer; tempo para plantar, tempo para colher; tempo para matar, tempo para curar; tempo para destruir, tempo para edificar; tempo para chorar, tempo para sorrir; tempo para lamentar, tempo para dançar; tempo para espalhar pedras, tempo para ajuntar pedras; tempo para abraçar, tempo para abster-se de abraços; tempo para procurar, tempo para perder; tempo para guardar, tempo para jogar fora; tempo para rasgar, tempo para coser; tempo para falar, tempo para calar; tempo para amar, tempo para odiar; tempo para a guerra e tempo para a paz". O tempo agora é para agir! Para cada um fazer sua parte, por aparentemente ínfima que pareça, para cumprir seu papel, para dizer a que veio a esta magnífica e fascinante experiência de existir. Exerçamos, pois, até a plenitude esse potencial de racionalidade que temos e que nos confere a imagem e a semelhança com o Criador do Universo. Sejamos os "anjos da guarda" de Gaia, jamais seu "Satã".


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