Personagens insólitos
já nos próprios nomes
Pedro
J. Bondaczuk
O livro “Admirável
mundo novo”, de Aldous Huxley, apresenta inúmeras peculiaridades, além, claro,
do seu enredo. Este, em muitos aspectos, é considerado “profético”. (tomara que
suas “previsões” jamais se concretizem, embora muito do que cita já exista hoje
em dia). Uma das coisas que me chamam, em especial, a atenção, é a composição
dos seus personagens. Outra é o sistema de castas que imaginou. E vai por aí
afora. Esse admirável romance de ficção científica é caracterizado da seguinte
forma por Assis Ribeiro, em um lúcido texto publicado no blog do jornalista
Luís Nassif em 3 de setembro de 2012, intitulado “Uma análise sobre o livro
Admirável Mundo Novo”:
“O livro traça o
contraste entre o ‘moderno’ e o ‘atrasado’, tecendo críticas pungentes ao
desenvolvimento ‘prodigioso’ da ciência, que, segundo o autor, ao contrário de
promover benesses à sociedade, contribuiu para o surgimento de diversos
problemas de ordem social que posteriormente não seriam resolvidos. Sob esta
perspectiva, o personagem John – ‘o Selvagem’ – confronta-se diretamente com o
mundo moderno, reiterando a impossibilidade de convivência entre o
tradicionalismo e o mundo da ciência”.
Entre os vários
aspectos que me chamaram a atenção, se destacam os personagens que o escritor
criou. E não apenas pelos papéis que lhes atribuiu na trama, mas no próprio
nome que Huxley lhes deu. Parte considerável deles (se não a maioria, pelo
menos quase) tem algo a ver com personalidades reais, de carne e osso, que
estavam em evidência, por qualquer razão, em 1931, ano em que o livro foi
escrito. Cito, por exemplo, Lenina Crowe (que nos remete a Vladimir Ilitch
Lenin), Polly Trotsky (em referência ao revolucionário bolchevique Leon
Trotsky), Henry Foster (que lembra Henry Ford) e vai por aí afora. Estão, neste
caso, também, Bernard Marx, Benito Hoover, Darwin Bonaparte, Morgana Rotschild,
Herbert Bakunin, Joana Diesel e Sarojini Engels. Convenhamos, trata-se de
forma, digamos “não usual”, ou pouco comum, ou, no mínimo, pitoresca, de
“batizar” personagens.
A enciclopédia
eletrônica Wikipédia (que faço questão de citar, por ter sido ferramenta de
imensa ajuda na análise de “Admirável mundo novo”), destaca um aspecto ao qual
eu não havia atentado, na primeira leitura que fiz do livro. Refiro-me a
personagens (reais ou fictícios) que morreram antes dos eventos do enredo, mas
que são citados o tempo todo ao longo do romance. O principal deles é Henry
Ford. Huxley fez dele figura messiânica para o Estado Mundial que imaginou.
Wikipédia ressalta, a esse respeito: "’Oh Ford’ ou ‘Nosso Ford’ (our
Ford), é usado no lugar de ‘Oh Senhor’ ou ‘Nosso Senhor’ (our Lord), como
crédito por sua invenção da Linha de Montagem. Ford é o idealizador do modelo
industrial focado na mecanização, padronização da produção e divisão do trabalho
em etapas, com separação entre trabalho manual e intelectual. O papel do estado
neste modelo seria o de agente regulador”.
Outro mito do século XX
é alçado a idêntica condição de Ford. Trata-se do “pai da psicanálise”, Sigmund
Freud, então em grande evidência por “invadir”, sem cerimônia, a mente humana,
para dissecá-la e explicá-la. Wikipédia observa: "’Nosso Freud’ (our
Freud) é algumas vezes citado no lugar de ‘Nosso Ford’. A junção de Ford e
Freud no mesmo personagem pode dever-se à tentativa de Freud de organizar o
aparelho psíquico, sugerindo que cada sistema teria sua função, o que remete ao
modelo de Ford. O conflito entre a satisfação da sexualidade e a repressão
ética e moral toma forma com a ‘segunda teoria tópica’, na qual o SUPEREGO julga,
critica, censura e proíbe, baseado nas regras aprendidas com os pais e
educadores”.
As personalidades
citadas por Huxley não são apenas essas duas que mencionei, embora sejam as
mais destacadas no enredo. H. G. Wells é uma das que aparecem. Ivan Petrovich
Pavlov (um dos teorizadores do reflexo condicionado) é outra. O bardo de
Stratford-upon-Avon, William Shakespeare, é mais uma. Assim como Karl Marx,
Charles Darwin, Napoleão Bonaparte e Thomas Malthus, das que consegui
identificar.
Simpatizei, particularmente,
com o personagem Bernard Marx. Por que? Por sua rebeldia. Pelo fato de opor-se
àquele sistema ao qual pertencia, mas que não lhe satisfazia. E principalmente
por não estar satisfeito com sua condição de fisicamente “diferente” dos demais
integrantes do grupo que lhe fora determinado (por um defeito de “fabricação”).
Por causa disso, era perseguido por seu superior.
Wikipédia observa: “Num
reduto onde vivem pessoas dentro dos moldes do passado, uma espécie de ‘reserva
histórica’ – semelhante às atuais reservas indígenas – onde preservam-se os
costumes ‘selvagens’ do passado (que corresponde à época em que o livro foi
escrito), Bernard encontra uma mulher oriunda da civilização, Linda, e o filho
dela, John. Vê uma possibilidade de
conquista de respeito social pela apresentação de John como um exemplar dos
selvagens à sociedade civilizada”. A seguir, explica: “Para a sociedade
civilizada, ter um filho era um ato obsceno e impensável. Ter uma crença
religiosa era um ato de ignorância e de desrespeito à sociedade”.
Ocorre que Linda era
amante de seu chefe e desafeto. Até aí, tudo bem. O sexo era livre, desde que
praticado com caráter exclusivamente “recreativo”. John, todavia, era filho
dessa mulher com o amante. Foi concebido por puro descuido. Sua concepção,
portanto, era “obscena” e condenada pela sociedade “civilizada”, no caso,
aquela, daquele mundo todo (perversamente) planejado. Daí ter sido rejeitada
por ela.
Assis Ribeiro explica
melhor qual o papel que esse personagem, fruto proibido naquele mundo
artificial, desempenhou, tratado, também, como o “Selvagem”: “(...) John é recebido como algo aberrante,
mas cria um fascínio estranho por suas impressões humanas e sensíveis entre os
habitantes do ‘Admirável Mundo Novo’. A sensibilidade e liberdade de pensamento
que expressa provocam um contraponto com a sociedade que eles acreditavam
perfeita e muitos preferem partir para novas experiências”.
A principal mensagem
que detectei na “fábula futurística” de Aldous Huxley é que a ciência não é, e
nem pode ser, panacéia para todos nossos males, sejam de que natureza forem. Se
utilizada sem critério, sem ética e sem juízo, tende a ser um mal sem remédio,
em vez de solução para o que quer que seja. O terrível de tudo isso é que a
sociedade preconizada no livro é possível (embora não saiba se é provável.
Tomara que não!). Concordo com a observação de Maria Clara Corrêa Tenório que,
em seu ensaio “O Admirável Mundo Novo: fábula científica ou pesadelo virtual”,
escreveu: “Não queremos crer que isso possa ser possível em nossos dias, mas as
pesquisas genéticas avançaram. É assustador, mas dispomos de tecnologia e de
conhecimentos científicos que tornam perfeitamente provável a fabricação dessa
espécie de ‘semi-homem’, que tanto horrorizou o Selvagem, no Admirável Mundo
Novo. O clone é uma realidade a nos pesar sobre as cabeças. Faz-nos questionar:
até que ponto podemos ir? Quais os
limites do homem? O biologicamente possível é eticamente correto? São debates
éticos que se travam nos meios científicos, mas aos quais não podemos, embora
leigos, ficar alheios”. E não podemos mesmo.
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