Tuesday, February 03, 2015

Bush apóia Gorbachev, não reformas


Pedro J. Bondaczuk


O presidente norte-americano, George Bush, embora reticente na questão do separatismo das Repúblicas bálticas, está arriscando seu prestígio para apoiar a política de Mikhail Gorbachev. Não é a perestroika que ele respalda, por vislumbrar muitas falhas nesse programa, mas à pessoa do líder do Cremlin, em que vê um estadista confiável e ponderado, capaz de evitar o caos na URSS.

Muita gente nos Estados Unidos age dessa mesma maneira. Até uma organização, integrada por empresários, intelectuais e gente da política, foi criada neste país para respaldar o presidente soviético e impedir que a linha-dura do Partido Comunista o deponha, com resultados imprevisíveis e possivelmente catastróficos para a estabilidade internacional.

O jornal The New York Times, num editorial de 4 de junho de 1990, ressaltou: "Tendo caminhado de uma política de apoio às reformas soviéticas para uma política de apoio pessoal a Gorbachev, Bush demonstrou sua disposição não apenas em ter um novo diálogo com o líder soviético, mas também de assumir riscos políticos para ajudá-lo".

Mas até que ponto está disposto a se arriscar? Ao de oferecer um indispensável suporte econômico para que o presidente da URSS realize, sem sobressaltos, a transição de uma economia planificada para a de mercado? Parece que não.

A estratégia do Cremlin em relação às Repúblicas separatistas bálticas é motivo de séria preocupação, não somente na Casa Branca, como em toda a Europa Ocidental. A situação de confronto entre Moscou e a Lituânia, Letônia e Estônia começou a se configurar, de fato, no início de 1990, embora já viesse se manifestando sutilmente antes, com a declaração de independência aprovada pelo Parlamento lituano, acompanhada por documentos similares dos estonianos e letões.

Inicialmente, Gorbachev tentou dobrar os separatistas utilizando uma arma que os Estados Unidos sabem esgrimir com perfeição: o boicote econômico. O Cremlin, para pressionar as autoridades de Vilnius a voltarem atrás em seu desafio, recorreu ao corte no fornecimento de gás e de petróleo ao Estado rebelde.

Além disso, deixou implícita a possibilidade de recorrer à força militar a qualquer momento para reprimir o movimento nacionalista que, então, só cresceu. Bush alertou Gorbachev, na oportunidade, para que não cometesse esse erro e disse, em 23 de março de 1990: "Toda tentativa de coerção, intimidação ou intervenção frente ao povo lituano teria o efeito de 'bumerangue'. Sabemos que a União Soviética tem grande interesse na Lituânia, porém esses interesses somente podem ser discutidos através de negociação".

O assunto voltou à baila na reunião de cúpula de Washington, levada a efeito em maio do ano passado. E as pressões feitas sobre o presidente soviético, na oportunidade, foram tão intensas, ao ponto de o irritarem e o levarem a desabafar, numa coletiva de imprensa, com a característica ironia dos russos: "Tenho certeza de que se um Estado americano quisesse se separar, o presidente Bush resolveria tudo em 24 horas. No nosso caso vai demorar. Mas pretendemos resolver o problema levando em conta todos os interesses e dentro da Constituição, que jurei defender".

(Artigo publicado na página 20, Internacional, do Correio Popular, em 14 de abril de 1991).


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