Saturday, February 07, 2015

Foco nas liberdades individuais

Pedro J. Bondaczuk

A obra-prima de Aldous Huxley, “Admirável Mundo Novo” (escrita em apenas quatro meses, no ano de 1931) nasceu, provavelmente, da preocupação do autor com as ameaças – que já pairavam no ar – por parte dessa entidade abstrata, chamada “Estado” (elevada, em determinadas sociedades, à condição de quase uma divindade), às liberdades individuais. Os anos 30 do século XX, quando a obra foi escrita, são considerados, por muitos que os viveram plenamente, como uma das piores décadas de todos os tempos. É fato que não se pode negar certa dose de razão aos que fizeram essa avaliação tão pessimista, embora não toda. Afinal, esse período de dez anos começou com a Grande Depressão de 1930, conseqüência do crash da Bolsa de Valores de Nova York, em outubro de 1929, e culminou com o início da Segunda Guerra Mundial, em setembro de 1939.

É certo, todavia,  que nem todos encaram essa década dessa maneira tão sombria e negativa. Apontam, por exemplo, como algo sumamente positivo, no longo prazo, o “New Deal”, o plano de recuperação econômica, lançado e liderado pelo presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt, que resultou, após anos de sacrifício e privações da população, na emersão dos Estados Unidos como incontestável superpotência, condição que ostenta, mais do que nunca, até hoje. Esse líder, fisicamente frágil, mas de notável determinação, conseguiu motivar seus liderados a darem o máximo para se recuperar do grande desastre econômico, da catástrofe que foi a quebra da Bolsa de Valores de Nova York. E propiciou, dessa forma, a “grande virada”.

No que diz respeito a comportamento, alguns excessos da década anterior, dos chamados “Anos Loucos”, foram coibidos. Todavia, na moda, nas artes e em vários aspectos da vida cotidiana, os novos costumes se impuseram e se consolidaram. A enciclopédia eletrônica Wikipédia destaca um desses novos hábitos que não tardaram a se generalizar: “Os anos 30 descobriram o esporte, a vida ao ar livre e os banhos de sol. Os mais abastados procuravam lugares à beira-mar para passar períodos de férias. Seguindo as exigências das atividades esportivas, os saiotes de praia diminuíram, as cavas aumentaram e os decotes chegaram até a cintura, assim como alguns modelos de vestidos de noite”.

O corpo feminino, como se vê, foi não somente enfatizado, como fartamente exibido, com crescente ousadia, com volúpia, com progressiva liberdade, para desespero dos conservadores e dos “moralistas” de plantão (muitos dos quais, se não a maioria, hipócritas, já que, secretamente, aprovavam e até incentivavam o que condenavam publicamente, desde que as exibições não envolvessem, claro, mulheres de suas famílias).  Não tardou em ser estabelecido novo padrão estético feminino, sob influência decisiva de Hollywood (diga-se de passagem), com suas Divas cobiçadíssimas pelos homens e invejadas (e por isso imitadas), pelas mulheres. O curioso é que esse estereótipo da década de 30 do século XX não difere muito do ideal de beleza atual.

O que era considerado desejável e de bom gosto na aparência feminina de então? Wikipédia revela: “A mulher dessa época devia ser magra, bronzeada, o modelo de beleza da atriz Greta Garbo. Seu visual sofisticado, com sobrancelhas e pálpebras marcadas com lápis e pó de arroz bem claro, foi também muito imitado”. Como se vê, nada de muito diferente de hoje, posto que, talvez, não com o mesmo despojamento e espontaneidade atuais. Ressalte-se a generalização do uso de cosméticos, prática que começou na década anterior, nos chamados “Anos Loucos”. Um texto do blog “História da Moda” (http://historiadamoda.blogspot.com.br) informa, a propósito: “Na era Vitoriana, a maquiagem era destinada apenas às prostitutas. Na década de 1920 as mulheres se empoavam em público e a invenção do batom em tubo em 1915 fazia com que elas pudessem aplicá-lo em qualquer hora e lugar. O cinema começou a influenciar a moda, e então os estúdios começaram a contratar estilistas pra produzirem o figurino dos filmes, tornando as atrizes ícones de estilo e com isso provocando desejo de consumo nas mulheres”.

Estrelas como a polonesa Pola Negri, a sueca Greta Garbo, a britânica (nascida na Índia colonial) Vivien Leigh e a alemã Marlene Dietrich, entre outras, “viravam” a cabeça de pessoas de ambos os sexos, posto que por razões diferentes. A popularização dos esportes ensejou o uso de novos modelos de roupas, como o short, por exemplo, criado para facilitar a vida das ciclistas.  “Onde está o lado ruim dos anos 30”?, perguntará, atônito, o leitor de hoje, diante dessas informações sobre mudanças tão profundas de hábitos e de comportamentos que então ocorriam. As liberdades individuais pareciam estar de vento em popa.  Bem... só pareciam. Porque movimentos totalitários, absurdamente repressivos e tirânicos, começaram a eclodir por todas as partes, entre as quais, a Europa, escravizando, quando não eliminando, multidões.

É verdade que a Revolução Bolchevique ocorrera em 1917, ensejando a criação da União Soviética. Todavia, o aspecto mais tirânico do comunismo começou a se manifestar a partir de 1930, por Josep Stalin, com os chamados “Processos de Moscou” um arremedo de julgamento destinado, apenas, a se livrar de opositores. Esse truculento ditador havia ascendido ao poder em 1927, mas apenas três anos depois iniciou os expurgos dos que discordavam da sua absoluta (e absurda) tirania. Coube-lhe, entre outras coisas, o incremento e expansão dos campos de trabalhos forçados e a remoção de povos inteiros dos seus territórios para áreas inóspitas da gigantesca federação. Estima-se que tenha sido responsável pela morte de cerca de vinte milhões de compatriotas, ou mediante execuções sumárias, ou mortos de inanição por não conseguirem produzir alimentos suficientes para sobreviver nas áreas estéreis para onde foram alocados.

Nos primeiros anos da década de 1930, Benito Mussolini consolidou-se, na Itália, impondo, a ferro e fogo, seus postulados fascistas, cujo partido fundara em 1919, sob o nome de “Fasci Italiani di Combatimenti”. Foi nesses anos, também, que Adolf Hitler conduziu seu Partido Nazista ao poder, após sua fracassada tentativa de golpe de Estado de 1923, no chamado “Putsch de Munique”, com conseqüências trágicas, que todos conhecem de sobejo, para a humanidade. E as ditaduras foram se sucedendo, aqui, ali e acolá. Portugal estava em mãos de Antonio de Oliveira Salazar e seus asseclas, dos quais conseguiu se livras apenas mais de 40 anos depois. A Espanha encarou duríssima guerra civil, que resultou na ditadura do generalíssimo Francisco Franco, com decisiva ajuda militar de Adolf Hitler. E nem o Brasil escapou da onda de ditaduras, com a Revolução de 1930, que conduziu Getúlio Vargas ao poder. Esse até hoje polêmico caudilho implantou uma ditadura de quinze anos de duração, impondo a censura, perseguindo adversários e suprimindo muitas das liberdades individuais. E outras tantas tiranias foram implantadas em países com menor influência internacional.

Como se vê, Aldous Huxley tinha todos os motivos imagináveis para se preocupar, ao escrever seu “Admirável Mundo Novo”. Foi com tudo isso em mente que “criou” uma assustadora fábula futurística em que os integrantes da sociedade que imaginou não eram livres em nada, nem mesmo para se reproduzir, imaginem para pensar e para se opor aos seus algozes. O preocupante é que nada, absolutamente nada nos dá garantias que uma tirania como a que imaginou fique exclusivamente no terreno da ficção, sem possibilidades de se materializar. Muito pelo contrário. Meios para que se materialize já existem, estão aí, representados, por estranho que seja, pela ciência (robótica, química, genética etc.), que, se usada sem ética e sem juízo, tende a ser mal sem remédio, em vez do que poderia e deveria ser: de solução para todos os nossos problemas políticos, econômicos e sociais.


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