Foco nas liberdades
individuais
Pedro
J. Bondaczuk
A obra-prima de Aldous
Huxley, “Admirável Mundo Novo” (escrita em apenas quatro meses, no ano de 1931)
nasceu, provavelmente, da preocupação do autor com as ameaças – que já pairavam
no ar – por parte dessa entidade abstrata, chamada “Estado” (elevada, em
determinadas sociedades, à condição de quase uma divindade), às liberdades
individuais. Os anos 30 do século XX, quando a obra foi escrita, são
considerados, por muitos que os viveram plenamente, como uma das piores décadas
de todos os tempos. É fato que não se pode negar certa dose de razão aos que
fizeram essa avaliação tão pessimista, embora não toda. Afinal, esse período de
dez anos começou com a Grande Depressão de 1930, conseqüência do crash da Bolsa
de Valores de Nova York, em outubro de 1929, e culminou com o início da Segunda
Guerra Mundial, em setembro de 1939.
É certo, todavia, que nem todos encaram essa década dessa
maneira tão sombria e negativa. Apontam, por exemplo, como algo sumamente positivo,
no longo prazo, o “New Deal”, o plano de recuperação econômica, lançado e
liderado pelo presidente norte-americano Franklin Delano Roosevelt, que
resultou, após anos de sacrifício e privações da população, na emersão dos
Estados Unidos como incontestável superpotência, condição que ostenta, mais do
que nunca, até hoje. Esse líder, fisicamente frágil, mas de notável
determinação, conseguiu motivar seus liderados a darem o máximo para se
recuperar do grande desastre econômico, da catástrofe que foi a quebra da Bolsa
de Valores de Nova York. E propiciou, dessa forma, a “grande virada”.
No que diz respeito a
comportamento, alguns excessos da década anterior, dos chamados “Anos Loucos”,
foram coibidos. Todavia, na moda, nas artes e em vários aspectos da vida
cotidiana, os novos costumes se impuseram e se consolidaram. A enciclopédia
eletrônica Wikipédia destaca um desses novos hábitos que não tardaram a se
generalizar: “Os anos 30 descobriram o esporte, a vida ao ar livre e os banhos
de sol. Os mais abastados procuravam lugares à beira-mar para passar períodos
de férias. Seguindo as exigências das atividades esportivas, os saiotes de
praia diminuíram, as cavas aumentaram e os decotes chegaram até a cintura,
assim como alguns modelos de vestidos de noite”.
O corpo feminino, como
se vê, foi não somente enfatizado, como fartamente exibido, com crescente
ousadia, com volúpia, com progressiva liberdade, para desespero dos
conservadores e dos “moralistas” de plantão (muitos dos quais, se não a
maioria, hipócritas, já que, secretamente, aprovavam e até incentivavam o que
condenavam publicamente, desde que as exibições não envolvessem, claro,
mulheres de suas famílias). Não tardou
em ser estabelecido novo padrão estético feminino, sob influência decisiva de
Hollywood (diga-se de passagem), com suas Divas cobiçadíssimas pelos homens e
invejadas (e por isso imitadas), pelas mulheres. O curioso é que esse
estereótipo da década de 30 do século XX não difere muito do ideal de beleza
atual.
O que era considerado
desejável e de bom gosto na aparência feminina de então? Wikipédia revela: “A
mulher dessa época devia ser magra, bronzeada, o modelo de beleza da atriz
Greta Garbo. Seu visual sofisticado, com sobrancelhas e pálpebras marcadas com
lápis e pó de arroz bem claro, foi também muito imitado”. Como se vê, nada de
muito diferente de hoje, posto que, talvez, não com o mesmo despojamento e
espontaneidade atuais. Ressalte-se a generalização do uso de cosméticos,
prática que começou na década anterior, nos chamados “Anos Loucos”. Um texto do
blog “História da Moda” (http://historiadamoda.blogspot.com.br)
informa, a propósito: “Na era Vitoriana, a maquiagem era destinada apenas às
prostitutas. Na década de 1920 as mulheres se empoavam em público e a invenção
do batom em tubo em 1915 fazia com que elas pudessem aplicá-lo em qualquer hora
e lugar. O cinema começou a influenciar a moda, e então os estúdios começaram a
contratar estilistas pra produzirem o figurino dos filmes, tornando as atrizes
ícones de estilo e com isso provocando desejo de consumo nas mulheres”.
Estrelas como a
polonesa Pola Negri, a sueca Greta Garbo, a britânica (nascida na Índia
colonial) Vivien Leigh e a alemã Marlene Dietrich, entre outras, “viravam” a
cabeça de pessoas de ambos os sexos, posto que por razões diferentes. A
popularização dos esportes ensejou o uso de novos modelos de roupas, como o
short, por exemplo, criado para facilitar a vida das ciclistas. “Onde está o lado ruim dos anos 30”?, perguntará,
atônito, o leitor de hoje, diante dessas informações sobre mudanças tão
profundas de hábitos e de comportamentos que então ocorriam. As liberdades
individuais pareciam estar de vento em popa.
Bem... só pareciam. Porque movimentos totalitários, absurdamente
repressivos e tirânicos, começaram a eclodir por todas as partes, entre as
quais, a Europa, escravizando, quando não eliminando, multidões.
É verdade que a
Revolução Bolchevique ocorrera em 1917, ensejando a criação da União Soviética.
Todavia, o aspecto mais tirânico do comunismo começou a se manifestar a partir
de 1930, por Josep Stalin, com os chamados “Processos de Moscou” um arremedo de
julgamento destinado, apenas, a se livrar de opositores. Esse truculento
ditador havia ascendido ao poder em 1927, mas apenas três anos depois iniciou
os expurgos dos que discordavam da sua absoluta (e absurda) tirania. Coube-lhe,
entre outras coisas, o incremento e expansão dos campos de trabalhos forçados e
a remoção de povos inteiros dos seus territórios para áreas inóspitas da
gigantesca federação. Estima-se que tenha sido responsável pela morte de cerca
de vinte milhões de compatriotas, ou mediante execuções sumárias, ou mortos de
inanição por não conseguirem produzir alimentos suficientes para sobreviver nas
áreas estéreis para onde foram alocados.
Nos primeiros anos da
década de 1930, Benito Mussolini consolidou-se, na Itália, impondo, a ferro e
fogo, seus postulados fascistas, cujo partido fundara em 1919, sob o nome de
“Fasci Italiani di Combatimenti”. Foi nesses anos, também, que Adolf Hitler
conduziu seu Partido Nazista ao poder, após sua fracassada tentativa de golpe
de Estado de 1923, no chamado “Putsch de Munique”, com conseqüências trágicas,
que todos conhecem de sobejo, para a humanidade. E as ditaduras foram se
sucedendo, aqui, ali e acolá. Portugal estava em mãos de Antonio de Oliveira
Salazar e seus asseclas, dos quais conseguiu se livras apenas mais de 40 anos
depois. A Espanha encarou duríssima guerra civil, que resultou na ditadura do
generalíssimo Francisco Franco, com decisiva ajuda militar de Adolf Hitler. E
nem o Brasil escapou da onda de ditaduras, com a Revolução de 1930, que
conduziu Getúlio Vargas ao poder. Esse até hoje polêmico caudilho implantou uma
ditadura de quinze anos de duração, impondo a censura, perseguindo adversários
e suprimindo muitas das liberdades individuais. E outras tantas tiranias foram
implantadas em países com menor influência internacional.
Como se vê, Aldous
Huxley tinha todos os motivos imagináveis para se preocupar, ao escrever seu
“Admirável Mundo Novo”. Foi com tudo isso em mente que “criou” uma assustadora
fábula futurística em que os integrantes da sociedade que imaginou não eram
livres em nada, nem mesmo para se reproduzir, imaginem para pensar e para se
opor aos seus algozes. O preocupante é que nada, absolutamente nada nos dá
garantias que uma tirania como a que imaginou fique exclusivamente no terreno
da ficção, sem possibilidades de se materializar. Muito pelo contrário. Meios
para que se materialize já existem, estão aí, representados, por estranho que
seja, pela ciência (robótica, química, genética etc.), que, se usada sem ética
e sem juízo, tende a ser mal sem remédio, em vez do que poderia e deveria ser:
de solução para todos os nossos problemas políticos, econômicos e sociais.
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