Resgate da memória de
um ícone literário
Pedro
J. Bondaczuk
A Literatura Brasileira
é riquíssima, posto que nem todos saibam ou mesmo admitam. Contudo, é pouco
divulgada pelos grandes veículos de comunicação. Pudera! Vivemos em um país de
dimensões continentais e só muito recentemente passamos a contar com a internet,
que nos aproxima e nos permite nos informarmos adequadamente sobre
personalidades (e grandes escritores) fora de nosso âmbito doméstico.
Principalmente os que são justamente reverenciados em seus respectivos Estados
de origem, mas ignorados no eixo Rio-São Paulo.
Graças à rede mundial
de computadores pude “remendar”, recentemente, minha olímpica ignorância a
propósito de ases das letras não tão divulgados por aqui, embora alguns contem
até com projeção internacional. É o caso do jornalista e escritor goiano José
Veiga – que assinava seus trabalhos literários (e seus livros) como José J.
Veiga – nascido em Corumbá de Goiás em 2 de fevereiro de 1915 e que faria,
portanto, cem anos hoje, caso estivesse vivo. Infelizmente não está. Faleceu,
em 19 de setembro de 1999, no Rio de Janeiro, em conseqüência de câncer no
pâncreas e complicações causadas por anemia.
A data, para mim,
passaria “em branco” e eu conservaria minha ignorância a respeito, não fora a
providencial e bem vinda intervenção da Doutora Mara Narciso – médica em Montes
Claros, jornalista de inegáveis predicados e de muito talento, além de refinada
escritora, como atestam seus brilhantes textos publicados em vários espaços da
internet, inclusive neste nosso, onde é, há um bom par de anos, assídua
colunista fixa – que me forneceu esclarecedoras pistas a propósito de José J.
Veiga. Foram essas fontes informadas que me levaram ao conhecimento (se não
pleno, pelo menos bastante razoável) de um dos mais importantes ficcionistas da
rica (e tão pouco divulgada) Literatura Brasileira. Concluo que, embora me
considere razoavelmente informado, conheço, se tanto, só 5% do mínimo que
deveria e gostaria de conhecer.
Mara forneceu,
sobretudo, informações sobre duas crônicas de Luiz de Aquino, ambas publicadas no
Diário da Manhã de Goiânia – uma datada de 1º de fevereiro do ano passado e
outra fresquinha, de ontem – a propósito dessa ilustre personalidade, que até
então eu desconhecia, ambas sumamente esclarecedoras, já que o autor dos dois
textos privou da amizade do escritor. As duas estão em mãos, bem à minha
frente. Mas agora conto com tanta informação sobre José J. Veiga, que a maior
parte nem poderá ser utilizada, por falta de espaço nestas nossas informais
reflexões diárias.
E por que esse
ficcionista (sobretudo, contista) é tão importante? Não haveria exagero nessa
avaliação? Não!!!! José J. Veiga (que estreou um tanto tarde em literatura, aos
44 anos de idade, em 1959) é considerado um dos maiores autores em língua
portuguesa do realismo fantástico. Era tão habilidoso que conseguia fazer
crítica política e social com lirismo e humanidade, sem deixar, no entanto de
ser incisivo na dose exata. É uma façanha! Tentem fazer isso e verão como é
complicado. José J. Veiga publicou pelo menos quinze livros, boa parte dos
quais no exterior: em Portugal, Espanha, México, Estados Unidos, Inglaterra,
Dinamarca, Suécia e Noruega. Começou a carreira já premiado. Seu livro de
estréia, “Os cavalinhos de Platiplanto”, contendo doze contos, ganhou o Prêmio
Fábio Prata.
Luiz de Aquino revela,
em uma das suas citadas crônicas, que, apesar de reconhecido e admirado pelo
seu imenso talento, José J. Veiga era sumamente modesto. E, mais, era tímido.
Isso não me surpreende. Os gênios são, salvo uma ou outra exceção, discretos e
comedidos. Pelo conjunto de sua obra, o escritor goiano recebeu, em 1997, o
Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, além do Jabuti.
Se no eixo Rio-São
Paulo pouco, ou nada se fala desse insigne autor, o mesmo não ocorre em seu
Estado natal. Exemplo? A rodovia estadual GO-225, que liga a cidade em que
nasceu a Goiânia, hoje ostenta seu nome. Cerca de nove meses antes de sua
morte, em 31 de janeiro de 1999, ele recebeu consagração popular. Um júri
escolhido pelo jornal goiano “O Popular” (com o qual já tive o privilégio e a
honra de colaborar anos atrás), incluiu seu livro “A hora dos ruminantes”
(publicado em 1966), por unanimidade, como uma das vinte obras mais influentes
de todos os tempos de escritores goianos.
Que a data de 2 de
fevereiro, que assinala o centenário de seu nascimento, seja marco de ampla
divulgação de seu nome e de sua obra por todo o território nacional. Da minha
parte, sinto-me privilegiado por poder preencher mais uma lacuna – entre tantas
– da minha ainda escassa cultura literária, incorporando mais um ícone à
extensa relação dos meus escritores prediletos, até por ser especialista,
mestre e inovador do gênero que escolhi para centralizar minha atividade em
Literatura: o conto.
Para seu conhecimento,
amável e paciente leitor, relaciono os livros publicados por José J. Veiga: “Os
Cavalinhos de Platiplanto” (1959); “A Hora dos Ruminantes” (1966); “A Estranha
Máquina Extraviada” (1967); “Sombras de Reis Barbudos” (1972); “Os Pecados da
Tribo” (1976); “O Professor Burim e as Quatro Calamidades” (1978); “De Jogos e
Festas” (1980); “Aquele Mundo de Vasabarros” (1982); “Torvelinho Dia e Noite”
(1985); “A Casca da Serpente” (1989); “Os melhores contos de J. J. Veiga”
(1989); “O Almanach de Piumhy” - Restaurado por José J. Veiga (1989), “O
Risonho Cavalo do Príncipe” (1993); “O Relógio Belizário” (1995); “Tajá e Sua
Gente” (1997) e “Objetos Turbulentos” (1997). Como se vê, é uma obra farta
(para quem começou a fazer ficção tão tarde) e de profundo conteúdo estilístico
e filosófico, que fez do seu autor, com toda justiça, um dos maiores (se não o
maior) autores em língua portuguesa do realismo fantástico.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk
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