Testemunhas
do nosso tempo
Pedro J. Bondaczuk
O escritor é testemunha do seu
tempo de vida, mesmo que não se dê conta. Cabe-lhe, entre suas tantas tarefas,
a de registrar hábitos, costumes, problemas, contradições etc.etc.etc. da sua
época. Pode até sugerir soluções para os problemas que vier a identificar.
Estas, todavia, não são atribuições suas. Compete aos líderes políticos e
econômicos corrigir distorções existentes e prevenir outras tantas para que
jamais se verifiquem. E assim, “la nave va”. Que a vida, para boa parte das
pessoas, se tornou melhor, no início desta segunda década do século XXI, me
parece óbvio, a despeito de tantas e tantas e tantas coisas ruins que ainda
persistem ou que se agravam. Temos ao nosso dispor recursos de locomoção e de
comunicação, para citar apenas duas das evoluções mais notáveis, que há apenas
150 anos ou menos não passavam sequer pelos sonhos mais ousados (diria,
delirantes) dos nossos ancestrais.
A eletricidade, por exemplo, é um
avanço tecnológico recentíssimo, em termos históricos. Está ao nosso dispor há
uns 150 anos, se tanto. Vocês já imaginaram o mundo sem essa espécie de energia
a que nossa geração raramente dá valor, por haver nascido quando ela já era
trivial? Pois é, a humanidade viveu milênios sem ela. Diria, mais
apropriadamente, que “sobreviveu”. A eletricidade, ademais, não serve, apenas,
para a iluminação de nossas casas, ruas, cidades e países, o que já se
constituiu em um avanço notável em relação ao que havia antes que fosse
implantada. Sem ela não teríamos, entre outras coisas, nenhum dos eletrodomésticos que tornam nossa
vida mais prática e muito mais confortável. Não teríamos rádio, televisão,
computador etc.etc.etc. A indústria seria arcaica e pouco produtiva. O
progresso, caso ocorresse, andaria a passos de tartaruga. A humanidade,
portanto, deu salto evolutivo gigantesco ao aprender a gerar, e a transmitir,
esse hoje indispensável tipo de energia.
E o que dizer dos transportes? Há
cerca de apenas cem anos, se você precisasse viajar, digamos, para a Ásia, para
o Japão, China, Índia ou sabe-se lá para qual país, só poderia fazê-lo por mar,
arrostando desconfortos e riscos inerentes a esse tipo de locomoção. Poderia
enfrentar tempestades, furacões e outros tantos perigos, sem contar o tempo que
essa “aventura” demandaria. Seriam semanas, se não meses, de travessia. Hoje,
porém, nas modernas aeronaves a jato, esse percurso, digamos de São Paulo a
Tóquio, pode ser vencido em, no máximo, 25 horas, com conforto e tranqüilidade.
Essa facilidade permitiu, entre
outras coisas, a evolução dos esportes, como Copas do Mundo (de todas as
modalidades) e Olimpíadas, que se tornaram coisas triviais e crescentemente
disseminadas. Ninguém mais se preocupa hoje em dia de que forma os atletas
chegarão aos locais de competição, por mais distantes que sejam. Em 1930, por
exemplo, várias seleções de futebol, inclusive européias, deixaram de
participar do Mundial de Futebol no Uruguai, porque seus dirigentes entendiam
que a viagem (e só de navio) seria muito desgastante para os jogadores. E não
seria? Na Copa do Mundo de 2014, em nosso país, todavia, a locomoção das 31
delegações participantes sequer passou pelas cabeças dos seus dirigentes como
sendo um “problema”.
Mas não foram somente os
esportes, e os esportistas, que se beneficiaram das facilidades dos modernos
meios de transporte, sobretudo dos aviões, cada vez mais rápidos, confortáveis
e seguros. E eles têm tanta segurança que, quando alguma aeronave cai, é
notícia por dias, quando não semanas. Por que acidentes automobilísticos não
têm idêntico tratamento? Porque são sumamente comuns. O mesmo benefício que os
esportes tiveram com esse avanço vale para shows, conferências, congressos
etc.etc.etc. Admitam ou não (e não há porque não admitir) as aeronaves “encolheram”
o mundo, eliminando o fator distância e transformando-o, de fato, na prática e
não apenas de forma figurada, nesta “aldeia global” apregoada por Marshall
McLuhan, que é hoje.
E o que dizer da locomoção nas
cidades? Hoje ela não se dá mais às custas da tração animal, como há não faz
muito. Ninguém mais vai ao trabalho, ou às compras, ou ao lazer, no lombo de
cavalos ou de burros. As charretes, que na minha infância eram veículos até
comuns em muitas cidades, hoje, onde ainda são utilizadas, servem, apenas, como
meios “curiosos” para transportar alegres turistas. Se é verdade que os
automóveis entupiram as ruas das nossas metrópoles (e isso não há como negar),
não é menos real que sem ele nos sentiríamos perdidos, como se não tivéssemos
pernas, pois nos acostumamos tanto a ele, que somos incapazes de andar ínfimos
três ou quatro quarteirões do nosso bairro e recorremos, invariavelmente, para
isso ao seu uso. Estou exagerando? Duvido! Ônibus e metrôs transportam
multidões diariamente para seus compromissos, não importa onde e de que
natureza. Caminhões levam mercadorias de toda a sorte, para cima e para baixo,
para todas as partes deste nosso país de dimensões continentais (e para todos
os outros).
É certo que nem tudo são flores
em nosso dia a dia apesar do miraculoso progresso tecnológico em todas as áreas
de atividades. Estamos há anos luz de um padrão de vida pelo menos minimamente
próximo do aceitável, quanto mais do ideal. Somos forçados a conviver, da manhã
até a noite, com inúmeros desconfortos e riscos. A poluição, do ar e da água,
cresce de forma exponencial e assustadora, comprometendo nossa saúde. O
aquecimento global está aí, para todos verem, potencializando catástrofes
climáticas, de proporções apocalípticas.
A violência urbana, que se manifesta de diversas maneiras, só cresce,
com o aumento assustador de furtos, roubos, assassinatos por dá cá aquela palha
e vai por aí afora.
Hoje, quando saímos de casa, não
temos a menor certeza que, ao final do dia, a ela retornaremos incólumes e
ilesos, sãos e salvos. Isso, se algum celerado qualquer, bandido ou simples
desequilibrado mental, não a invadir e não nos fizer, e à nossa família, de
reféns, para nos surrupiar, à força, o que às vezes “suamos sangue” para
conquistar. Mas... cá para nós: vocês já imaginaram como nossa vida seria
muitíssimo mais difícil, bastante pior, caso não houvesse eletricidade e se,
para nos locomovermos, dependêssemos, ainda, do lombo do cavalo ou do burro (e
isso se tivéssemos condições de possuir esses animais)? E olhem que nem
mencionei os avanços da medicina e da higiene pública, que aumentaram em
décadas nossa expectativa de vida. Tudo isso nós, escritores, de uma forma ou
de outra, registramos nos enredos das histórias que escrevemos, para ilustrar
potenciais leitores do futuro (caso eles existam, claro, e nossa espécie, por
causa da nossa burrice, cupidez e violência, não se destrua antes).
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