Thursday, February 05, 2015

Fábula futurística e talvez profética

Pedro J. Bondaczuk

O livro “Admirável mundo novo”, de Aldous Huxley, embora tecnicamente se trate de um romance, ou seja, de ficção, não deve ser lido como tal. Ou seja, como mera história. O que menos importa nele são seus heróis e vilões, em que, no final, os primeiros são devidamente recompensados e vivem felizes para sempre e os segundos são exemplarmente punidos, aliás, como manda o figurino ficcional (salvo exceções). Nesse livro nada disso acontece ou não é relevante. O enredo, embora atrativo e fascinante, não é o essencial nele.

Concordo com os que classificam “Admirável mundo novo” de “fábula futurista” (e talvez profética, sabe-se lá) em vez de simples romance (o que, aliás, não o diminuiria, dadas suas virtudes literárias). Ou seja, a história que Huxley se propõe a relatar (e relata com habilidade), não é, reitero, essencial. O foco principal é uma mensagem (no caso, são várias), que o autor deixou implícita nas entrelinhas, a exemplo do que fizeram os grandes fabulistas da História, do porte do grego Esopo, do romano Fedro, do francês Jean de La Fontaine ou do nosso Monteiro Lobato nas narrativas exemplares que engendraram, que no final de cada uma delas, têm, invariavelmente, uma “moral” a ser deduzida. Se as fábulas fossem matemática, poderiam ser classificadas como “teoremas”. A hipótese seria o enredo, a história em si. A tese, o princípio moral que se pretenda ressaltar. E a demonstração, seriam as conseqüências para quem age bem ou mal, segundo cada caso.

A questão central do livro de Huxley é a liberdade e, sobretudo, o que pode ocorrer com sua limitação, não importa de que forma venha a ser limitada ou, pior, com sua total supressão, coisa que os tiranos, os verdugos e os ditadores de plantão são especialistas, mestres “summa cum lauda”. Concordo com Maria Clara Corrêa Tenório que, em seu detalhado ensaio “O Admirável Mundo Novo: Fábula científica ou pesadelo virtual?”, sugere três eixos temáticos nessa obra que é muito mais, reitero, do que mero romance (embora possa ser lido como tal): “a superpopulação, a super-organização (que conduz à impessoalidade) e as várias formas de condicionamento humano”. Cada um deles merece meticulosa análise, que pretendo fazer, oportunamente.

Tanto Huxley não pretendia que sua “fábula futurista” fosse lida como mera obra de ficção que, 26 anos depois da sua publicação, ou seja, em 1957, escreveu novo livro, especificamente para fazer uma espécie de “balanço” sobre o que se tornou concreto, das tantas previsões que fez e para explicar melhor pontos que considerava não terem ficado muito claros. Refiro-me a “Retorno ao admirável mundo novo”, meticuloso (e precioso) ensaio, a respeito do qual, aliás, já tive a oportunidade de tratar aqui, neste espaço diário de reflexão sobre Literatura.

Ressalte-se que essa preocupação “explicativa” de Huxley, se não é inédita, é inusual. Não conheço nenhum outro escritor que, para detalhar algum livro, tenha escrito outro a propósito. Pode ser que haja, mas se houver, desconheço por completo. George Orwell, por exemplo, não escreveu um “Retorno a 1984”, para explicar o que pretendeu transmitir com o relato da paranóica ditadura do “Grande Irmão” ou do sistema que a sustentava. Muito menos H. G. Wells lançou um “Retorno à Guerra dos mundos”.

A melhor forma, portanto, de o leitor extrair o máximo proveito de “Admirável mundo novo” é, além de lê-lo analiticamente (óbvio), complementar a leitura lendo, também, o volume de ensaio a propósito desse romance. Nele, por exemplo, Huxley justifica, em certo trecho: “No Admirável Mundo Novo da minha fábula o problema do número de seres humanos na sua relação com os recursos naturais, foi efetivamente resolvido. Foi calculado um número ótimo para a população mundial e a totalidade da população ia sendo mantida nesse nível (um  pouco abaixo de dois bilhões, se bem me recordo), geração após geração. No mundo atual o problema não foi resolvido”. E não foi, de fato.

Maria Clara Corrêa Tenório observa, a esse respeito: “Em 1957 quando o autor escreveu seu segundo livro a humanidade beirava dois bilhões e oitocentos milhões de homens; hoje já passamos de seis bilhões. Em uma década a humanidade cresceu 1/5; isso já era previsto por Huxley e o angustiava. Além da falta de alimentos e escassez de recursos naturais o autor preocupava-se com a desumanização que pode transformar a humanidade em massa passiva nas mãos de ‘ditadores’ e ‘ditaduras totalitárias’, uma afronta, na sua concepção,  aos regimes democráticos”. Quando Maria Clara escreveu seu ensaio, a população mundial era, mesmo, de mais de seis bilhões. Hoje, porém, não é mais. Já passa dos sete bilhões de habitantes e cresce não de ano para ano, ou de mês para mês, ou mesmo de dia para dia, mas de hora para hora. Onde iremos parar?! E quais as conseqüências desse incontrolável crescimento populacional? Responda, caríssimo leitor, caso tenha a resposta.


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