Fábula futurística e
talvez profética
Pedro
J. Bondaczuk
O livro “Admirável
mundo novo”, de Aldous Huxley, embora tecnicamente se trate de um romance, ou
seja, de ficção, não deve ser lido como tal. Ou seja, como mera história. O que
menos importa nele são seus heróis e vilões, em que, no final, os primeiros são
devidamente recompensados e vivem felizes para sempre e os segundos são
exemplarmente punidos, aliás, como manda o figurino ficcional (salvo exceções).
Nesse livro nada disso acontece ou não é relevante. O enredo, embora atrativo e
fascinante, não é o essencial nele.
Concordo com os que
classificam “Admirável mundo novo” de “fábula futurista” (e talvez profética,
sabe-se lá) em vez de simples romance (o que, aliás, não o diminuiria, dadas
suas virtudes literárias). Ou seja, a história que Huxley se propõe a relatar
(e relata com habilidade), não é, reitero, essencial. O foco principal é uma
mensagem (no caso, são várias), que o autor deixou implícita nas entrelinhas, a
exemplo do que fizeram os grandes fabulistas da História, do porte do grego
Esopo, do romano Fedro, do francês Jean de La Fontaine ou do nosso Monteiro
Lobato nas narrativas exemplares que engendraram, que no final de cada uma
delas, têm, invariavelmente, uma “moral” a ser deduzida. Se as fábulas fossem
matemática, poderiam ser classificadas como “teoremas”. A hipótese seria o
enredo, a história em si. A tese, o princípio moral que se pretenda ressaltar.
E a demonstração, seriam as conseqüências para quem age bem ou mal, segundo cada
caso.
A questão central do
livro de Huxley é a liberdade e, sobretudo, o que pode ocorrer com sua
limitação, não importa de que forma venha a ser limitada ou, pior, com sua
total supressão, coisa que os tiranos, os verdugos e os ditadores de plantão
são especialistas, mestres “summa cum lauda”. Concordo com Maria Clara Corrêa
Tenório que, em seu detalhado ensaio “O Admirável Mundo Novo: Fábula científica
ou pesadelo virtual?”, sugere três eixos temáticos nessa obra que é muito mais,
reitero, do que mero romance (embora possa ser lido como tal): “a
superpopulação, a super-organização (que conduz à impessoalidade) e as várias
formas de condicionamento humano”. Cada um deles merece meticulosa análise, que
pretendo fazer, oportunamente.
Tanto Huxley não pretendia
que sua “fábula futurista” fosse lida como mera obra de ficção que, 26 anos
depois da sua publicação, ou seja, em 1957, escreveu novo livro,
especificamente para fazer uma espécie de “balanço” sobre o que se tornou
concreto, das tantas previsões que fez e para explicar melhor pontos que
considerava não terem ficado muito claros. Refiro-me a “Retorno ao admirável
mundo novo”, meticuloso (e precioso) ensaio, a respeito do qual, aliás, já tive
a oportunidade de tratar aqui, neste espaço diário de reflexão sobre
Literatura.
Ressalte-se que essa
preocupação “explicativa” de Huxley, se não é inédita, é inusual. Não conheço
nenhum outro escritor que, para detalhar algum livro, tenha escrito outro a
propósito. Pode ser que haja, mas se houver, desconheço por completo. George
Orwell, por exemplo, não escreveu um “Retorno a 1984”, para explicar o que
pretendeu transmitir com o relato da paranóica ditadura do “Grande Irmão” ou do
sistema que a sustentava. Muito menos H. G. Wells lançou um “Retorno à Guerra
dos mundos”.
A melhor forma,
portanto, de o leitor extrair o máximo proveito de “Admirável mundo novo” é,
além de lê-lo analiticamente (óbvio), complementar a leitura lendo, também, o
volume de ensaio a propósito desse romance. Nele, por exemplo, Huxley justifica,
em certo trecho: “No Admirável Mundo Novo da minha fábula o problema do número
de seres humanos na sua relação com os recursos naturais, foi efetivamente
resolvido. Foi calculado um número ótimo para a população mundial e a
totalidade da população ia sendo mantida nesse nível (um pouco abaixo de dois bilhões, se bem me
recordo), geração após geração. No mundo atual o problema não foi resolvido”. E
não foi, de fato.
Maria Clara Corrêa
Tenório observa, a esse respeito: “Em 1957 quando o autor escreveu seu segundo
livro a humanidade beirava dois bilhões e oitocentos milhões de homens; hoje já
passamos de seis bilhões. Em uma década a humanidade cresceu 1/5; isso já era
previsto por Huxley e o angustiava. Além da falta de alimentos e escassez de
recursos naturais o autor preocupava-se com a desumanização que pode
transformar a humanidade em massa passiva nas mãos de ‘ditadores’ e ‘ditaduras
totalitárias’, uma afronta, na sua concepção,
aos regimes democráticos”. Quando Maria Clara escreveu seu ensaio, a população
mundial era, mesmo, de mais de seis bilhões. Hoje, porém, não é mais. Já passa
dos sete bilhões de habitantes e cresce não de ano para ano, ou de mês para
mês, ou mesmo de dia para dia, mas de hora para hora. Onde iremos parar?! E
quais as conseqüências desse incontrolável crescimento populacional? Responda,
caríssimo leitor, caso tenha a resposta.
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