Pseudônimo para
camuflar vocação
Pedro
J. Bondaczuk
A adoção de pseudônimos
é procedimento bastante comum por parte de personalidades públicas – atores,
atrizes, políticos, escritores, esportistas etc. – por razões as mais variadas,
dependendo das circunstâncias de cada um. Boa parte dos que recorrem a esse
expediente o faz por motivos considerados “práticos”. Ou seja, ou porque intuem
– ou mesmo por sugestão (e às vezes até
por imposição) de marqueteiros – que
seus nomes de batismo são muito comuns ou complicados e, por isso, não agradam
a mídia e podem, por isso, retardar, ou até arruinar, seu sucesso. Ou para
esconder da vista de curiosos quem de fato são, por motivos que só eles
conhecem. Ou... por outras tantas razões (cada qual que pense em uma que
provavelmente será também adequada).
Um dos motivos,
digamos, mais estranhos – que considero, no mínimo, curioso – foi, porém, o que
levou o escritor japonês Kimitake Hiratoka a adotar o pseudônimo de Yukio
Mishima, com o qual se consagrou e se imortalizou. Ele agiu dessa maneira para
esconder do pai, austero e aristocrático servidor público do governo imperial,
que estava se dedicando à Literatura e que pretendia fazer dessa atividade não
somente profissão, mas missão de vida. Conseguiu, até, por certo tempo (pouco,
é verdade) sucesso em ocultar daquele homem tão severo, prático e sumamente
conservador, a opção pelas letras. Mas esse tipo de coisa não dá para esconder
para sempre. Principalmente de uma pessoa tão próxima, como o pai, mesmo que não
se tenha relacionamento íntimo e amistoso com ele.
O então aspirante a
escritor não tardou a ser descoberto. Foi um Deus nos acuda! Ouviu poucas e
boas. Foram reprimendas de todos os
tipos e observações as mais variadas, no sentido de demovê-lo de sua decisão,
seguidas de um sem número de ameaças. Em vão!!. Um dos argumentos do pai era
que a atividade literária não era apropriada para alguém da sua classe, que era
incompatível para um aristocrata, que deveria ter aspirações muito mais
elevadas e ambiciosas. Nada, todavia, convenceu o recalcitrante e rebelde rapaz,
que mal havia saído da adolescência. Ao fim e ao cabo, aquele homem obstinado e
preconceituoso, a contragosto, cedeu à teimosia do filho talentoso.
Todavia, aquele pai
truculento e turrão não se fez de rogado. Impôs ao jovem teimoso uma condição,
aparentemente inalcançável, e em tom de ostensivo desafio. Disse que, já que
era para se dedicar à Literatura, o filho teria que ser o “melhor” escritor do
Japão. E... Yukio Mishima, em sua relativamente curta carreira (porquanto
suicidou-se aos 45 anos de idade), foi além do que na época sonhou, por mais
delirante que fosse seu sonho. Conquistou uma infinidade de prêmios no seu país
natal e é considerado, consensualmente, até hoje, um dos três melhores
escritores japoneses da modernidade, ao lado de Yasunari Kawabata e Yasushi
Inove. Foi, entre outras coisas, indicado por três vezes ao Nobel de
Literatura, que “quase” conquistou.
Em 1968, era
favoritíssimo da mídia internacional e dos críticos. Por uma dessas ironias do
destino, todavia, nesse ano o premiado foi, de fato, um japonês. Mas... não foi
Mishima! Foi seu conterrâneo e mestre, Yasunari Kawabata, exatamente o escritor
que o introduziu, em 1940, quando tinha só quinze anos de idade, no restrito e
seleto círculo literário japonês. É provável – embora nunca se saiba o que se
passa na cabeça dos responsáveis pela escolha dos premiados com o Nobel de
Literatura – que se não desse cabo da vida tão prematuramente, quando estava em
período de plena fertilidade criativa, mais cedo ou mais tarde, teria obtido
esse prêmio que tanto cobiçou e que até fez por merecer. Mas... o “se” nunca
conta na vida de ninguém e para nada.
Esse escritor revelou
originalidade e criatividade até na escolha do pseudônimo que adotou. Escolheu
o prenome “Yukio” em referência à neve e o sobrenome Mishima extraiu-o da
denominação de um bucólico vilarejo ao pé do Monte Fuji, com seu pico
eternamente nevado, um dos cartões postais e símbolos do Japão. Era um poeta! E
literalmente. Embora tenha se destacado no romance e, sobretudo no conto, sua
iniciação literária se deu na poesia. É verdade que seus primeiros poemas
ficaram restritos a uma obscura revista da escola em que estudou. Datam de
1941, quando Mishima tinha 16 anos de idade e já despertava a atenção de
Kawabata, que via nele um talento em bruto. Foram intitulados de “Floresta em
flor”. Falavam de amor, honra, reverência e a beleza que ele via no respeito à
hierarquia. Refletiam, como se nota, nitidamente, a influência da educação que
recebeu da avó paterna, Natsu, legítima descendente de uma linhagem de samurais
da Era Tokugawa.
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