Tuesday, February 17, 2015

Pseudônimo para camuflar vocação

Pedro J. Bondaczuk

A adoção de pseudônimos é procedimento bastante comum por parte de personalidades públicas – atores, atrizes, políticos, escritores, esportistas etc. – por razões as mais variadas, dependendo das circunstâncias de cada um. Boa parte dos que recorrem a esse expediente o faz por motivos considerados “práticos”. Ou seja, ou porque intuem –  ou mesmo por sugestão (e às vezes até por imposição) de marqueteiros –  que seus nomes de batismo são muito comuns ou complicados e, por isso, não agradam a mídia e podem, por isso, retardar, ou até arruinar, seu sucesso. Ou para esconder da vista de curiosos quem de fato são, por motivos que só eles conhecem. Ou... por outras tantas razões (cada qual que pense em uma que provavelmente será também adequada).

Um dos motivos, digamos, mais estranhos – que considero, no mínimo, curioso – foi, porém, o que levou o escritor japonês Kimitake Hiratoka a adotar o pseudônimo de Yukio Mishima, com o qual se consagrou e se imortalizou. Ele agiu dessa maneira para esconder do pai, austero e aristocrático servidor público do governo imperial, que estava se dedicando à Literatura e que pretendia fazer dessa atividade não somente profissão, mas missão de vida. Conseguiu, até, por certo tempo (pouco, é verdade) sucesso em ocultar daquele homem tão severo, prático e sumamente conservador, a opção pelas letras. Mas esse tipo de coisa não dá para esconder para sempre. Principalmente de uma pessoa tão próxima, como o pai, mesmo que não se tenha relacionamento íntimo e amistoso com ele.

O então aspirante a escritor não tardou a ser descoberto. Foi um Deus nos acuda! Ouviu poucas e boas. Foram  reprimendas de todos os tipos e observações as mais variadas, no sentido de demovê-lo de sua decisão, seguidas de um sem número de ameaças. Em vão!!. Um dos argumentos do pai era que a atividade literária não era apropriada para alguém da sua classe, que era incompatível para um aristocrata, que deveria ter aspirações muito mais elevadas e ambiciosas. Nada, todavia, convenceu o recalcitrante e rebelde rapaz, que mal havia saído da adolescência. Ao fim e ao cabo, aquele homem obstinado e preconceituoso, a contragosto, cedeu à teimosia do filho talentoso.

Todavia, aquele pai truculento e turrão não se fez de rogado. Impôs ao jovem teimoso uma condição, aparentemente inalcançável, e em tom de ostensivo desafio. Disse que, já que era para se dedicar à Literatura, o filho teria que ser o “melhor” escritor do Japão. E... Yukio Mishima, em sua relativamente curta carreira (porquanto suicidou-se aos 45 anos de idade), foi além do que na época sonhou, por mais delirante que fosse seu sonho. Conquistou uma infinidade de prêmios no seu país natal e é considerado, consensualmente, até hoje, um dos três melhores escritores japoneses da modernidade, ao lado de Yasunari Kawabata e Yasushi Inove. Foi, entre outras coisas, indicado por três vezes ao Nobel de Literatura, que “quase” conquistou.

Em 1968, era favoritíssimo da mídia internacional e dos críticos. Por uma dessas ironias do destino, todavia, nesse ano o premiado foi, de fato, um japonês. Mas... não foi Mishima! Foi seu conterrâneo e mestre, Yasunari Kawabata, exatamente o escritor que o introduziu, em 1940, quando tinha só quinze anos de idade, no restrito e seleto círculo literário japonês. É provável – embora nunca se saiba o que se passa na cabeça dos responsáveis pela escolha dos premiados com o Nobel de Literatura – que se não desse cabo da vida tão prematuramente, quando estava em período de plena fertilidade criativa, mais cedo ou mais tarde, teria obtido esse prêmio que tanto cobiçou e que até fez por merecer. Mas... o “se” nunca conta na vida de ninguém e para nada.

Esse escritor revelou originalidade e criatividade até na escolha do pseudônimo que adotou. Escolheu o prenome “Yukio” em referência à neve e o sobrenome Mishima extraiu-o da denominação de um bucólico vilarejo ao pé do Monte Fuji, com seu pico eternamente nevado, um dos cartões postais e símbolos do Japão. Era um poeta! E literalmente. Embora tenha se destacado no romance e, sobretudo no conto, sua iniciação literária se deu na poesia. É verdade que seus primeiros poemas ficaram restritos a uma obscura revista da escola em que estudou. Datam de 1941, quando Mishima tinha 16 anos de idade e já despertava a atenção de Kawabata, que via nele um talento em bruto. Foram intitulados de “Floresta em flor”. Falavam de amor, honra, reverência e a beleza que ele via no respeito à hierarquia. Refletiam, como se nota, nitidamente, a influência da educação que recebeu da avó paterna, Natsu, legítima descendente de uma linhagem de samurais da Era Tokugawa.


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