Tuesday, February 17, 2015

Razão versus mísseis



Pedro J. Bondaczuk


O ataque norte-americano à sede do serviço de inteligência iraquiano em Bagdá, ocorrido no Sábado, embora tenha servido para a recuperação da popularidade do presidente Bill Clinton, conforme demonstra uma pesquisa de opinião realizada em conjunto pelo jornal “The New York Times” e pela rede de televisão CBS, mereceu críticas, em graus variados, de grande parte da imprensa mundial.

As condenações variaram desde as ostensivas e contundentes, provenientes em especial do mundo árabe, às mais sutis, que na superfície aparentavam ser elogios. A postura dos grandes jornais, em especial europeus, contrastou, portanto, com a posição pública dos respectivos políticos. O fato mostra, no mínimo, uma falta de sintonia dos líderes com a opinião pública.

Não é por acaso que John Major, François Mitterrand e Helmut Kohl, para citar apenas alguns, estão com seus índices de popularidade tão baixos, com as próprias carreiras políticas ameaçadas. O ataque norte-americano de Sábado diferiu dos outros lançados contra Saddam Hussein em vários aspectos.

O mais relevante deles é que se tratou de uma ação unilateral, sem o respaldo e a autorização explícita do Conselho de Segurança das Nações Unidas que por razões compreensíveis, não condenou o ato de agressão na reunião de emergência realizada no Domingo. E nem seria possível essa condenação, já que os Estados Unidos a vetariam, por gozarem da prerrogativa de veto na qualidade de membros permanentes desse órgão.

A tônica das condenações a Clinton centrou-se em comparações. O jovem presidente democrata vem mantendo uma posição ambígua em relação às atrocidades cometidas pelos sérvios na Bósnia-Herzegovina. No entanto, é rigoroso ao extremo para com a Somália e mormente o Iraque, escolhido como o vilão predileto, na ausência de uma União Soviética comunista, dos que têm uma visão perigosamente simplista de política.

Até mesmo nos Estados Unidos, onde 66% dos norte-americanos aprovaram o que chamaram de “lição a Saddam Hussein”, houve vozes discordantes. Foi o caso do principal editorial do “The New York Times”, que não se mostrou convencido com as “provas” apresentadas acerca da suposta participação iraquiana num complô para assassinar George Bush em abril passado, quando de sua visita ao Kuwait.

Caso as autoridades de Bagdá tenham de fato algo a ver com o caso, seus líderes são muito mais ingênuos e menos inteligentes do que possam parecer. Ou será que a opinião pública mundial é encarada como tal por Clinton?

Qualquer tentativa de matar o ex-presidente norte-americano, fosse onde fosse o local da operação, conduziria, fatalmente, a uma suspeita óbvia. Quem se julgaria com mais motivos para isso do que Saddam Hussein? Será que as autoridades do Iraque não sabiam disso? Seu serviço secreto, que colheu tantos êxitos na guerra contra o Irã, seria ingênuo a esse ponto? Desconheceria essa suspeita automática?

É difícil de se acreditar. Como não é plausível, também, o motivo apresentado por Clinton, para ordenar o ataque de Sábado. A propósito, a popularidade do presidente norte-americano saltou dos pífios 38% do início da semana passada para 50%.

Qual país e a que pretexto será o próximo alvo, quando a taxa de apoio voltar a baixar – o que parece muito provável – para que o jovem político recupere mis um pouco de prestígio junto aos seus concidadãos? É esta a “nova ordem” internacional que se pretende implantar? Os mísseis substituirão a razão?

(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio Popular, em 30 de junho de 1993).


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