Obra copiosa e eclética
Pedro
J. Bondaczuk
A obra do escritor
japonês, Yukio Mishima, é grandiosa, relativamente copiosa e, principalmente,
eclética. Daí, não ser nenhum exagero considerá-lo um dos principais expoentes
da moderna literatura nipônica (para alguns críticos, é o maior de todos os
tempos). Bem que merecia um Prêmio Nobel de Literatura, premiação para a qual
foi indicado por três vezes consecutivas, mas que não ganhou. O ganhador foi
seu amigo e mentor literário Yasunari Kawabata. Sua obra literária é
relativamente vasta – se levarmos em conta que viveu apenas 45 anos, dando cabo
da vida mediante “seppuku”, suicídio ritual dos samurais, dos quais descendia,
em uma idade em que um escritor mal começa a se tornar maduro – e, sobretudo, multivariada,
passando por praticamente todos os gêneros.
Yukio Mishima escreveu
mais de 40 novelas, além cerca de 35 romances, um livro de relato de viagens, em
torno de 80 contos, dezenas de poemas, um punhado de ensaios, além de 33 peças
modernas de teatro Kabuki e Nô. Suas obras escancaram, com absoluta clareza,
sua complexa personalidade, mas para ser devidamente compreendida, deve ser
analisada no contexto da cultura japonesa. Mishima atuou, também, como ator,
tanto de teatro, quanto de cinema, e pelo menos dez de seus livros foram
transformados em filmes de relativo sucesso. Se não ganhou o Nobel – para o
qual, reitero, foi indicado por três vezes – conquistou inúmeros outros prêmios
literários e teatrais, como o Sincho de Literatura de 1954, o Kishida de Teatro
de 1955, o Yomiuri de Letras em 1956 e vai por aí afora. E tudo isso sem ter
chegado, destaque-se, nem mesmo aos 50 anos, idade considerada por muitos como
a da plena maturidade literária, pelo menos da maioria dos escritores.
O curioso é que, embora
tendo iniciado a carreira de letras aos 16 anos com poesias, Mishima nunca se
considerou poeta. Seria modéstia? Não creio. Pelo que pude depreender de sua
biografia, modesto ele nunca foi. A esse propósito, declarou, em certa ocasião:
“De uns tempos para cá, dei de sentir dentro de mim um acúmulo de todos os
tipos de coisas que não podem achar expressão adequada através de uma forma
artística objetiva como o romance. Um poeta lírico de vinte anos se sairia bem
dessa situação, mas eu não tenho mais vinte anos e, de qualquer forma, nunca
fui poeta”. Mas foi. E dos bons! Tanto que seus primeiros escritos, publicados
primeiro em uma revista da escola em que estudava e, mais tarde, em livro,
foram os poemas “Floresta em flor”, tratando de amor, honra, reverência e
hierarquia.
O jornalista e
professor da Faculdade Atlântico, de Santos, Gil Francisco, escreve o seguinte
sobre sua obra: “Entre seus livros publicados estão, ‘A Floresta em flor’
(1944), ‘Sede de amor’ (1950); ‘Cores proibidas’ (1954) e ‘O som das ondas’
(1954). ‘O templo do pavilhão dourado’ (1956) é a história de um acólito
atormentado que incendeia um templo budista por não poder alcançar sua beleza.
Vários de seus livros serviram de roteiro para cerca de dez filmes: ‘O som das
ondas’, filmado duas vezes (1956), é uma das obras-primas de Ishikawa. Enjo. O
roteiro baseou-se em ‘O templo do pavilhão dourado’ (1959)”.
E Gil Francisco escreve
mais: “’Depois do Banquete’, publicado em 1960, revela o traço sutil do autor,
a que não faltam o humor ou a malícia, dominando uma narrativa linear, sem os
cortes bruscos ou os retornos ao passado, tão do gosto dos que se inscrevem no
gênero do romance novo. O sucesso se explica pela maneira como fixa bem seus
personagens, como desenvolve a ação no ambiente social do Japão contemporâneo,
juntando à beleza clássica uma expressão moderna. E as ilusões amorosas de Kazu
ou as pretensões de um Ministro de Exterior aposentado não serão apenas
esquemas limitados – a ironia, a compaixão ou mesmo a violência aqui manifestas
expressam a profunda sensibilidade do autor às condições humanas com
aplicações, num plano mais amplo, a situações universais”.
E conclui: “A obra
principal do escritor japonês é a tetralogia épica ‘O mar da fertilidade’
(1965-1970), formada pelos romances ‘Neve da primavera’, ‘Cavalos selvagens’,
‘O tempo da aurora’ e ‘A queda do anjo’, em que o estéril mar lunar simboliza o
Japão moderno. Mishima era um escritor que dominava todas as formas literárias,
admirador da literatura francesa do século XIX, preferindo Huysmans a
Flaubert”. A escritora Darci Kusano, por sua vez, analisa, assim, a motivação
de Yukio Mishima: “Ele acreditava que é importante morrer por algo, isto é,
pela defesa da cultura, cujo símbolo é o imperador, não o imperador enquanto
pessoa física, mas o imperador como uma idéia cultural. Por fim, a obsessão
pelo pensamento com ação levou Mishima a procurar a fusão de arte e vida,
estética e ideologia, arte e ação. O que culminou no seu trágico final através
do seppuku, a 25 de novembro de 1970...”
E escreve mais: “Na sua
existência dividida em quatro grandes correntes, a literatura, o teatro, o
corpo e a ação, uma vez que já amplamente conhecido como romancista, ênfase é
dada, sobretudo, ao teatro (Mishima dramaturgo e diretor) e ao corpo, com sua
singular estética do corpo de inspiração grega, o Mishima ator de teatro,
musical e cinema, bem como modelo fotográfico quase sempre desnudo. O escritor
zombava: ‘Quero manter o romance como o meu fundamento e me relacionar com o
teatro como um hobby, como se com a esposa e a amante’. Mas longe de se tornar
um hobby, a sua vocação dramatúrgica o levou a criar 62 obras”. Mais uma vez,
portanto, como se vê, a Academia Sueca “pisou na bola” ao não conceder a Yukio
Mishima o Prêmio Nobel de Literatura que ele fez, fartamente, por merecer.
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