Prática intolerável
Pedro J. Bondaczuk
A
vasectomia em massa ficou célebre quando a ex-primeira-ministra indiana, Indira
Gandhi, no seu primeiro mandato, na década de 70, elaborou um vasto programa
nacional, visando a esterilizar o máximo possível de pessoas para tentar deter
o crescimento da população da Índia. O chamariz, na ocasião, para atrair os
homens para essa operação era um presente que o governo dava a quem estivesse
disposto a se submeter a tal processo. O cidadão ganhava um rádio de pilha e
saía todo feliz por ficar mutilado e daí em diante jamais ter condições de se
reproduzir.
Com
vasectomia ou sem ela, o fato é que a explosão demográfica na Índia não foi
contida. E tempos depois, os que se submeteram a essa esterilização, ou pelo
menos vários deles, vieram a público manifestar sua revolta e revelar que
sequer imaginavam as conseqüências do que estavam fazendo na época da cirurgia.
Hoje
a Tailândia repete a mesma coisa que os indianos fizeram e permite que uma
organização estrangeira interfira num tão delicado problema não apenas nacional
mas sobretudo pessoal, como é o da reprodução humana, que não envolve somente
fatores biológicos. Entram, também, em jogo questões morais, psicológicas e
religiosas. Num momento de irreflexão, pessoas acabam violentando profundas
convicções pessoais e aceitando esse tipo de mutilação, que tem milhões de
defensores pelo mundo afora.
É
verdade que o crescimento desordenado da população mundial tende a criar
dificuldades imensas no futuro. Sem querer ser um novo Robert Malthus, não
temos dúvida e, afirmar que a médio prazo, se a questão não for resolvida e não
se contiver essa perigosa bomba demográfica, situações como a vivida atualmente
pelos etíopes, sudaneses e moçambicanos, às voltas com uma dramática escassez
alimentar, serão cada vez mais freqüentes.
Mas
é necessário, por outro lado, entender-se que se está lidando com seres
humanos, racionais e inteligentes e que não podem ser tratados meramente como
animais. O melhor anticonceptivo existente continua sendo, ainda, a educação. É a conscientização dos riscos e ônus de se
pôr no mundo mais filhos do que a capacidade e a possibilidade de sustentar.
Mas a decisão quanto ao método a adotar é uma área em que nenhum governo ou
organização ou entidade religiosa de qualquer espécie tem o direito de
interferir. É uma questão de foro íntimo de cada pessoa.
Afinal,
o Estado não existe como algo concreto. Trata-se de uma entidade abstrata, de
um conceito, corporificado por pessoas iguaizinhas a cada um de nós. Dar-lhes
esse direito de nos mutilar ao seu bel prazer, usando o recurso do engodo, é
aceitar a idéia de que seres humanos, em certas circunstâncias, podem adquirir
postura de deuses, decidindo sobre a vida e a morte de seus semelhantes. E isso
(embora exista), é sumamente insensato, pois não há quem não seja mortal.
Portanto, a morte nos nivela a todos. Negar tal evidência é revelar
preocupantes sintomas de paranóia. E é caso para hospício e não para
considerações filosóficas.
(Artigo
publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular em 6 de dezembro de
1984)
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