Sete
milhões sem infância
Pedro J. Bondaczuk
A infância é aquele momento na vida em que o mundo
parece ser fruto de pura magia. É a época em que tudo parece bonito, os sonhos
são realidade em nossa mente e a fantasia tem um lugar de destaque no dia a dia.
Isto, todavia, é válido somente para as pessoas que têm a felicidade de nascer
num lar que realmente mereça esse nome, constituído com base no amor e respeito
mútuos entre dois seres humanos de sexos diferentes que se integram e se
complementam. E, convenhamos, isto é cada vez mais raro.
Todavia, sete milhões de crianças brasileiras não
têm hoje nem mesmo lares inadequados. Não possuem nenhum! Meninos de sete anos
de idade, que mal aprenderam a andar e a falar, já estão abandonados,
perambulando nas ruas das grandes cidades, cheirando cola, praticando furtos
para sobreviver, enfrentando a dura lei da selva de cimento e asfalto em que as
aglomerações humanas se transformaram.
Meninas em idade de brincar de boneca e nutrir belas
fantasias são exploradas sexualmente por bestas insensíveis, pela pior espécie
de animal que possa haver na Terra, que é um homem corrompido.
Para esses tantos e sofridos menores, infância é
somente uma palavra vazia e nada mais. É algo que eles não têm e jamais terão,
com a perda, extremamente precoce, da sua inocência. Para estes, o Dia da
Criança é nada menos do que mera ironia, uma palavra sem conteúdo na sua luta
inglória de tentar sobreviver em miseráveis favelas, quando não nas soleiras de
portas de luxuosos prédios de apartamentos, bancos de jardins, desvãos de
pontes e viadutos e até nos sistemas de ar refrigerado do Metrô, conforme
mostrou, tempos atrás, uma reportagem de televisão.
O escritor norte-americano Saul Bellow escreveu que
"o que nos ameaça não são apenas os pardieiros das cidades, mas também os
pardieiros do nosso ser mais profundo".
A que ponto chegamos, ao suprimir de seres humanos
em formação, aquilo que existe de mais precioso, que são suas fantasias! A
situação dos menores abandonados chegou a um ponto tão crítico, tão
catastrófico, tão alarmante, que pela primeira vez na história da humanidade
líderes de mais de 70 países do mundo realizaram, no mês passado, uma reunião
de cúpula, na sede das Nações Unidas, para debater o problema.
O chocante em tudo isso é que se está adquirindo o
hábito de se mascarar as grandes questões do nosso tempo. Como que num passe de
diabólica magia, elas transformam-se em matérias-primas para demagogia,
engordam o noticiário da imprensa, ensejam crônicas e comentários de editorialistas,
discursos de políticos, enfim, são "consumidas" como um produto
qualquer e logo caem no esquecimento. Soluções mesmo...
(Artigo publicado na página 2, Opinião, do Correio
Popular, em 13 de outubro de 1990).
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