De herói a vilão
Pedro J. Bondczuk
O
massacre verificado anteontem na cidadezinha inglesa de Hungerford, pacata
comunidade de cerca de cinco mil habitantes onde todos virtualmente se conhecem
– quando um jovem, munido de uma submetralhadora Kalashnikov, saiu atirando, a
esmo, contra tudo o que se movesse, matando, estupidamente, 14 pessoas,
inclusive a própria mãe, e ferindo outras 16 – chocou a opinião pública, não
somente britânica, mas do mundo todo.
Não
que esse tipo de ocorrência seja novidade. Em absoluto! Ainda no domingo
retrasado, uma chacina semelhante ocorreu em Melbourne, na Austrália,
envolvendo uma adolescente de 19 anos. E, no começo do ano, houve um caso
parecido nos Estados Unidos.
Mas
este editor, que está acostumado com a violência no noticiário de cada dia, por
força da própria profissão, nas histórias que lê, nos filmes e novelas que
assiste e até nos desenhos animados que seus filhos vêem na televisão, se
assusta quando pessoas comuns, como nós, protagonizam atos dessa espécie. Imaginem
como se sente quem não acompanha tanto o noticiário! Chega a ser aterrador,
certamente.
Nos
quatro últimos episódios do tipo (sendo três somente neste ano) sempre houve um
ponto em comum: todos os franco-atiradores envolvidos tinham paixão doentia por
armas. Foi o caso do veterano do Vietnã, Campo Elias Delgado, que matou 25
desconhecidos em Bogotá, em 5 de dezembro de 1986, após haver trucidado a
própria mãe, em cujo cadáver ateou fogo.
E
os outros três – o norte-americano que fez dos freqüentadores de um
supermercado em Miami alvos de sua caçada; o australiano expulso da Academia
Militar por indisciplina e o inglês Michael Ryan – tinham a cabeça repleta de
fantasias heróicas. Sentiam-se Rambos da vida real ao perpetrarem suas sortidas
criminosas. Quando perceberam que não eram esse herói consagrado pelo cinema...
já era tarde.
Grande
parte da culpa de casos dessa natureza estarem se repetindo com tamanha
freqüência (cinco em dois anos) deve-se aos próprios pais. Eles descuidam-se do
tipo de educação que os filhos recebem, em casa, na rua e na escola,
preocupados com problemas aparentemente maiores, mas que, na verdade, não
passam de picuinhas diante da responsabilidade de se forjar um caráter de um
homem e, assim, determinar seu destino.
Raros
fiscalizam, por exemplo, o que os jovens lêem. Quase ninguém verifica com do
que ele brinca, quando criança. Os filhos não são, salvo raríssimas exceções,
orientados para serem solidários com quem precisa. Em geral, essas pessoas são
criadas “ao Deus dará”.
Ganham
tudo o que pedem, menos o que, de fato, precisam. No final das contas, quando
têm que enfrentar a dureza da vida, descobrem, de repente, que as coisas não
são tão fáceis como pensavam. Daí ocorrerem tantos desajustes que extravasam
neste, ou em outros tipos mais sutis de violência, deixando a sociedade
traumatizada, assustada e aturdida.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do
Correio Popular, em 21 de agosto de 1987).
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