Wednesday, February 04, 2015

De herói a vilão


Pedro J. Bondczuk


O massacre verificado anteontem na cidadezinha inglesa de Hungerford, pacata comunidade de cerca de cinco mil habitantes onde todos virtualmente se conhecem – quando um jovem, munido de uma submetralhadora Kalashnikov, saiu atirando, a esmo, contra tudo o que se movesse, matando, estupidamente, 14 pessoas, inclusive a própria mãe, e ferindo outras 16 – chocou a opinião pública, não somente britânica, mas do mundo todo.

Não que esse tipo de ocorrência seja novidade. Em absoluto! Ainda no domingo retrasado, uma chacina semelhante ocorreu em Melbourne, na Austrália, envolvendo uma adolescente de 19 anos. E, no começo do ano, houve um caso parecido nos Estados Unidos.

Mas este editor, que está acostumado com a violência no noticiário de cada dia, por força da própria profissão, nas histórias que lê, nos filmes e novelas que assiste e até nos desenhos animados que seus filhos vêem na televisão, se assusta quando pessoas comuns, como nós, protagonizam atos dessa espécie. Imaginem como se sente quem não acompanha tanto o noticiário! Chega a ser aterrador, certamente.

Nos quatro últimos episódios do tipo (sendo três somente neste ano) sempre houve um ponto em comum: todos os franco-atiradores envolvidos tinham paixão doentia por armas. Foi o caso do veterano do Vietnã, Campo Elias Delgado, que matou 25 desconhecidos em Bogotá, em 5 de dezembro de 1986, após haver trucidado a própria mãe, em cujo cadáver ateou fogo.

E os outros três – o norte-americano que fez dos freqüentadores de um supermercado em Miami alvos de sua caçada; o australiano expulso da Academia Militar por indisciplina e o inglês Michael Ryan – tinham a cabeça repleta de fantasias heróicas. Sentiam-se Rambos da vida real ao perpetrarem suas sortidas criminosas. Quando perceberam que não eram esse herói consagrado pelo cinema... já era tarde.

Grande parte da culpa de casos dessa natureza estarem se repetindo com tamanha freqüência (cinco em dois anos) deve-se aos próprios pais. Eles descuidam-se do tipo de educação que os filhos recebem, em casa, na rua e na escola, preocupados com problemas aparentemente maiores, mas que, na verdade, não passam de picuinhas diante da responsabilidade de se forjar um caráter de um homem e, assim, determinar seu destino.

Raros fiscalizam, por exemplo, o que os jovens lêem. Quase ninguém verifica com do que ele brinca, quando criança. Os filhos não são, salvo raríssimas exceções, orientados para serem solidários com quem precisa. Em geral, essas pessoas são criadas “ao Deus dará”.

Ganham tudo o que pedem, menos o que, de fato, precisam. No final das contas, quando têm que enfrentar a dureza da vida, descobrem, de repente, que as coisas não são tão fáceis como pensavam. Daí ocorrerem tantos desajustes que extravasam neste, ou em outros tipos mais sutis de violência, deixando a sociedade traumatizada, assustada e aturdida.       

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 21 de agosto de 1987).


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