Tuesday, February 03, 2015

Pontos em comum de 3 hits da ficção científica

Pedro J. Bondaczuk

Em seu detalhado ensaio “O Admirável Mundo Novo: fábula científica ou pesadelo virtual?”, Maria Clara Corrêa Tenório identifica pontos de convergência entre o livro de Aldous Huxley e o filme “Matrix”, dirigido pelos irmãos Larry e Andrew Wachowski, que chegou aos cinemas em 31 de março de 1999. Antes de qualquer comentário a propósito, fazem-se necessárias algumas observações, até para contextualizar o tema. Há coisas que devem ser esclarecidas, tanto  sobre essa produção cinematográfica – que tirou a ficção científica do limbo e a popularizou de vez nas telas – quanto da obra literária que a inspirou. Refiro-me, no caso, a “Neuromancer”, de William Gibson, lançada em julho de 1984.

“Matrix”, trocado em miúdos, é fruto de uma série de referências de coisas bastante díspares e aparentemente sem nenhuma ligação entre si. Ou seja, de conceitos de religião, de literatura, de filosofia (no caso, a famosa alegoria da caverna, de Platão) de quadrinhos, de cinema oriental e até de anime. Parece uma salada maluca, impossível de dar liga. Mas deu. É, em última análise, um ousado questionamento da realidade. Dito assim, parece algo complexo demais para o entendimento do público de cinema, provavelmente uma obra fadada ao fracasso. Quem pensou isso, no entanto,... se equivocou. A produção dos irmãos Wachowski foi (e ainda é, quinze anos depois) estrondoso sucesso, um “cult”, um hit, um ícone do gênero ficção científica.

E onde entra o livro de William Gibson, que se não criou (não posso garantir), pelo menos deu visibilidade e consagrou o estilo cunhado de “ciberpunk”, nessa história? Entra no cerne do filme. E isso já a partir do nome. “Matrix” é uma rede mundial de computadores (uma espécie de internet), criada pelo autor de “Neuromancer” que, por sua vez, é um hit da ficção científica. O autor trata de uma realidade “hiperfuturista”, que na época da publicação do romance, parecia fantasiosa demais. Já hoje, passados trinta anos do seu lançamento, mostra-se não apenas verossímil, mas até provável, por mais assustador que seja O principal personagem de Gibson é Case, um hacker que deu com os burros n’água, ao tentar roubar seus patrões. Entre outros prejuízos, não conseguiu mais acessar “matrix”, por causa de microtoxinas inseridas em seu cérebro.

Mas, voltando ao tema inicial destas reflexões, quais são os principais pontos convergentes entre o livro de Aldous Huxley e a produção cinematográfica dos irmãos Wachowski (e, por vias transversas, com “Neuromancer”)  detectados por Maria Clara Correa Tenório em seu ensaio? Transcrevo trechos desse seu detalhado trabalho analítico em que essa convergência me parece bastante clara. Num deles, ela observa: “Nessa ‘fábula’ moderna (no caso, o filme) os indivíduos também são decantados de incubadoras, mas tudo se passa na mente humana. A realidade não existe, pois tudo torna-se virtual. Os homens gerados nas incubadoras são meio-máquinas, como as castas baixas do Admirável Mundo Novo, assimilam conhecimentos através de programas de informática avançada. Porém, há uma inversão: não são mais as máquinas que são programadas pelos homens e sim, os homens é que estão sujeitos à dominação da máquina, dos robôs e são mantidos alheios a essa realidade. O filme faz-nos questionar se nosso mundo é real ou se já estamos vivendo um mundo imaginário na mente de algum computador central”. Será que não estamos vivendo mesmo uma virtualidade? Às vezes, suspeito que sim.

E Maria Clara prossegue: “A meu ver, constitui-se numa superação do Admirável Mundo Novo de Huxley. Nessa visão, o mundo organizado e perfeito não prescinde de conflitos existenciais e frustrações, guerras e embates sociais. Em Matrix um dos robôs andróides explica que a experiência de se evitar qualquer frustração nos homens não tinha dado certo e por isso fora criada uma nova Matrix, melhor elaborada, que abrigava inclusive os problemas, as guerras, as falhas, as frustrações, as dores humanas. Incrivelmente, satisfaz-se até a ‘necessidade’ de frustração, entendida também como uma necessidade humana. Para que as pessoas não percebam que aquela é apenas uma realidade virtual, criada pelos computadores todos são levados a um estado de semi-consciência do real que lhes induz a ver o imaginário como real. É como se estivemos sonhando ou tendo um pesadelo sem fim. Só alguns poucos mortais fogem a esse padrão e tentam subverter a ordem estabelecida. Sendo constantemente perseguidos e severamente castigados”.

Maria Clara, todavia, conclui: “O que difere  Matrix  da ‘fábula’ de Huxley é que lá o mundo não mais está sendo governado por homens e sim por máquinas robôs, tendo como sua matriz, o computador. Todos vivem dentro de uma ordem estabelecida, mas não por alguns homens em detrimento dos outros e sim pelo computador que governa quase todas as mentes humanas. Entretanto há um aparente caos, enquanto que nessa última o caos foi quase todo eliminado, o mundo civilizado dominou o mundo selvagem. Essas ‘fábulas científicas’  atuais e antigas guardam entre si um ponto de comunicação: todas apontam para uma desumanização do homem, uma morte do indivíduo, embora de pontos de vista diferenciados”.


Destaque-se que há uma distância temporal enorme entre o “Admirável mundo novo” de Huxley, escrito em 1931, “Neuromancer”, de William Gibson, datado de 1984 e “Matrix”, dirigido pelos irmãos Wachowski, lançado em 1999. Os três, parecem saídos da mesma cabeça, embora sessenta e oito anos separem o primeiro do terceiro. Creio que se trata de uma relação, entre as três obras, não apenas válida e original, mas até necessária. Entre outras coisas, ela nos leva a admirar muito mais ainda a incomparável capacidade de previsão desse gênio literário, que foi Aldous Huxley

Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk

No comments: