Pontos em comum de 3
hits da ficção científica
Pedro
J. Bondaczuk
Em seu detalhado ensaio
“O Admirável Mundo Novo: fábula científica ou pesadelo virtual?”, Maria Clara
Corrêa Tenório identifica pontos de convergência entre o livro de Aldous Huxley
e o filme “Matrix”, dirigido pelos irmãos Larry e Andrew Wachowski, que chegou
aos cinemas em 31 de março de 1999. Antes de qualquer comentário a propósito,
fazem-se necessárias algumas observações, até para contextualizar o tema. Há
coisas que devem ser esclarecidas, tanto
sobre essa produção cinematográfica – que tirou a ficção científica do
limbo e a popularizou de vez nas telas – quanto da obra literária que a
inspirou. Refiro-me, no caso, a “Neuromancer”, de William Gibson, lançada em
julho de 1984.
“Matrix”, trocado em
miúdos, é fruto de uma série de referências de coisas bastante díspares e
aparentemente sem nenhuma ligação entre si. Ou seja, de conceitos de religião,
de literatura, de filosofia (no caso, a famosa alegoria da caverna, de Platão)
de quadrinhos, de cinema oriental e até de anime. Parece uma salada maluca,
impossível de dar liga. Mas deu. É, em última análise, um ousado questionamento
da realidade. Dito assim, parece algo complexo demais para o entendimento do
público de cinema, provavelmente uma obra fadada ao fracasso. Quem pensou isso,
no entanto,... se equivocou. A produção dos irmãos Wachowski foi (e ainda é,
quinze anos depois) estrondoso sucesso, um “cult”, um hit, um ícone do gênero
ficção científica.
E onde entra o livro de
William Gibson, que se não criou (não posso garantir), pelo menos deu
visibilidade e consagrou o estilo cunhado de “ciberpunk”, nessa história? Entra
no cerne do filme. E isso já a partir do nome. “Matrix” é uma rede mundial de
computadores (uma espécie de internet), criada pelo autor de “Neuromancer” que,
por sua vez, é um hit da ficção científica. O autor trata de uma realidade
“hiperfuturista”, que na época da publicação do romance, parecia fantasiosa
demais. Já hoje, passados trinta anos do seu lançamento, mostra-se não apenas
verossímil, mas até provável, por mais assustador que seja O principal
personagem de Gibson é Case, um hacker que deu com os burros n’água, ao tentar
roubar seus patrões. Entre outros prejuízos, não conseguiu mais acessar
“matrix”, por causa de microtoxinas inseridas em seu cérebro.
Mas, voltando ao tema
inicial destas reflexões, quais são os principais pontos convergentes entre o
livro de Aldous Huxley e a produção cinematográfica dos irmãos Wachowski (e,
por vias transversas, com “Neuromancer”)
detectados por Maria Clara Correa Tenório em seu ensaio? Transcrevo
trechos desse seu detalhado trabalho analítico em que essa convergência me
parece bastante clara. Num deles, ela observa: “Nessa ‘fábula’ moderna (no
caso, o filme) os indivíduos também são decantados de incubadoras, mas tudo se
passa na mente humana. A realidade não existe, pois tudo torna-se virtual. Os
homens gerados nas incubadoras são meio-máquinas, como as castas baixas do
Admirável Mundo Novo, assimilam conhecimentos através de programas de
informática avançada. Porém, há uma inversão: não são mais as máquinas que são
programadas pelos homens e sim, os homens é que estão sujeitos à dominação da
máquina, dos robôs e são mantidos alheios a essa realidade. O filme faz-nos questionar
se nosso mundo é real ou se já estamos vivendo um mundo imaginário na mente de
algum computador central”. Será que não estamos vivendo mesmo uma virtualidade?
Às vezes, suspeito que sim.
E Maria Clara
prossegue: “A meu ver, constitui-se numa superação do Admirável Mundo Novo de
Huxley. Nessa visão, o mundo organizado e perfeito não prescinde de conflitos
existenciais e frustrações, guerras e embates sociais. Em Matrix um dos robôs
andróides explica que a experiência de se evitar qualquer frustração nos homens
não tinha dado certo e por isso fora criada uma nova Matrix, melhor elaborada,
que abrigava inclusive os problemas, as guerras, as falhas, as frustrações, as
dores humanas. Incrivelmente, satisfaz-se até a ‘necessidade’ de frustração,
entendida também como uma necessidade humana. Para que as pessoas não percebam
que aquela é apenas uma realidade virtual, criada pelos computadores todos são
levados a um estado de semi-consciência do real que lhes induz a ver o
imaginário como real. É como se estivemos sonhando ou tendo um pesadelo sem
fim. Só alguns poucos mortais fogem a esse padrão e tentam subverter a ordem
estabelecida. Sendo constantemente perseguidos e severamente castigados”.
Maria Clara, todavia,
conclui: “O que difere Matrix da ‘fábula’ de Huxley é que lá o mundo não
mais está sendo governado por homens e sim por máquinas robôs, tendo como sua
matriz, o computador. Todos vivem dentro de uma ordem estabelecida, mas não por
alguns homens em detrimento dos outros e sim pelo computador que governa quase
todas as mentes humanas. Entretanto há um aparente caos, enquanto que nessa
última o caos foi quase todo eliminado, o mundo civilizado dominou o mundo
selvagem. Essas ‘fábulas científicas’
atuais e antigas guardam entre si um ponto de comunicação: todas apontam
para uma desumanização do homem, uma morte do indivíduo, embora de pontos de
vista diferenciados”.
Destaque-se que há uma distância temporal enorme
entre o “Admirável mundo novo” de Huxley, escrito em 1931, “Neuromancer”, de
William Gibson, datado de 1984 e “Matrix”, dirigido pelos irmãos Wachowski,
lançado em 1999. Os três, parecem saídos da mesma cabeça, embora sessenta e
oito anos separem o primeiro do terceiro. Creio que se trata de uma relação,
entre as três obras, não apenas válida e original, mas até necessária. Entre
outras coisas, ela nos leva a admirar muito mais ainda a incomparável
capacidade de previsão desse gênio literário, que foi Aldous Huxley
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