Ilhas de exceção
Pedro J. Bondaczuk
O processo de redemocratização da América do Sul,
que começou em 1982, com a entrega do poder pelos militares aos civis na
Bolívia, teve seu momento culminante com a eleição de Raul Alfonsin na
Argentina, no ano passado, e quase se completou, com o pleito presidencial
recente do Uruguai, deixou apenas duas "ilhas" de exceção no
continente: Chile e Paraguai. O primeiro país endurece cada dia mais o seu
regime, tendo decretado recentemente um contestável estado de sítio, para
tentar conter o crescente clamor nacional pela normalidade democrática, após 11
penosos anos de ditadura. O Paraguai, a rigor, não conhece a alternância do
poder há muito mais tempo, desde 1940.
Naquele longínquo ano, o presidente do Partido
Colorado, Higino Moriñigo assumiu poderes ditatoriais, o que levou os
paraguaios a uma prolongada e desgastante guerra civil. Foram oito longos anos
de agitação e de morticínios, em que o ditador conseguiu esmagar os rebeldes,
mas abriu caminho para a ascensão dos militares. Esses acabaram por expulsá-lo
do país, criando um período de muita instabilidade institucional. Em apenas
dois anos, o Paraguai teve 5 presidentes, dois em 1948 (Juan Manuel Frutos e
Juan Natalício González) e três em 1949 (general Raimundo Rolón, Felipe Molas
López e Federico Chávez). Depois gozou uma curta temporada de trégua até 1954.
Tudo isso e mais o fato da maior parte das
propriedades paraguaias estarem nas mãos de apenas algumas poucas famílias,
criou condições para uma nova ditadura. E esta não tardou muito a surgir. E nem
poderia, pois contrariaria a lógica continental.
Um então jovem general, recém-formado em curso
promovido pela célebre Escola das Américas, no Panamá (onde também Augusto
Pinochet foi diplomado), Alfredo Stroessner, aproveitou essa nova brecha
surgida entre seus compatriotas, que como sempre acontece em períodos de
instabilidade e de agitação social na América Latina, viam num regime austero,
dos militares, a solução para a retomada da ordem pública. E ele não teve
dúvida. Num autêntico "golpe branco", assumiu o poder, após vencer
uma eleição presidencial considerada uma farsa, sem qualquer oposição, em 1954.
Neste ano, portanto, o Paraguai completou 30 anos
sob a direção de Alfredo Stroessner. A oposição política, naquele país,
atualmente, é apenas pró-forma. A maioria dos opositores de peso ao regime está
no exílio ou nos cárceres. E não há, pelo menos aparentemente, a mínima
perspectiva de mudança institucional naquela República vizinha.
Com a redemocratização uruguaia, contudo, Chile e
Paraguai estarão cada vez mais isolados no continente. E as pressões,
especialmente de influentes grupos dentro do próprio Departamento de Estado dos
EUA, deverão crescer. Os norte-americanos
têm ainda vivos na memória os exemplos das ditaduras de Fulgêncio Batista, em
Cuba, e de Anastázio Somoza, na Nicarágua e as conseqüências que elas
trouxeram. O que ocorre, após um longo período de fechamento e de exceção,
geralmente quando não há uma redemocratização plena com a participação popular,
é a instauração da esquerda no poder, através de processos ditos
"revolucionários".
O latino-americano, na hora de votar, é conservador.
As eleições realizadas neste ano, tanto no Panamá, como em El Salvador, no
Equador e recentemente no Uruguai, demonstraram isso. Em todos esses países,
políticos bastante moderados foram guindados à presidência. E é esse
retrospecto que vai fazer com que o governo Reagan insista, por meio de
pressões, até mesmo econômicas, para que o Chile e o Paraguai deixem de ser as
"ovelhas negras" da América do Sul. Com isso, os EUA ganharão
duplamente: terão a gratidão desses povos pelo retorno à democracia de seus
países e estarão seguros da lealdade dos governantes que emergirem das urnas.
(Artigo publicado na página 19, Internacional, no
Correio Popular em 2 de dezembro de 1984)
Acompanhe-me pelo twitter: @bondacazuk
No comments:
Post a Comment