Tuesday, February 10, 2015

Armas não matam idéias


Pedro J. Bondaczuk


Os chineses foram impedidos, ontem, da celebração do "Ching Ming", o seu tradicional festival em honra dos mortos, por temor das autoridades comunistas de que ocorressem manifestações de protesto contra a repressão ao movimento pró-democracia na Praça da Paz Celestial, verificada em 3 e 4 de junho de 1989 e que redundou num autêntico massacre de estudantes. Ainda está gravada na retina de todos a imagem daquele jovem de 19 anos (em plena flor da idade), que de peito aberto e mãos desarmadas, enfrentou, corajosamente, os tanques do Exército Popular. Essa cena foi capa de revista do mundo inteiro, ilustrou as primeiras páginas de milhares de jornais e foi mostrada na televisão para alguns bilhões de pessoas. O que se esqueceu de destacar, porém, foi o fim que levou o audaz adolescente. Deram sumiço nele. Hoje, o herói anônimo é uma das milhares de vítimas da repressão odiosa, praticada pelos comunistas de linha-dura. Supõe-se que ele esteja morto ou confinado a algum  "campo de reeducação política".

Neste mês de abril, mais especificamente no próximo dia 19, estará sendo completado o primeiro ano da queda da máscara de dirigentes que posavam como liberais, e que no entanto jamais perderam o vezo ditatorial que sempre tiveram. Especialmente Deng Xiaoping, que frustrou as esperanças de tanta gente e se constituiu numa das maiores decepções dos últimos anos. Foi na mencionada data que, a propósito de homenagearem o ex-presidente Hu Yaobang, que tinha morrido dias antes e que havia sido despojado do cargo após ter sido responsabilizado pelos protestos estudantis de dezembro de 1988, os universitários chineses iniciaram seu movimento pró-democracia.

No princípio, as concentrações na Praça da Paz Celestial reuniram poucas centenas de participantes. À medida em que os dias foram passando, os atos públicos foram ganhando dimensões cada vez maiores. O auge foi atingido durante a passagem do presidente soviético, Mikhail Gorbachev, por Pequim, lá por meados de maio. As manifestações chegaram a reunir 1,5 milhão de pessoas, operários, professores, camponeses, gente de todas as profissões e graus culturais. Até que sobreveio a repressão, dura, covarde, chocante, absurda.

Em apenas dois dias, a China retrocedeu dez anos. O fato das suas autoridades impedirem a celebração do "Ching Ming", ontem, é um indicativo disso. As trevas da estupidez, do fanatismo ideológico, do desrespeito ao indivíduo enquanto gente e como cidadão, baixaram sobre o país, sem que ninguém pudesse fazer qualquer coisa, a não ser protestar, para impedir. Mas a violência, que suprime pessoas, nunca conseguiu matar idéias.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 6 de abril de 1990)


 Acompanhe-me pelo twitter: @bondaczuk  

No comments: