Armas
não matam idéias
Pedro J. Bondaczuk
Os chineses foram impedidos, ontem, da celebração do
"Ching Ming", o seu tradicional festival em honra dos mortos, por
temor das autoridades comunistas de que ocorressem manifestações de protesto
contra a repressão ao movimento pró-democracia na Praça da Paz Celestial,
verificada em 3 e 4 de junho de 1989 e que redundou num autêntico massacre de
estudantes. Ainda está gravada na retina de todos a imagem daquele jovem de 19
anos (em plena flor da idade), que de peito aberto e mãos desarmadas,
enfrentou, corajosamente, os tanques do Exército Popular. Essa cena foi capa de
revista do mundo inteiro, ilustrou as primeiras páginas de milhares de jornais
e foi mostrada na televisão para alguns bilhões de pessoas. O que se esqueceu
de destacar, porém, foi o fim que levou o audaz adolescente. Deram sumiço nele.
Hoje, o herói anônimo é uma das milhares de vítimas da repressão odiosa,
praticada pelos comunistas de linha-dura. Supõe-se que ele esteja morto ou
confinado a algum "campo de
reeducação política".
Neste mês de abril, mais especificamente no próximo
dia 19, estará sendo completado o primeiro ano da queda da máscara de
dirigentes que posavam como liberais, e que no entanto jamais perderam o vezo
ditatorial que sempre tiveram. Especialmente Deng Xiaoping, que frustrou as
esperanças de tanta gente e se constituiu numa das maiores decepções dos
últimos anos. Foi na mencionada data que, a propósito de homenagearem o
ex-presidente Hu Yaobang, que tinha morrido dias antes e que havia sido
despojado do cargo após ter sido responsabilizado pelos protestos estudantis de
dezembro de 1988, os universitários chineses iniciaram seu movimento
pró-democracia.
No princípio, as concentrações na Praça da Paz
Celestial reuniram poucas centenas de participantes. À medida em que os dias
foram passando, os atos públicos foram ganhando dimensões cada vez maiores. O
auge foi atingido durante a passagem do presidente soviético, Mikhail
Gorbachev, por Pequim, lá por meados de maio. As manifestações chegaram a
reunir 1,5 milhão de pessoas, operários, professores, camponeses, gente de
todas as profissões e graus culturais. Até que sobreveio a repressão, dura,
covarde, chocante, absurda.
Em apenas dois dias, a China retrocedeu dez anos. O
fato das suas autoridades impedirem a celebração do "Ching Ming",
ontem, é um indicativo disso. As trevas da estupidez, do fanatismo ideológico,
do desrespeito ao indivíduo enquanto gente e como cidadão, baixaram sobre o
país, sem que ninguém pudesse fazer qualquer coisa, a não ser protestar, para
impedir. Mas a violência, que suprime pessoas, nunca conseguiu matar idéias.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do
Correio Popular, em 6 de abril de 1990)
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