Especulações
sobre influências sofridas por um enigma ambulante
Pedro J. Bondaczuk
O homem é um feixe de
influências. São elas que determinam o que pensa, como age, o que faz e, enfim,
o que é. As pessoas são influenciadas pelos pais, pelos mestres, pelas
amizades, pelas inimizades, enfim, de uma forma ou de outra, por todos com quem
mantêm contato ao longo da vida, nos graus mais variáveis, mesmo que apenas
superficiais ou ocasionais. Os ambientes que freqüentam também influem na
formação de sua personalidade, processo que não tem fim, enquanto se tiver um
sopro de vida. O homem é influenciado, ainda, pelo que lê, vê ou ouve. Por
isso, é tarefa, no meu entender impossível, a de determinar, com o máximo rigor
e sem margem para equívocos, o que uma pessoa de fato “é” em sua essência.
Nenhum de nós pode fazer isso. Por que? Porque... nos desconhecemos. Ademais,
somos seres mutantes no que diz respeito às nossas convicções, opiniões e
atitudes.
Determinadas influências, porém,
são possíveis de serem detectadas em nossa conduta e em nossas obras. Há uma
pergunta, nunca respondida com absoluta precisão e que, sempre que vem à baila,
gera debates, controvérsias e muita polêmica. É a seguinte: “Existe alguma
forma do indivíduo moldar sua personalidade ou esta é produto da educação e do
meio em que ele vive e, portanto, mera fatalidade? As opiniões a respeito,
reitero, divergem. Muitos educadores entendem que a moldagem é possível e a
vontade tem papel determinante nessa tarefa. Outros, por sua vez, acham que
não. O pensador catalão Jaime Luciano Antonio Balmes y Urpiá chegou a
apresentar uma fórmula para essa construção de uma identidade positiva: "A
verdadeira personalidade deve ter cabeça de gelo, coração de fogo e braços de
ferro". Ou seja, precisa contar com frieza ao raciocinar, paixão ao sentir
e energia ao agir.
Este parece ser o perfil, pelo
menos aproximado, do nosso personagem, o escritor japonês Yukio Mishima. Para
mim, o que foi, o que fez, e, sobretudo, sua motivação são um tanto
inexplicáveis, se não obscuras. Continuo considerando-o um “enigma ambulante”,
ao cabo de cuidadoso estudo a seu respeito. Pudera, se nem seu melhor biógrafo
e amigo, John Nathan, que teve estreito convívio com ele, conseguiu explicar,
sobretudo, suas obsessões, quem sou eu, que o conheço somente de um ou outro
dos seus livros, para fazê-lo? Todavia, posso especular (qualquer um pode)
sobre o que o influenciou para ser o que foi e para fazer o que fez.
Creio que a influência mais
profunda e duradoura que recebeu foi a da sua avó paterna, Natsu, descendente
de uma linhagem de samurais, a cuja tutela foi entregue desde quando bebê até a
idade de doze anos. Recebeu, dessa mulher severa e taciturna, de idéias
conservadoras e tradicionalistas, educação rígida, espartana, dura,
caracterizada por extrema disciplina, em que princípios e valores de um passado
remoto lhe foram incutidos, a ferro e fogo, com destaque para a ética, a
fidelidade, o estoicismo e a honra. Outra influência provável foi a de seus
mestres. Destaque-se que o professor
não educa somente uma, dez, cem, mil pessoas ou mais. E nem, apenas, uma
geração: a sua. As sementes que planta sobrevivem ao tempo e produzem frutos
muitos e muitos anos depois da sua morte. Na verdade, educa uma espécie. O
norte-americano Henry Adams foi de extrema felicidade ao constatar: “Um
professor sempre afeta a eternidade. Ele nunca saberá onde sua influência
termina”.
Yukio Mishima estudou num colégio de elite em Tóquio, a Gakushuin,
instituição educacional, estabelecida em 1877, durante o período Meiji. Era
exclusiva da aristocracia japonesa. No caso, fazia todo o sentido. Afinal, o
jovem promissor provinha de família da
elite. Para o leitor ter uma idéia do quanto essa escola era exclusiva, basta
dizer que nela estudaram o imperador Hiroito, seu sucessor Akihito, além da
princesa Aiko. Com o tempo, a Gakushuin passou a aceitar alunos que, mesmo não
sendo da nobreza, provinham de famílias extremamente ricas. Uma das alunas que
se enquadrava nesse caso, foi Yoko Ono, viúva do ex-Beatle John Lennon. Depois
da Segunda Guerra Mundial, a instituição se tornou privada (até então, pertencia
ao governo imperial) e abriu algumas filiais. Existe até hoje, embora não
conserve a mesma rigidez do passado. Ainda assim, é exclusiva.
Não vejo, porém, muita influência em sua personalidade e obra do curso
universitário no qual Mishima se diplomou. Em 1947, aos vinte e dois anos de
idade, ele doutorou-se em Direito pela Universidade de Tóquio. Não consta que
tenha advogado. Chegou a trabalhar, sim, por algum tempo (muito pouco), mas
como funcionário burocrático do Ministério de Finanças. Não se deu bem com a
rotina e logo abandonou o emprego, para dedicar-se, em tempo integral, à
Literatura. Mas foi bastante influenciado por sua passagem pela Força de Defesa
do país (o exército japonês), onde aprimorou a cultura física e tornou-se
perito nas artes marciais.
Literariamente, a maior influência que Yukio Mishima sofreu,
provavelmente, foi de Yasunari Kawabata, que o introduziu no mundo literário
japonês. Contudo, indiretamente, foi, também, a causa (indireta) de sua maior
decepção. Seu mentor conquistou o Prêmio Nobel de Literatura de 1968, quando
ele esperava (tinha praticamente certeza) de que seria o ganhador, pois era a
terceira vez que havia sido indicado. Claro que não manifestou esse sentimento
ao seu mestre e protetor, ao qual, elegantemente, cumprimentou. Mas dos amigos
mais íntimos (poucos) não escondeu a decepção que isso lhe causou. Nem poderia.
Outras influências literárias podem ser detectadas (posto que sutilmente) na
obra de Mishima. São os casos, por exemplo, do dramaturgo francês Jean Racine,
do poeta alemão Johann Wolfgang Von Göethe e do poeta e revolucionário italiano
Gabrielle D’Annunzio, cujas obras traduziu. Ou do inglês Oscar Wilde (condenado
à prisão por prática de homossexualismo). Ou dos franceses Raymond Radiguet e
Georges Bataille. Ou dos alemães Thomas Mann e Friedrich Nietszhe.
Reitero, todavia, que esse elenco (pequeno) de influências que citei (e
poderia citar muitas mais) não passa de mera especulação, baseada em parcas
informações colhidas a propósito em sua biografia e nos escassos textos de sua
autoria que tive o privilégio de ler. Pode ser que todas elas, ou algumas
delas, de fato ocorreram. É possível. Como pode ser, também, que nenhuma dessas
circunstâncias e pessoas influenciou o que foi, pensou ou fez. A rigor,
acredito que nem mesmo o próprio Mishima poderia garantir quem e o que foram
determinantes em sua vida a ponto de poderem explicar suas atitudes, muitas das
quais incompreensíveis e, notadamente, a forma dramática e teatral que escolheu
para dar cabo da vida: mediante o “seppuku”, o suicídio ritual dos samurais.
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