Quando
o futuro é "assassinado"
Pedro J. Bondaczuk
O Chile está vivendo mais dois dias de agitações,
frutos do descontentamento popular com um regime militar que não tem tempo
certo para acabar. Ou pelo menos, pensa assim. Com todos os esforços feitos pela
sociedade civil para o estabelecimento de um diálogo com o governo, visando
exclusivamente ao entendimento entre irmãos, o que existe, hoje, de concreto, é
apenas a desoladora certeza de que, os
distúrbios, que vêm inquietando os chilenos desde 1983, tenderão a aumentar,
com o conseqüente agravamento da repressão, odiosa, feroz, dura e em alguns
aspectos maldosa.
Até a metade do dia de ontem, três pessoas, todas
alheias às manifestações, haviam sido mortas pelos soldados, que teoricamente
deveriam as proteger. Todas jovens, bastante novas, sendo uma dessas vítimas
fatais uma adolescente de somente 13 anos de idade, que havia saído de casa
para comprar pão. Acabou fuzilada impiedosamente, como se fosse uma perigosa
guerrilheira, ela que certamente ainda não havia sequer deixado o seu delicioso
mundo de fantasia, povoado de bonecas, de pessoas nobres e bondosas e onde os
maus terminam invariavelmente punidos. Desgraçadamente, no entanto, não é o que
acontece na vida real, de ditaduras, guerrilhas, disputas pelo poder e
discórdias entre classes que não podem se dispensar mutuamente.
Outro dos mortos foi um rapaz, que ao sair de
madrugada de uma festa de família, acabou baleado pelas costas. Certamente, no
lar onde se festejava antes algum raro evento de alegria, hoje há, somente,
profunda tristeza e uma impotente revolta. O terceiro foi um contador, também
bastante moço, que se viu privado da existência no instante em que atingia
possivelmente o período mais produtivo dela.
E por que tanta mortandade, tamanha violência entre
irmãos, tanto prazer em se apertar gatilhos contra pessoas indefesas? Para que
um homem, tão mortal quanto qualquer dos assassinados, conserve em suas mãos, à
revelia de toda uma nação, algo tão abstrato e fluido quanto é o poder.
O general Augusto Pinochet, sempre que seu humor lhe
permite, justifica seu continuísmo apontando o perigo do comunismo no Chile. O
que o observador (e especialmente o cidadão chileno) fica se indagando, é: por
que justamente o seu país, e não tantos outros agora dirigidos por civis, seria
o visado? O que existe ali de tão especial para que os soviéticos,
hipoteticamente, façam pairar essa possibilidade como constante ameaça?
O marxismo, a rigor, quase nunca é imposto. Surge,
geralmente, do descontentamento de populações espoliadas e espezinhadas, que
procuram outra ditadura para se livrar da que as subjuga. É muito mais fácil um
caudilho, que se diz defensor dos princípios ocidentais e cristãos, ser o
anfitrião desse regime do que aquilo que afirma ser: o seu verdugo. É
lamentável, mas no prazo de apenas uma década, o Chile teve toda uma geração
marcada. E o que é pior, os que ocupam com tanta ganância o poder, estão
matando, exatamente, o futuro do país.
(Artigo publicado na página 11, Internacional, do
Correio Popular, em 3 de julho de 1986)
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