Monday, February 09, 2015

Quando o futuro é "assassinado"


Pedro J. Bondaczuk


O Chile está vivendo mais dois dias de agitações, frutos do descontentamento popular com um regime militar que não tem tempo certo para acabar. Ou pelo menos, pensa assim. Com todos os esforços feitos pela sociedade civil para o estabelecimento de um diálogo com o governo, visando exclusivamente ao entendimento entre irmãos, o que existe, hoje, de concreto, é apenas a  desoladora certeza de que, os distúrbios, que vêm inquietando os chilenos desde 1983, tenderão a aumentar, com o conseqüente agravamento da repressão, odiosa, feroz, dura e em alguns aspectos maldosa.

Até a metade do dia de ontem, três pessoas, todas alheias às manifestações, haviam sido mortas pelos soldados, que teoricamente deveriam as proteger. Todas jovens, bastante novas, sendo uma dessas vítimas fatais uma adolescente de somente 13 anos de idade, que havia saído de casa para comprar pão. Acabou fuzilada impiedosamente, como se fosse uma perigosa guerrilheira, ela que certamente ainda não havia sequer deixado o seu delicioso mundo de fantasia, povoado de bonecas, de pessoas nobres e bondosas e onde os maus terminam invariavelmente punidos. Desgraçadamente, no entanto, não é o que acontece na vida real, de ditaduras, guerrilhas, disputas pelo poder e discórdias entre classes que não podem se dispensar mutuamente.

Outro dos mortos foi um rapaz, que ao sair de madrugada de uma festa de família, acabou baleado pelas costas. Certamente, no lar onde se festejava antes algum raro evento de alegria, hoje há, somente, profunda tristeza e uma impotente revolta. O terceiro foi um contador, também bastante moço, que se viu privado da existência no instante em que atingia possivelmente o período mais produtivo dela.

E por que tanta mortandade, tamanha violência entre irmãos, tanto prazer em se apertar gatilhos contra pessoas indefesas? Para que um homem, tão mortal quanto qualquer dos assassinados, conserve em suas mãos, à revelia de toda uma nação, algo tão abstrato e fluido quanto é o poder.

O general Augusto Pinochet, sempre que seu humor lhe permite, justifica seu continuísmo apontando o perigo do comunismo no Chile. O que o observador (e especialmente o cidadão chileno) fica se indagando, é: por que justamente o seu país, e não tantos outros agora dirigidos por civis, seria o visado? O que existe ali de tão especial para que os soviéticos, hipoteticamente, façam pairar essa possibilidade como constante ameaça?

O marxismo, a rigor, quase nunca é imposto. Surge, geralmente, do descontentamento de populações espoliadas e espezinhadas, que procuram outra ditadura para se livrar da que as subjuga. É muito mais fácil um caudilho, que se diz defensor dos princípios ocidentais e cristãos, ser o anfitrião desse regime do que aquilo que afirma ser: o seu verdugo. É lamentável, mas no prazo de apenas uma década, o Chile teve toda uma geração marcada. E o que é pior, os que ocupam com tanta ganância o poder, estão matando, exatamente, o futuro do país.

(Artigo publicado na página 11, Internacional, do Correio Popular, em 3 de julho de 1986)


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