Visão
realista de um arremedo de civilização
Pedro J. Bondaczuk
O que é civilização? E, em
contrapartida, o que é barbárie? Sociólogos, jornalistas, filósofos,
antropólogos e, sobretudo, historiadores falam muito sobre esses conceitos, mas
a imensa maioria das pessoas mundo afora não tem noção exata (na verdade, não
tem nenhuma) do que se trata. Aliás, a rigor, e sem nenhum exagero, oito entre
dez habitantes do Planeta jamais pensaram nisso. Sejamos realistas: são raros
os que pensam “qualquer coisa” que não seja banalidade. Quando muito, pensam em
seus problemas cotidianos, mas não por muito tempo. Empurram as coisas com a
barriga e se deixam levar pelas circunstâncias ou pelo acaso. Creiam, não estou
dizendo nada de novo e nem de revolucionário. Basta observar o que se passa ao
nosso redor para chegarmos, sem nenhum esforço, a essa constatação.
A pergunta, portanto, se destina
aos que “pensam” e que são minoria. Bem, as definições de civilização e
barbárie são bastante diferentes para habitantes de lugares bem diversos. Para
um europeu, por exemplo (ou norte-americano, ou mesmo brasileiro de classe
média) ser “civilizado” é ter acesso a determinados bens, materiais e/ou
imateriais – como uma casa confortável em um bairro bem urbanizado, um carro de
preferência potente e do ano, uma conta bancária recheada e a meios de
informação e de cultura – sem o que não concebe uma vida minimamente digna, que
valha a pena.
Até de forma inconsciente,
consideramos que, os que não têm esses privilégios e confortos (não importa se
por opção ou por incapacidade), são “bárbaros”. Será? Discordo! O conceito a
esse propósito, digamos, de um aborígene da Tasmânia, ou dos membros de algum
clã do Cazaquistão, ou de habitantes de determinados países insulares do
Pacífico Sul, isolados e esquecidos por todos, tende a ser (provavelmente é)
muito diverso deste. Eles não dão tanta (talvez nenhuma) importância a essas
conquistas nossas, que consideramos o suprassumo de civilização. Para eles
contam mais os laços de família, as tradições legadas pelos antepassados que se
empenham em transmitir aos filhos e netos, e os costumes, virtualmente
imutáveis, mesmo que a nós pareçam primitivos, selvagens, bárbaros, que
cultivam. Quem está com a razão? Talvez ambos. Talvez nenhum. Honestamente, não
tenho resposta, embora tenha preferência e pense muito no assunto. Mas com a
visão do pesquisador, do escritor, da testemunha do tempo que vivo.
A civilização, em seus aspectos
mais nobres, como a ética, o direito, a justiça social e a solidariedade, só
evolui quando líderes iluminados e lúcidos conseguem conduzir esse imenso
rebanho humano na direção do bem comum. Poucos, porém, são os povos, e os
períodos, que contam com essa felicidade. Daí a história apresentar recuos e
avanços, assim como as marés, que se sucedem e se mostram intermináveis através
de gerações. As pessoas consideradas "comuns" sequer têm culpa disso.
Reitero, nem pensam no assunto (isso quando pensam no que quer que seja que não
se trate de um conjunto de banalidades, como o futebol, fofocas da vida alheia
e outras tantas trivialidades, cuja citação é dispensável). Afinal, elas são
alienadas. São frutos da educação (na verdade, da falta dela) que recebem (ou
deixam de receber), determinada pela elite que as comanda. Esta é que decide
como e "para o quê" os indivíduos devem ser educados. Ou seja,
condicionados (na verdade, só adestrados como animais de estimação).
Mesmo nós, que temos o privilégio
de ter acesso ao conhecimento e à informação, valorizamos em excesso esse
simulacro de civilização que aí está e nos encantamos com os valores materiais
que são seus fundamentos. Esquecemos que ela privilegia ínfima minoria, em
detrimento da maioria, que vegeta na miséria, ignorância e violência. Fomos
condicionados para tal. Surpreendemo-nos com notícias dando conta que apenas 85
bilionários, detentores das maiores fortunas, são proprietários da mesmíssima
quantidade de riqueza que 40% da população adulta do mundo, ou seja, de 3,2
bilhões de indivíduos!!! Dependendo do nosso grau de consciência, ou nos
indignamos com essa absurda distorção (mas nada fazemos para corrigir), ou logo
esquecemos dessa informação. Quando não, mesmo que penalizados por tão surreal
concentração de renda, a defendemos, argumentando com a tal da “meritocracia”.
Ou seja, raciocinamos: “Se esses bilionários chegaram a essa condição, reuniram
méritos para tal”. Será que reuniram? Todos eles? Essas fortunas são “todas”
lícitas? Nosso questionamento, porém, não chega a esse ponto. E a vida segue.
É fato que vez ou outra
criticamos as injustiças, mas o fazemos ou genericamente, ou pouco (ou nada)
fazemos para mudar esse estado de coisas, mesmo tendo condições para fazer. O
relativo conforto da vida moderna que eventualmente conquistamos nos amolece e
neutraliza a fibra para lutar por ideais elevados, sobretudo os de caráter
altruístico. Mas essa “civilização”, que tanto prezamos (ou que nada fazemos
para aperfeiçoar e melhorar) é um fracasso, quando se sabe que dois terços da
humanidade vegetam nos limites da indigência para sustentar os desperdícios do
um terço restante. Concordo com o poeta Gibran Khalil Gibran quando, em seu
magnífico livro “O Profeta”, constata: “A civilização é uma árvore idosa e
carcomida, cujas flores são a cobiça e o engano e cujos frutos são a infelicidade
e o desassossego”.
E será sempre assim, piorando de
ano para ano, se não fizermos nada para mudá-la. Se continuarmos a entendê-la a
partir de pressupostos equivocados. Se acharmos que são “civilizados” só os que
têm acesso a uma boa moradia (com toda a parafernália que a vida moderna
proporciona), a um carro potente e de preferência do ano, a uma boa
universidade, às informações fartas e múltiplas etc. Mesmo que não digamos,
somos tentados a achar que quem não conta com essas facilidades é bárbaro,
inculto e vive na “idade da pedra lascada”. Mas os verdadeiros princípios de
civilização não estão ligados a bens e/ou facilidades materiais. São o respeito
irrestrito ao próximo, a solidariedade, a justiça e a bondade, entre outras
virtudes.
Não foi sem razão, pois, que o
escultor francês Auguste Rodin, criador da célebre escultura “O Pensador”,
constatou: “A civilização não é, em suma, senão uma camada de pintura que
qualquer chuvinha lava”. Pelo menos esta, que aí está, é (infelizmente) apenas
isso e nada mais. Pessimismo? Longe disso! É realismo! Se fosse pessimista
sequer pensaria no assunto. Tal conclusão, todavia, não é a do cidadão,
pseudo-civilizado e satisfeito com seu padrão de vida, que considera adequado
ou pelo menos aceitável, mas do observador, do pesquisador, do estudioso do
comportamento, enfim, do escritor, testemunha do seu tempo. Mas... quem se
importa?
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