Personalidade talhada
por educação austera
Pedro
J. Bondaczuk
O escritor japonês,
Yukio Mishima, é uma das figuras mais controvertidas, polêmicas e enigmáticas
das tantas a cujas biografias já tive acesso. Em qualquer aspecto que se leve
em conta, quer no positivo, quer no negativo, causa fascínio e divide opiniões,
com muitos defendendo ardorosamente suas idéias, atitudes e escolhas e outros
tantos condenando-as com idêntica ênfase. Não há, pois, nenhum exagero em
classificá-lo de “enigma ambulante”, pois, concordando ou discordando do que
foi e fez, não se pode afirmar, todavia, que seus pensamentos e atos sejam
compreensíveis ou até justificáveis.
Hiraoki Kimitake, que
ficou conhecido no mundo literário com o pseudônimo de Yukio Mishima, nasceu em
Tóquio, em 14 de janeiro de 1925, no seio de uma família de classe alta
(pode-se dizer, de elite), sumamente conservadora e fanaticamente apegada à
tradição. O pai, Azuza, ocupava alto cargo ministerial no governo imperial
japonês. A mãe, por seu turno, pertencia a uma família de confucianos letrados.
Para tentar entender a personalidade e algumas (se não todas) das atitudes do
futuro escritor – que muitos críticos literários consideram o melhor de todos os
tempos que a rica Literatura japonesa já produziu – é preciso remontar à sua
infância. Se não indispensável, creio que seja útil, analisar a maneira com que
foi educado e por quem. Quais foram suas influências? Que tipo de restrições
sofreu e por que? Quais as oportunidades que teve? Enfim, como foi essa etapa
da sua formação moral e intelectual?
Afinal, é nessa fase da vida que se forja nossa personalidade.
Mishima não foi criado
pelos pais. Até os doze anos de idade, foi entregue à tutela dos avós paternos.
Austeridade, em todos os sentidos, foi a tônica da sua formação. Foi instruído
no mais rígido regime de respeito absoluto à hierarquia, sobretudo a familiar.
O avô foi governador da Ilha de Sakhalinala e a avó descendia de uma linhagem
de samurais da Era Tokugawa, com seus rígidos padrões de comportamento,
caracterizados pela sobriedade, senso de honra e estoicismo, além do culto ao
físico. Imaginem um jovem, como Mishima, manifestar tendências homossexuais em
um lar tão austero e rígido como aquele!
O adolescente, descrito como tímido, retraído e arredio, manteve essa opção
rigorosamente em segredo enquanto julgou necessário. Pudera! Aliás, seu
comportamento sexual, ao longo de toda a vida, sempre foi ambíguo.
Durante a juventude e
mais tarde, já na maturidade, manteve vários relacionamentos homossexuais
– inclusive cometeu “seppuku” junto com
o amante Masakatsu Morita, que também se matou. Todavia, aos 33 anos de idade,
em 1958, optou por um casamento de conveniência com Yoko Sugiyama, a pedido da
mãe, e teve dois filhos com a esposa: Noriko e Ichiro. Antes, já havia tido
breve namoro com Michiko Shoda (que viria a se tornar mais tarde esposa do
imperador Akihito). Aliás, o livro que o consagrou mundialmente, publicado
quando tinha 24 anos, “Confissões de uma máscara”, tem o homossexualismo como
tema de fundo. É a história, com nítidas características autobiográficas, de um
jovem talento homossexual, que precisa se esconder atrás de uma máscara para
evitar a reprovação social.
Mas, voltando à infância
de Mishima, destaque-se que sua avó mal o deixava sair de perto da sua vista.
Vetava, invariavelmente, qualquer tentativa de amizade que o menino fizesse.
Queria porque queria formar autêntico samurai, posto que em pleno século XX. O
garoto, com inteligência superior à normal para a idade, conhecia o complexo
teatro Nô e o Kabuki, além de toda a tradição japonesa, coisa que a maioria dos
adultos do seu tempo não tinha ciência. E, claro, era versado nos ideais
heróicos dos samurais que não escondia de ninguém que se propunha a seguir. Pode-se dizer que, em
muitos aspectos, antes de completar doze anos (idade na qual voltou a viver com
os pais), Mishima era um “adulto precoce”. Muitos dos seus biógrafos entendem
que foi a partir dessa época que nasceu sua obsessão pela morte, que o levaria,
quase dois meses antes de completar 45 anos, a cometer seu mirabolante e
dramático suicídio, em 25 de novembro de 1970, episódio noticiado com grande
alarde, com inusitado estardalhaço, pelos principais meios de comunicação mundo
afora. Pudera!
No comments:
Post a Comment