Monday, February 16, 2015

Personalidade talhada por educação austera

Pedro J. Bondaczuk

O escritor japonês, Yukio Mishima, é uma das figuras mais controvertidas, polêmicas e enigmáticas das tantas a cujas biografias já tive acesso. Em qualquer aspecto que se leve em conta, quer no positivo, quer no negativo, causa fascínio e divide opiniões, com muitos defendendo ardorosamente suas idéias, atitudes e escolhas e outros tantos condenando-as com idêntica ênfase. Não há, pois, nenhum exagero em classificá-lo de “enigma ambulante”, pois, concordando ou discordando do que foi e fez, não se pode afirmar, todavia, que seus pensamentos e atos sejam compreensíveis ou até justificáveis.

Hiraoki Kimitake, que ficou conhecido no mundo literário com o pseudônimo de Yukio Mishima, nasceu em Tóquio, em 14 de janeiro de 1925, no seio de uma família de classe alta (pode-se dizer, de elite), sumamente conservadora e fanaticamente apegada à tradição. O pai, Azuza, ocupava alto cargo ministerial no governo imperial japonês. A mãe, por seu turno, pertencia a uma família de confucianos letrados. Para tentar entender a personalidade e algumas (se não todas) das atitudes do futuro escritor – que muitos críticos literários consideram o melhor de todos os tempos que a rica Literatura japonesa já produziu – é preciso remontar à sua infância. Se não indispensável, creio que seja útil, analisar a maneira com que foi educado e por quem. Quais foram suas influências? Que tipo de restrições sofreu e por que? Quais as oportunidades que teve? Enfim, como foi essa etapa da sua formação moral e intelectual?  Afinal, é nessa fase da vida que se forja nossa personalidade.

Mishima não foi criado pelos pais. Até os doze anos de idade, foi entregue à tutela dos avós paternos. Austeridade, em todos os sentidos, foi a tônica da sua formação. Foi instruído no mais rígido regime de respeito absoluto à hierarquia, sobretudo a familiar. O avô foi governador da Ilha de Sakhalinala e a avó descendia de uma linhagem de samurais da Era Tokugawa, com seus rígidos padrões de comportamento, caracterizados pela sobriedade, senso de honra e estoicismo, além do culto ao físico. Imaginem um jovem, como Mishima, manifestar tendências homossexuais em um lar tão austero e rígido  como aquele! O adolescente, descrito como tímido, retraído e arredio, manteve essa opção rigorosamente em segredo enquanto julgou necessário. Pudera! Aliás, seu comportamento sexual, ao longo de toda a vida, sempre foi ambíguo.

Durante a juventude e mais tarde, já na maturidade, manteve vários relacionamentos homossexuais –  inclusive cometeu “seppuku” junto com o amante Masakatsu Morita, que também se matou. Todavia, aos 33 anos de idade, em 1958, optou por um casamento de conveniência com Yoko Sugiyama, a pedido da mãe, e teve dois filhos com a esposa: Noriko e Ichiro. Antes, já havia tido breve namoro com Michiko Shoda (que viria a se tornar mais tarde esposa do imperador Akihito). Aliás, o livro que o consagrou mundialmente, publicado quando tinha 24 anos, “Confissões de uma máscara”, tem o homossexualismo como tema de fundo. É a história, com nítidas características autobiográficas, de um jovem talento homossexual, que precisa se esconder atrás de uma máscara para evitar a reprovação social.

Mas, voltando à infância de Mishima, destaque-se que sua avó mal o deixava sair de perto da sua vista. Vetava, invariavelmente, qualquer tentativa de amizade que o menino fizesse. Queria porque queria formar autêntico samurai, posto que em pleno século XX. O garoto, com inteligência superior à normal para a idade, conhecia o complexo teatro Nô e o Kabuki, além de toda a tradição japonesa, coisa que a maioria dos adultos do seu tempo não tinha ciência. E, claro, era versado nos ideais heróicos dos samurais que não escondia de ninguém que se  propunha a seguir. Pode-se dizer que, em muitos aspectos, antes de completar doze anos (idade na qual voltou a viver com os pais), Mishima era um “adulto precoce”. Muitos dos seus biógrafos entendem que foi a partir dessa época que nasceu sua obsessão pela morte, que o levaria, quase dois meses antes de completar 45 anos, a cometer seu mirabolante e dramático suicídio, em 25 de novembro de 1970, episódio noticiado com grande alarde, com inusitado estardalhaço, pelos principais meios de comunicação mundo afora. Pudera!


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