Thursday, February 19, 2015

Guerra que não pode ter vencedores


Pedro J. Bondaczuk


A guerra do Golfo Pérsico, entre o Irã e o Iraque, não tem condições de apresentar um vitorioso. Isto vem sendo dito e repetido por estrategistas militares há oito anos, sem que nenhuma das partes lhes desse crédito até aqui.

Esse conflito envolve uma série de variáveis que tornam virtualmente impossível o sucesso pelas armas, quer do lado de Teerã, quer do de Bagdá. Ambos, aliás, deixaram de perceber o óbvio, talvez insuflados por algum esperto vendedor de armas, quem sabe, que desejava vender seus produtos e não queria, dessa maneira, perder clientes.

Para que o Irã perdesse o conflito, seria necessário conquistar a sua capital, Teerã, situada a cerca de 800 quilômetros de Bagdá, cercada e protegida por montanhas e por terríveis e inclementes desertos. O presidente iraquiano, em fins de setembro de 1980, em tom de bazófia, garantiu que em duas semanas chegarias a essa metrópole para depor os aiatolás. Bem que ele tentou.

Os primeiros meses de batalha constituíram-se em estrondosos êxitos militares. Cidades após cidades caíram, uma depois da outra, aumentando a euforia árabe, que acreditava ter como aliado principal para ganhar essa guerra o estado caótico em que a República Islâmica se encontrava após a expulsão do xá Mohammed Rhezza Pahlevi do país.

Tudo foi bem até que os tanques invasores chegaram à orla do deserto. As areias entravam nas lagartas e emperravam essas máquinas de combate. As tropas e blindados empacaram. A maior parte deles está, até hoje, no mesmo lugar, como monumentos à imbecilidade humana.

Esse revés animou os aiatolás, que a esta altura já haviam conseguido organizar o novo regime e remodelar suas Forças Armadas. Ocorreu o processo inverso. Foram os iranianos que passaram a empurrar, irresistivelmente, seus inimigos cada vez mais para o interior do seu próprio território. Até que os guardas revolucionários e os soldados islâmicos toparam, também, com uma intransponível barreira. A sucessão de pântanos e de lagos artificiais criados para proteger o porto de Basra (a tradicional Bassora das estórias das “Mil e Uma Noites”), a segunda maior cidade do Iraque.

Ali, naquele lamaçal, os persas deixaram a nata da sua juventude. Sepultaram, em meio ao ódio irracional e à estupidez de uma vingança estéril (ou histérica?) toda uma geração, que lhe vai fazer falta agora, na tarefa de reconstrução.

Por isso, começou de novo, recentemente, o refluxo iraquiano. Caso os dois países não estivessem em vias de negociar um cessar-fogo, as tropas do general Saddam Hussein levariam de roldão, outra vez, as defesas da República Islâmica até a orla do deserto.

Ali, inexoravelmente, teriam que recuar de novo. E o processo prosseguiria até que os dois países se destruíssem, totalmente exauridos. Custou muito para que os dois adversários do Golfo Pérsico percebessem isso, que sempre foi óbvio para todos.

(Artigo publicado na página 14, Internacional, do Correio Popular, em 26 de julho de 1988).


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