Empenho
para salvar Gaia
Pedro J. Bondaczuk
A
Terra é, conforme asseguram notáveis cientistas, um super-organismo vivo, com
todas as funções vitais bem caracterizadas, que eles denominam de "Gaia".
Tudo o que ela contém – animais, vegetais e minerais – seriam, simplesmente,
componentes desse magnífico super-ser, de extraordinária beleza quando
contemplado do espaço. Nosso planeta é belíssimo, visto à distância, azul
salpicado de branco. A teoria, se atentarmos bem, não é tão disparatada quanto
possa parecer em um primeiro momento. Nós, humanos, nesse gigantesco corpo, não
passaríamos de células, (possivelmente neurônios do cérebro dessa
super-criatura). Contudo, por nossa ação, o processo de envelhecimento de
"Gaia" vem sendo acelerado e ela já está ameaçada de colapso,
possivelmente iminente.
O
desaparecimento de espécies, o desmatamento crescente e o aumento intolerável
da poluição do ar e das águas põem em risco a saúde do Planeta. Caso não
se atue no sentido da preservação do ambiente natural, a Terra, como qualquer
animal, poder vir a "morrer", em um futuro não muito distante,
ficando "fossilizada", estéril e vazia, desolada e deserta em nosso
Sistema Solar, como Marte, por exemplo, ou quem sabe, até, como Vênus ou
Mercúrio. Comentando essa depredação ambiental – insensata, criminosa (seria,
no caso, suicida) e acelerada –, Leonardo Boff conclui, no ensaio
"Desafios Ecológicos do Fim de Milênio", publicado no caderno
"Mais!" do jornal "Folha de S. Paulo", em 12 de maio de
1996: "Nós, seres humanos, podemos ser o Satã da Terra, como podemos ser
seu anjo da guarda bom".
No
primeiro caso, estaremos, junto com a morte de "Gaia", decretando a
extinção da nossa própria espécie (e de todas as demais). No segundo,
rejuvenesceremos este magnífico organismo, ele sim com possibilidades de uma
vida "quase" eterna (pelo menos enquanto durar nosso Sol, cuja
falência é estimada em mais quatro bilhões de anos), garantindo a existência,
saudável, harmoniosa e segura, de milhares de gerações. Seria o homem capaz de
compreender essa relação profundíssima que tem com a Terra e mudar, em curto
espaço de tempo, seu comportamento infeliz, destrutivo e absurdo?Tenho minhas
dúvidas. Seu comportamento atual indica que não tem essa salvadora consciência.
Para
que isso seja possível, é necessário educar os jovens, incutindo-lhes a
mentalidade preservacionista, mas não como modismo ou bandeira
"ideológica", como se faz amiúde, mas como ação. A educação
cuidadosa, integral e generalizada das novas gerações é parte da minha utopia.
A dúvida é: haverá tempo para isso? Ela deveria já estar, há séculos, em pleno
andamento. Óbvio que não está. Ainda é possível reverter os sintomas de
desgaste, de envelhecimento de "Gaia", que podem evoluir rapidamente
para uma "doença" de caráter irreversível, que a leve em pouco tempo
à morte? Sim! O ser humano pode qualquer coisa, desde que tenha vontade. Aí,
porém, é que está o grande obstáculo, o insolúvel “x” da questão..
Albert
Camus, aparentemente um pessimista, a julgar pelos livros que deixou, afirmou
que "há nos homens mais coisas a admirar do que a desprezar". Outro
escritor, o também antropólogo, ambientalista e poeta norte-americano, Loren
Eiseley, vai mais longe na avaliação da espécie, de tamanha fragilidade face o
universo e, no entanto, de incomparável grandeza quando exercita a razão (seu
distintivo e diferencial em relação aos demais seres vivos). Acentua: "O
homem sempre pertence em parte ao futuro, tem o poder de se transportar para
além da natureza que conhece. Há muito tempo, criaturas armadas de paus e meras
pedras começaram uma jornada que conduz a nós mesmos. Se não houvesse entre
elas uma pequenina parcela de honra e amor, pequena, muito pequena, talvez não
poderíamos estar aqui agora. Temos que recolher novamente essa pequenina
parcela, em vez do nosso terrível equivalente das pedras e esforçar-nos por
seguir adiante".
O
amor, a compreensão e a solidariedade são outros fragmentos da minha utopia, a
mesma de São Francisco de Assis, de Madre Teresa, de Irmã Dulce, do Centro de
Defesa da Vida, do Lar Fabiano de Cristo e de tantas e tantas outras pessoas e
entidades, famosas ou anônimas, que agem para proteger a espécie mais ameaçada
de extinção de todas do Planeta: o homem. A vertiginosa reprodução humana,
mormente no século XX, é aberrante e antinatural. Em qualquer organismo vivo,
essa multiplicação desordenada de células seria diagnosticada como câncer.
Talvez "Gaia" já tenha esse "tumor maligno" a corroê-la e,
quem sabe, em pleno processo de metástase.
Em
vários períodos da história, povos perderam o "freio" que mantém as
comunidades ordenadas e sadias, chamado "moral" e pagaram altíssimo
(diria intolerável) preço por isso. Foi o caso dos romanos, por exemplo, quando
da invasão dos bárbaros. É o que vem acontecendo agora, com as insensatas
tentativas de dissolução de uma das mais antigas e eficientes instituições
humanas, a família, sem que nada de melhor seja criado em substituição.
Isso
resulta numa irresponsável liberação de instintos cegos – principalmente por
uma maioria despreparada para a vida –, aqueles mesmos, citados por Eiseley,
como os "equivalentes das pedras". Essa perda de autocontrole faz com
que a humanidade tenha, como contraponto da evolução tecnológica, perigosíssimo
retrocesso ético. Surge, em nosso tempo, uma "subespécie" humana,
faminta, miserável, obscura, viciada, violenta e selvagem. É o anticlímax da
evolução. A preservação da moral, de maneira espontânea e consentida, mediante
processo de conscientização geral, é outro fragmento da minha utopia. É preciso
que valores duramente conquistados ao longo de milênios – como respeito,
lealdade, honra, fidelidade, amor, honestidade e solidariedade, entre outros –
sejam resgatados e ampliados e não se transformem, como hoje, em simples
palavras, despidas de conteúdo, despojadas de significado e ridicularizadas
pelos "modernosos".
Roger
William Riis lembra que "somente nós, entre as coisas vivas, descobrimos a
beleza, a amamos e criamo-la para os nossos olhos e para os nossos ouvidos.
Somente nós, entre as coisas vivas, temos o dom de contemplar o ambiente que
nos cerca e criticá-lo e torná-lo melhor". Nessa mesma linha, o autor
teatral Thornton Wilder, na peça "Our Town" (Nossa Cidade), coloca na
boca de um personagem: "Oh, Terra, és maravilhosa demais para que alguém
te perceba. Acaso os seres humanos têm consciência da vida enquanto vivem? Da
vida em todos os seus minutos?". O ideal de beleza, de cultura, de
harmonia e de inteligência plena complementa minha utopia. Ela, contudo, é
coroada mediante a defesa intransigente e a radical valorização da vida, de
cada vida, de toda a vida, animal ou vegetal, racional ou irracional. E de
Gaia, como super-organismo vivo, vivíssimo, posto que seriamente ameaçado e de
cuja sobrevivência depende a nossa.
Loren
Eiseley nos lembra que "em nosso mundo, mesmo uma aranha se recusa a
deitar-se e morrer, se um fio ainda pode ser tecido em direção a uma
estrela". Essa utopia, mal-esboçada, incompleta, inacabada, a soma de
todas as magníficas utopias que já foram urdidas e que ainda serão, tem tudo
para deixar o plano do ideal, das elucubrações e das fantasias e tornar-se
concreta. Basta que queiramos. Basta que ajamos nesse sentido. Basta que não
nos conformemos jamais com a decadência da civilização nem nunca admitamos a
robotização do homem.
Eclesiastes,
o pregador, ensinou: "Tudo tem a sua hora, cada empreendimento tem o seu
tempo debaixo do céu: tempo para nascer, tempo para morrer; tempo para plantar,
tempo para colher; tempo para matar, tempo para curar; tempo para destruir,
tempo para edificar; tempo para chorar, tempo para sorrir; tempo para lamentar,
tempo para dançar; tempo para espalhar pedras, tempo para ajuntar pedras; tempo
para abraçar, tempo para abster-se de abraços; tempo para procurar, tempo para
perder; tempo para guardar, tempo para jogar fora; tempo para rasgar, tempo
para coser; tempo para falar, tempo para calar; tempo para amar, tempo para
odiar; tempo para a guerra e tempo para a paz". O tempo agora é para agir!
Para cada um fazer sua parte, por aparentemente ínfima que pareça, para cumprir
seu papel, para dizer a que veio a esta magnífica e fascinante experiência de
existir. Exerçamos, pois, até a plenitude esse potencial de racionalidade que
temos e que nos confere a imagem e a semelhança com o Criador do Universo.
Sejamos os "anjos da guarda" de Gaia, jamais seu "Satã".
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