Tuesday, August 27, 2013

Wagner e o anti-semitismo

Pedro J. Bondaczuk

As personalidades públicas – e não importa a atividade que exerçam, se políticas, artísticas, literárias, esportivas etc. – têm obrigação, consigo próprias e com a posteridade, de cuidar da imagem. Não podem, por exemplo, agir contra a moral, a lei e/ou aos bons costumes, achando que não serão descobertas. Serão. Mais cedo, ou mais tarde, o que tanto se empenharam em esconder dos olhos do público acaba sendo revelado. E, num piscar de olhos, sua reputação pode parar na lata de lixo.

Não devem e não podem emitir opiniões preconceituosas, aquelas que emitimos impulsivamente, sem pensar, em um momento de raiva. O que disserem poderá ser (e quase sempre é) usado para condená-las, quando não tiverem ínfimas condições de se justificar e nem de se defender. Pior ainda é quando essas declarações, das quais possam se arrepender, são dadas por escrito, em textos (entrevistas, crônicas, ensaios etc.). Exemplo palpável das conseqüências desses atos impensados é o que ocorreu com o compositor Richard Wagner.

Além de gênio da arte musical, de ferrenho nacionalista, de revolucionário etc.etc.etc., ele foi um intelectual atuante. Sabia escrever e escrevia muito bem. Prova disso, são os ensaios que legou, além de uma autobiografia, muito bem escrita. Ocorre que tinha um temperamento impulsivo e nem sempre media o que dizia e, principalmente, o que escrevia. Um de seus ensaios repercutiu negativamente, mundo afora, e repercute ainda hoje, prejudicando sua reputação por gerações e mais gerações. Na época em que o escreveu e publicou, até que não causou escândalo. Mas com o tempo...

E qual foi essa opinião tão grave, a ponto de torná-lo “persona non grata” em muitos círculos ainda hoje, passados duzentos anos de seu nascimento? Foi o ensaio “Os judeus na música”, que Wagner publicou em 1850, no qual ficou nítido ostensivo anti-semitismo, declaração que o persegue através dos anos, levando muita gente até a desconsiderar e ignorar seus múltiplos talentos e se apegar somente àquelas mal postas palavras para caracterizá-lo. Lendo, atentamente, suas biografias (há inúmeros livros tratando da sua vida, além do que ele próprio escreveu), fico intrigado com esse manifesto preconceito racial expressado tão explicitamente por ele.

E por que a minha estranheza? Porque muitos dos seus melhores amigos eram judeus. Quando residia em Dresden, sua casa ficava em um bairro dessa comunidade. E tinha relações absolutamente normais com os vizinhos dessa etnia. Nunca manifestou atitudes remotamente anti-semitas. Frise-se que um arraigado anti-semitismo, naquela época, era ostensivo por toda a Europa, notadamente nos territórios germânicos que um dia viriam a constituir uma Alemanha unificada, tal como conhecemos hoje.

O primeiro regente de sua ópera “Parsifal”, Hermann Levi, era judeu. O pianista  Joseph Rubinstein, que desde 1872 era seu assistente pessoal, também era. Seus amigos íntimos, como o pintor Paul Jukovski, entre dezenas de tantos outros, igualmente o eram. Como explicar, pois, o que escreveu no tão citado e malfadado ensaio? E nem se pode negar que  o infeliz e inoportuno texto seja de sua autoria. É de sua lavra sim, sem dúvida alguma. E ele pode ser lido ainda hoje por quem quiser (caso conheça o idioma alemão, claro), pois não desapareceu e nem foi destruído.

Afinal, qual o teor desse texto? No ensaio em questão, Wagner atacava a influência judia na cultura alemã em geral e na música em particular. Descrevia os judeus como “ex-canibais, agora treinados para serem agentes de negócios na sociedade”. Acusava-os de corromperem a língua germânica. “A sua natureza torna-os incapazes de penetrar a essência das coisas”, escreveu em certo trecho. Contextualizando as causas que possivelmente levaram Wagner a escrever esse infeliz ensaio, concluo que ele cometeu o pecado mortal da generalização. Estava zangado com alguns compositores judeus, especialmente com Giácomo Meyerbeer e Felix Mendelssohn, que eram seus rivais e que achava que o estavam prejudicando. Todavia, trocou os pés pelas mãos. Em vez de criticá-los especificamente, e sem mencionar sua origem judia, generalizou e se deu mal. Provavelmente se arrependeu desse texto, mas...

As conseqüências vieram muito depois da sua morte. Suas opiniões como que fundamentaram as odiosas teorias raciais de Adolf Hitler, que resultaram no inominável Holocausto, em que seis milhões de judeus foram exterminados nos campos de concentração nazistas. Muitos associam, ainda hoje, não somente seu infeliz ensaio, mas toda sua magnífica e genial obra musical tanto ao militarismo alemão de fins do século XIX, que resultou na Primeira Guerra Mundial, quanto aos horrores da Segunda. A injustificável manifestação de anti-semitismo até que pode, de alguma maneira, ter produzido essa influência, provavelmente à sua revelia. Mas suas composições!!! É muita distorção!

Hitler e caterva tomaram a obra, de cunho nacionalista, de Wagner como exemplo da superioridade da música e do intelecto germânico em relação a todos os demais povos, comparando-a com a produção de outros compositores não alemães, notadamente Felix Mendelssohn, que era judeu. E o polêmico e genial artista passou a ser tido e havido pelos desinformados como “nazista”, mesmo tendo morrido décadas antes do surgimento do nazismo.

Fosse contemporâneo de Hitler, certamente Wagner ficaria horrorizado com as idéias e principalmente com as ações desse desequilibrado ditador. Em inúmeras ocasiões, expressou, por palavras e, sobretudo, por atos, ideais socialistas, o que lhe trouxe contratempos e de certa forma o exílio de quase onze anos. Apoiou, por exemplo, a chamada “Comuna de Paris”. Foi amigo íntimo do revolucionário anarquista russo Mikhail Bakunin, exilado em território germânico, ao lado de quem lutou, ombro a ombro, no levante de Dresden. Seu nacionalismo e sua ideologia nada tinham a ver com o que viria a ser anos depois o nazismo que, reitero, não existia no seu tempo;. Todo o equívoco que envolveu (e ainda de certa forma envolve) o nome de Richard Wagner, deveu-se exclusivamente àquele infeliz ensaio anti-semita. E isso me leva à conclusão óbvia da necessidade de preservação da imagem, não se cometendo bobagens, como a que nosso personagem cometeu, que não podem ser nem reparadas e nem apagadas pelo tempo.


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