Wagner e o
anti-semitismo
Pedro
J. Bondaczuk
As personalidades
públicas – e não importa a atividade que exerçam, se políticas, artísticas,
literárias, esportivas etc. – têm obrigação, consigo próprias e com a
posteridade, de cuidar da imagem. Não podem, por exemplo, agir contra a moral,
a lei e/ou aos bons costumes, achando que não serão descobertas. Serão. Mais
cedo, ou mais tarde, o que tanto se empenharam em esconder dos olhos do público
acaba sendo revelado. E, num piscar de olhos, sua reputação pode parar na lata
de lixo.
Não devem e não podem
emitir opiniões preconceituosas, aquelas que emitimos impulsivamente, sem
pensar, em um momento de raiva. O que disserem poderá ser (e quase sempre é)
usado para condená-las, quando não tiverem ínfimas condições de se justificar e
nem de se defender. Pior ainda é quando essas declarações, das quais possam se
arrepender, são dadas por escrito, em textos (entrevistas, crônicas, ensaios
etc.). Exemplo palpável das conseqüências desses atos impensados é o que
ocorreu com o compositor Richard Wagner.
Além de gênio da arte
musical, de ferrenho nacionalista, de revolucionário etc.etc.etc., ele foi um
intelectual atuante. Sabia escrever e escrevia muito bem. Prova disso, são os
ensaios que legou, além de uma autobiografia, muito bem escrita. Ocorre que
tinha um temperamento impulsivo e nem sempre media o que dizia e,
principalmente, o que escrevia. Um de seus ensaios repercutiu negativamente,
mundo afora, e repercute ainda hoje, prejudicando sua reputação por gerações e
mais gerações. Na época em que o escreveu e publicou, até que não causou
escândalo. Mas com o tempo...
E qual foi essa opinião
tão grave, a ponto de torná-lo “persona non grata” em muitos círculos ainda
hoje, passados duzentos anos de seu nascimento? Foi o ensaio “Os judeus na
música”, que Wagner publicou em 1850, no qual ficou nítido ostensivo
anti-semitismo, declaração que o persegue através dos anos, levando muita gente
até a desconsiderar e ignorar seus múltiplos talentos e se apegar somente
àquelas mal postas palavras para caracterizá-lo. Lendo, atentamente, suas
biografias (há inúmeros livros tratando da sua vida, além do que ele próprio
escreveu), fico intrigado com esse manifesto preconceito racial expressado tão
explicitamente por ele.
E por que a minha
estranheza? Porque muitos dos seus melhores amigos eram judeus. Quando residia
em Dresden, sua casa ficava em um bairro dessa comunidade. E tinha relações
absolutamente normais com os vizinhos dessa etnia. Nunca manifestou atitudes
remotamente anti-semitas. Frise-se que um arraigado anti-semitismo, naquela
época, era ostensivo por toda a Europa, notadamente nos territórios germânicos
que um dia viriam a constituir uma Alemanha unificada, tal como conhecemos
hoje.
O primeiro regente de
sua ópera “Parsifal”, Hermann Levi, era judeu. O pianista Joseph Rubinstein, que desde 1872 era seu
assistente pessoal, também era. Seus amigos íntimos, como o pintor Paul
Jukovski, entre dezenas de tantos outros, igualmente o eram. Como explicar,
pois, o que escreveu no tão citado e malfadado ensaio? E nem se pode negar
que o infeliz e inoportuno texto seja de
sua autoria. É de sua lavra sim, sem dúvida alguma. E ele pode ser lido ainda
hoje por quem quiser (caso conheça o idioma alemão, claro), pois não
desapareceu e nem foi destruído.
Afinal, qual o teor
desse texto? No ensaio em questão, Wagner atacava a influência judia na cultura
alemã em geral e na música em particular. Descrevia os judeus como
“ex-canibais, agora treinados para serem agentes de negócios na sociedade”.
Acusava-os de corromperem a língua germânica. “A sua natureza torna-os
incapazes de penetrar a essência das coisas”, escreveu em certo trecho.
Contextualizando as causas que possivelmente levaram Wagner a escrever esse
infeliz ensaio, concluo que ele cometeu o pecado mortal da generalização.
Estava zangado com alguns compositores judeus, especialmente com Giácomo
Meyerbeer e Felix Mendelssohn, que eram seus rivais e que achava que o estavam
prejudicando. Todavia, trocou os pés pelas mãos. Em vez de criticá-los
especificamente, e sem mencionar sua origem judia, generalizou e se deu mal. Provavelmente
se arrependeu desse texto, mas...
As conseqüências vieram
muito depois da sua morte. Suas opiniões como que fundamentaram as odiosas
teorias raciais de Adolf Hitler, que resultaram no inominável Holocausto, em
que seis milhões de judeus foram exterminados nos campos de concentração
nazistas. Muitos associam, ainda hoje, não somente seu infeliz ensaio, mas toda
sua magnífica e genial obra musical tanto ao militarismo alemão de fins do
século XIX, que resultou na Primeira Guerra Mundial, quanto aos horrores da
Segunda. A injustificável manifestação de anti-semitismo até que pode, de
alguma maneira, ter produzido essa influência, provavelmente à sua revelia. Mas
suas composições!!! É muita distorção!
Hitler e caterva
tomaram a obra, de cunho nacionalista, de Wagner como exemplo da superioridade
da música e do intelecto germânico em relação a todos os demais povos,
comparando-a com a produção de outros compositores não alemães, notadamente
Felix Mendelssohn, que era judeu. E o polêmico e genial artista passou a ser
tido e havido pelos desinformados como “nazista”, mesmo tendo morrido décadas
antes do surgimento do nazismo.
Fosse contemporâneo de
Hitler, certamente Wagner ficaria horrorizado com as idéias e principalmente
com as ações desse desequilibrado ditador. Em inúmeras ocasiões, expressou, por
palavras e, sobretudo, por atos, ideais socialistas, o que lhe trouxe
contratempos e de certa forma o exílio de quase onze anos. Apoiou, por exemplo,
a chamada “Comuna de Paris”. Foi amigo íntimo do revolucionário anarquista
russo Mikhail Bakunin, exilado em território germânico, ao lado de quem lutou,
ombro a ombro, no levante de Dresden. Seu nacionalismo e sua ideologia nada
tinham a ver com o que viria a ser anos depois o nazismo que, reitero, não existia
no seu tempo;. Todo o equívoco que envolveu (e ainda de certa forma envolve) o
nome de Richard Wagner, deveu-se exclusivamente àquele infeliz ensaio
anti-semita. E isso me leva à conclusão óbvia da necessidade de preservação da
imagem, não se cometendo bobagens, como a que nosso personagem cometeu, que não
podem ser nem reparadas e nem apagadas pelo tempo.
Acompanhe-me pelo twitter: @bondacuk
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