Viagem
ao continente da miséria
Pedro J. Bondaczuk
O papa João Paulo II inicia, hoje, a 27ª viagem
pastoral de seu pontificado ao exterior, retornando, pela terceira vez, ao
continente africano. Em seu roteiro, de 25.400 quilômetros, há algo em comum
nos sete países que vai visitar: miséria, ignorância, subdesenvolvimento,
perseguições e ódio fratricida, opondo tribos, etnias e grupos ideológicos.
E o momento para o seu giro é particularmente
oportuno, quando se sabe que milhões de vidas estão se perdendo na África, por
causa da fome. Nada melhor, portanto, para atrair todos os focos da opinião
pública mundial para esse angustiante problema do que a presença de uma figura
com as dimensões e a importância de João Paulo II.
Os sete países reunidos, por onde o Papa vai passar,
têm uma população de cerca de 92 milhões de pessoas. Desses, o mais populoso é
o Zaire, com 32,4 milhões e o menos é a República Centro Africana, do
ex-imperador Jean Bedel Bokassa, com 2,6 milhões.
Em termos de renda per capita, a República governada
por Mobuto Sese Seko leva a pior. Cada zairense aufere, em média, um rendimento
anual de apenas US$ 200. Em co0ntrapartida, a dívida externa do Zaire ascende a
US$ 5,8 bilhões junto ao sistema financeiro internacional.
Dos visitados neste giro, os marroquinos dispõem de
melhores condições econômicas. Nesse reino africano, embora o país deva US$ 9,9
bilhões (débito bastante alto para um país africano), a sua população conta com
uma renda per capita da ordem de US$ 894 anuais. Irrisória, é verdade, se
confrontada com a de outras sociedades nacionais de médio porte. Ridícula,
quando comparada com a dos povos industrializados. Mas privilegiada para os
padrões africanos.
Os problemas que o Sumo Pontífice encontrará neste
seu giro serão todos mais ou menos semelhantes. Lutas tribais opondo irmãos
contra irmãos, em intermináveis conflitos, onde todos acabam sendo vencidos.
Nos quais os parcos recursos nacionais acabam canalizados em armamentos, indo
enriquecer ainda mais aos que vivem desse nefasto comércio que prospera na
discórdia.
São regimes que não respeitam os direitos humanos
mais elementares e que, para calar os opositores, abarrotam as prisões de
prisioneiros políticos, desperdiçando seus melhores cérebros para poderem se
manter equilibrados na instável corda-bamba do poder.
Nos cinco primeiros países da visita, o Papa vai
encontrar outra característica em comum. Coincidentemente, Togo, Costa do
Marfim, Camarões, República Centro Africana e Zaire ostentam, todos, exatamente
a mesma expectativa de vida para seus cidadãos: 44,4 anos. Isto é, numa idade
que em qualquer outro lugar as pessoas atingem o auge de suas capacidades
produtivas, nestes quistos planetários de miséria e de atraso elas são
consideradas anciãs. Morrem precocemente, subnutridas, doentes e desassistidas.
E, o que é pior, sem que haja muita esperança de que algo vá melhorar para as
futuras gerações.
O que,
certamente, deverá merecer duras referências do Papa é o fato de, enquanto
esses milhões de irmãos sobrevivem de maneira tão precária, o esforço coletivo
da humanidade vem sendo estupidamente invertido numa corrida armamentista que
nunca tem fim. E cujo único resultado lógico será a destruição de todos, a
menos que seja posto um paradeiro nesse processo insensato.
É de causar revolta, até nos mais insensíveis, o
fato de que, enquanto milhões de africanos não têm o que comer e crianças
morrem à míngua, às centenas de milhares por semana, os países mais poderosos
despendam US$ 1 trilhão na indústria da defesa.
Enquanto doenças de fácil erradicação, como a
diarréia, o sarampo e o cólera dizimam multidões, os países ricos, muitos dos
quais enriqueceram graças à rapina de séculos nesse continente, impinjam à
África suas demoníacas armas, para que povos ignorantes se trucidem.
Já é tempo de que alguma voz se erga nesse deserto
de egoísmo e desprezo na defesa desses humildes. Que a sua miséria deixe de ser
apenas argumento de ideólogos profissionais, que a usam como meios de
justificar seus sistemas, mas nada fazem para pôr um paradeiro nela. Que se
encete uma cruzada internacional de solidariedade, antes que seja muito tarde.
E ninguém melhor do que o Papa tem condições de assumir esse papel.
(Artigo
publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 8 de agosto de
1985)
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