Tuesday, August 27, 2013

Viagem ao continente da miséria


Pedro J. Bondaczuk

O papa João Paulo II inicia, hoje, a 27ª viagem pastoral de seu pontificado ao exterior, retornando, pela terceira vez, ao continente africano. Em seu roteiro, de 25.400 quilômetros, há algo em comum nos sete países que vai visitar: miséria, ignorância, subdesenvolvimento, perseguições e ódio fratricida, opondo tribos, etnias e grupos ideológicos.

E o momento para o seu giro é particularmente oportuno, quando se sabe que milhões de vidas estão se perdendo na África, por causa da fome. Nada melhor, portanto, para atrair todos os focos da opinião pública mundial para esse angustiante problema do que a presença de uma figura com as dimensões e a importância de João Paulo II.

Os sete países reunidos, por onde o Papa vai passar, têm uma população de cerca de 92 milhões de pessoas. Desses, o mais populoso é o Zaire, com 32,4 milhões e o menos é a República Centro Africana, do ex-imperador Jean Bedel Bokassa, com 2,6 milhões.

Em termos de renda per capita, a República governada por Mobuto Sese Seko leva a pior. Cada zairense aufere, em média, um rendimento anual de apenas US$ 200. Em co0ntrapartida, a dívida externa do Zaire ascende a US$ 5,8 bilhões junto ao sistema financeiro internacional.

Dos visitados neste giro, os marroquinos dispõem de melhores condições econômicas. Nesse reino africano, embora o país deva US$ 9,9 bilhões (débito bastante alto para um país africano), a sua população conta com uma renda per capita da ordem de US$ 894 anuais. Irrisória, é verdade, se confrontada com a de outras sociedades nacionais de médio porte. Ridícula, quando comparada com a dos povos industrializados. Mas privilegiada para os padrões africanos.

Os problemas que o Sumo Pontífice encontrará neste seu giro serão todos mais ou menos semelhantes. Lutas tribais opondo irmãos contra irmãos, em intermináveis conflitos, onde todos acabam sendo vencidos. Nos quais os parcos recursos nacionais acabam canalizados em armamentos, indo enriquecer ainda mais aos que vivem desse nefasto comércio que prospera na discórdia.

São regimes que não respeitam os direitos humanos mais elementares e que, para calar os opositores, abarrotam as prisões de prisioneiros políticos, desperdiçando seus melhores cérebros para poderem se manter equilibrados na instável corda-bamba do poder.

Nos cinco primeiros países da visita, o Papa vai encontrar outra característica em comum. Coincidentemente, Togo, Costa do Marfim, Camarões, República Centro Africana e Zaire ostentam, todos, exatamente a mesma expectativa de vida para seus cidadãos: 44,4 anos. Isto é, numa idade que em qualquer outro lugar as pessoas atingem o auge de suas capacidades produtivas, nestes quistos planetários de miséria e de atraso elas são consideradas anciãs. Morrem precocemente, subnutridas, doentes e desassistidas. E, o que é pior, sem que haja muita esperança de que algo vá melhorar para as futuras gerações.

O que, certamente, deverá merecer duras referências do Papa é o fato de, enquanto esses milhões de irmãos sobrevivem de maneira tão precária, o esforço coletivo da humanidade vem sendo estupidamente invertido numa corrida armamentista que nunca tem fim. E cujo único resultado lógico será a destruição de todos, a menos que seja posto um paradeiro nesse processo insensato.

É de causar revolta, até nos mais insensíveis, o fato de que, enquanto milhões de africanos não têm o que comer e crianças morrem à míngua, às centenas de milhares por semana, os países mais poderosos despendam US$ 1 trilhão na indústria da defesa.

Enquanto doenças de fácil erradicação, como a diarréia, o sarampo e o cólera dizimam multidões, os países ricos, muitos dos quais enriqueceram graças à rapina de séculos nesse continente, impinjam à África suas demoníacas armas, para que povos ignorantes se trucidem.

Já é tempo de que alguma voz se erga nesse deserto de egoísmo e desprezo na defesa desses humildes. Que a sua miséria deixe de ser apenas argumento de ideólogos profissionais, que a usam como meios de justificar seus sistemas, mas nada fazem para pôr um paradeiro nela. Que se encete uma cruzada internacional de solidariedade, antes que seja muito tarde. E ninguém melhor do que o Papa tem condições de assumir esse papel.      

 (Artigo publicado na página 12, Internacional, do Correio Popular, em 8 de agosto de 1985)

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