De refinado artista a
feroz revolucionário
Pedro
J. Bondaczuk
A atividade
“revolucionária” de Richard Wagner foi tão intensa e gerou-lhe tantas
conseqüências, que merece mais do que mera menção em um resumido e inofensivo
relato biográfico. Requer análise detalhada e criteriosa, pois é uma parte de
sua vida a que quem escreve a propósito não dá a devida atenção. Atém-se,
invariavelmente. à sua obra – majestosa
e igualmente “revolucionária”, mas em outro sentido, ou seja, no das inovações
que ele introduziu e consolidou na sua arte, na música chamada erudita – em
detrimento de fatos marcantes que expõem sua verdadeira personalidade.
Tratarei, também, desse aspecto, o artístico, mas no seu devido tempo.
Ao tratarmos da vida e
da obra de determinadas personalidades – casos específicos de Edgar Alan Poe,
Rembrandt, Victor Hugo e, claro, Richard Wagner, entre tantas outras –
constatamos que suas trajetórias pessoais, suas ações extra-arte, têm aspectos
mais interessantes até do que suas produções, sem nenhum demérito para estas.
Daí minha opção por não me ater a meras versões biográficas ao tratar deles,
mas de recorrer à redação de ensaios – que podem ser isolados ou constituir
séries, cada um com começo, meio e fim, que podem ou não ser reunidos, a
critério do leitor. – que me proporcionam oportunidades para opinar. Não me atenho, pois. a meras descrições de
fatos envolvendo-os. Vou além e procuro emitir opinião estritamente pessoal
sobre cada um deles, com o objetivo explícito de extrair lições de cada
episódio, reitero, extra-arte.
É possível (não sei se
provável) que as conclusões dos meus comentários contem com a concordância de
imensa quantidade de leitores (quantos, não dá para, sequer, estimar). Mas é
mais do que certo que muitos discordarão de mim (e quantos deles é, igualmente,
impossível de determinar). Não espero consenso. Caso esperasse, meu principal
objetivo, que é o de gerar polêmica (posto que fundamentada) para induzir quem
me lê a refletir, estaria perdido. Até porque não tenho como discordar de um
dos meus “gurus” no jornalismo, o controvertido e polêmico jornalista e
dramaturgo Nelson Rodrigues, que considerava “burra” toda e qualquer
unanimidade.
Quando classifico
Richard Wagner de “revolucionário” estou pensando no significado político do
termo, no sentido de “agitador”, de “amotinador”, de ativista que luta para
promover transformações radicais em determinadas sociedades. Foi o que ele fez
em uma época sumamente turbulenta nos territórios germânicos, quando duas
correntes antagônicas se digladiavam, uma com o objetivo de unificar aqueles
principados, ducados, cidades-Estados etc. numa sólida federação – tese que
finalmente prosperou e resultou na Alemanha atual, tal como a conhecemos – e
outra com o propósito de manter as coisas como estavam, cada qual levando sua
vida em separado, a despeito de contarem com língua, costumes e tradições
comuns.
Não raro fico me
perguntando, ao ler referências ao ativismo de Wagner: “que raios levou um
artista refinado e sensível como ele, e mais, um gênio na sua arte, a arriscar
toda uma carreira tão bem estruturada, para se meter com política? Pior, para
pegar em armas, em defesa de suas idéias?!. Afinal, se quisesse, poderia agir
como a grande maioria das pessoas do seu tempo, artistas ou não, e ficar quieto
em seu lugar, tocando, tranquilamente, sua vida”. Wagner vivia bem em Dresden,
enquanto se dedicava exclusivamente à sua arte, livre de sobressaltos e de
preocupações financeiras. Em vez de se manter assim, abriu mão dessa
tranqüilidade e da liberdade que dispunha para defender, com ousadia e com
paixão, as idéias políticas que nutria. Entre tantas outras conseqüências
ruins, endividou-se até o pescoço, pois deixou de ganhar dinheiro com música.
Houve ocasiões (e foram
muitas) em que tinha que cortar volta da multidão de credores para se livrar de
sua ira. Devia, virtualmente, para todo o mundo. Esteve a pique até de ser
preso por dívidas. Só não foi porque não parava em nenhum lugar, para desespero
de Minna, sua primeira mulher, que durante algum tempo o acompanhou em suas
tantas e alucinadas fugas.
Peço licença
para transcrever um trecho de excelente texto que encontrei no Wikipédia a esse
propósito, que dá bem a conta da confusão em que Wagner se meteu ao resolver
fazer política: “Em fevereiro de 1848, no mesmo mês em que Marx e Engels
publicaram o Manifesto do Partido Comunista, estourou na França a revolução que
depôs Liís Felipe, o rei burguês. Aos gritos de liberté, l'égalité ou la
mort, sublevações estouraram por toda a Europa contra as monarquias
absolutas. Na Itália e na Alemanha alguns dos revoltosos tinham por objetivo a
unificação dos respectivos países. Wagner também ficou entusiasmado pelos
ideais revolucionários. De repente, a música passou para segundo plano nas suas
preocupações imediatas e a política para o primeiro”.
Como se vê,
entrou de graça nessa encrenca, justo ele que não tinha formação política, que
era artista dos mais respeitáveis, apesar de não concordar com as injustiças
sociais que via acontecerem por toda a parte e no próprio meio em que atuava,
no caso, o da música. Explico. Antes de entrar “de cabeça” na revolução
propriamente dita, Wagner dirigia o teatro de Dresden. Observava, contrariado,
que os salários dos músicos eram muito baixos e que estes eram forçados a
trabalhar demais, com evidentes prejuízos à saúde, mas, principalmente, à
qualidade artística das execuções.
Em
contrapartida, notou que determinados cantores solistas recebiam importâncias
exorbitantes, muito além do que deveria ser pago para aquela função. Entendia
que isso era um disparate e resolveu intervir para corrigir a anomalia. Para
quê!!! Arranjou uma encrenca das maiúsculas, descontentando, principalmente,
seus superiores, ligados ao governo local. Para complicar, na mesma época o
agitador anarquista russo, Mikhail Bakunin, exilado de seu país, de onde teve
que fugir para não ser morto, chegou a Dresden. Não tardou para Wagner fazer
amizade com ele. A partir de então...
suas ações passaram a ser muito mais abrangentes, sérias e contestadoras ao
regime vigente (a monarquia) do que a simples revolta contra a injustiça
salarial que atingia os músicos do teatro de Dresden do qual era diretor. Num
piscar de olhos se transformou de refinado artista em feroz revolucionário.
No comments:
Post a Comment