Saturday, August 31, 2013

De refinado artista a feroz revolucionário

Pedro J. Bondaczuk

A atividade “revolucionária” de Richard Wagner foi tão intensa e gerou-lhe tantas conseqüências, que merece mais do que mera menção em um resumido e inofensivo relato biográfico. Requer análise detalhada e criteriosa, pois é uma parte de sua vida a que quem escreve a propósito não dá a devida atenção. Atém-se, invariavelmente. à sua obra –  majestosa e igualmente “revolucionária”, mas em outro sentido, ou seja, no das inovações que ele introduziu e consolidou na sua arte, na música chamada erudita – em detrimento de fatos marcantes que expõem sua verdadeira personalidade. Tratarei, também, desse aspecto, o artístico, mas no seu devido tempo.

Ao tratarmos da vida e da obra de determinadas personalidades – casos específicos de Edgar Alan Poe, Rembrandt, Victor Hugo e, claro, Richard Wagner, entre tantas outras – constatamos que suas trajetórias pessoais, suas ações extra-arte, têm aspectos mais interessantes até do que suas produções, sem nenhum demérito para estas. Daí minha opção por não me ater a meras versões biográficas ao tratar deles, mas de recorrer à redação de ensaios – que podem ser isolados ou constituir séries, cada um com começo, meio e fim, que podem ou não ser reunidos, a critério do leitor. – que me proporcionam oportunidades para opinar.  Não me atenho, pois. a meras descrições de fatos envolvendo-os. Vou além e procuro emitir opinião estritamente pessoal sobre cada um deles, com o objetivo explícito de extrair lições de cada episódio, reitero, extra-arte.

É possível (não sei se provável) que as conclusões dos meus comentários contem com a concordância de imensa quantidade de leitores (quantos, não dá para, sequer, estimar). Mas é mais do que certo que muitos discordarão de mim (e quantos deles é, igualmente, impossível de determinar). Não espero consenso. Caso esperasse, meu principal objetivo, que é o de gerar polêmica (posto que fundamentada) para induzir quem me lê a refletir, estaria perdido. Até porque não tenho como discordar de um dos meus “gurus” no jornalismo, o controvertido e polêmico jornalista e dramaturgo Nelson Rodrigues, que considerava “burra” toda e qualquer unanimidade.

Quando classifico Richard Wagner de “revolucionário” estou pensando no significado político do termo, no sentido de “agitador”, de “amotinador”, de ativista que luta para promover transformações radicais em determinadas sociedades. Foi o que ele fez em uma época sumamente turbulenta nos territórios germânicos, quando duas correntes antagônicas se digladiavam, uma com o objetivo de unificar aqueles principados, ducados, cidades-Estados etc. numa sólida federação – tese que finalmente prosperou e resultou na Alemanha atual, tal como a conhecemos – e outra com o propósito de manter as coisas como estavam, cada qual levando sua vida em separado, a despeito de contarem com língua, costumes e tradições comuns.

Não raro fico me perguntando, ao ler referências ao ativismo de Wagner: “que raios levou um artista refinado e sensível como ele, e mais, um gênio na sua arte, a arriscar toda uma carreira tão bem estruturada, para se meter com política? Pior, para pegar em armas, em defesa de suas idéias?!. Afinal, se quisesse, poderia agir como a grande maioria das pessoas do seu tempo, artistas ou não, e ficar quieto em seu lugar, tocando, tranquilamente, sua vida”. Wagner vivia bem em Dresden, enquanto se dedicava exclusivamente à sua arte, livre de sobressaltos e de preocupações financeiras. Em vez de se manter assim, abriu mão dessa tranqüilidade e da liberdade que dispunha para defender, com ousadia e com paixão, as idéias políticas que nutria. Entre tantas outras conseqüências ruins, endividou-se até o pescoço, pois deixou de ganhar dinheiro com música.

Houve ocasiões (e foram muitas) em que tinha que cortar volta da multidão de credores para se livrar de sua ira. Devia, virtualmente, para todo o mundo. Esteve a pique até de ser preso por dívidas. Só não foi porque não parava em nenhum lugar, para desespero de Minna, sua primeira mulher, que durante algum tempo o acompanhou em suas tantas e alucinadas fugas.

Peço licença para transcrever um trecho de excelente texto que encontrei no Wikipédia a esse propósito, que dá bem a conta da confusão em que Wagner se meteu ao resolver fazer política: “Em fevereiro de 1848, no mesmo mês em que Marx e Engels publicaram o Manifesto do Partido Comunista, estourou na França a revolução que depôs Liís Felipe, o rei burguês. Aos gritos de liberté, l'égalité ou la mort, sublevações estouraram por toda a Europa contra as monarquias absolutas. Na Itália e na Alemanha alguns dos revoltosos tinham por objetivo a unificação dos respectivos países. Wagner também ficou entusiasmado pelos ideais revolucionários. De repente, a música passou para segundo plano nas suas preocupações imediatas e a política para o primeiro”.

Como se vê, entrou de graça nessa encrenca, justo ele que não tinha formação política, que era artista dos mais respeitáveis, apesar de não concordar com as injustiças sociais que via acontecerem por toda a parte e no próprio meio em que atuava, no caso, o da música. Explico. Antes de entrar “de cabeça” na revolução propriamente dita, Wagner dirigia o teatro de Dresden. Observava, contrariado, que os salários dos músicos eram muito baixos e que estes eram forçados a trabalhar demais, com evidentes prejuízos à saúde, mas, principalmente, à qualidade artística das execuções.

Em contrapartida, notou que determinados cantores solistas recebiam importâncias exorbitantes, muito além do que deveria ser pago para aquela função. Entendia que isso era um disparate e resolveu intervir para corrigir a anomalia. Para quê!!! Arranjou uma encrenca das maiúsculas, descontentando, principalmente, seus superiores, ligados ao governo local. Para complicar, na mesma época o agitador anarquista russo, Mikhail Bakunin, exilado de seu país, de onde teve que fugir para não ser morto, chegou a Dresden. Não tardou para Wagner fazer amizade com ele.  A partir de então... suas ações passaram a ser muito mais abrangentes, sérias e contestadoras ao regime vigente (a monarquia) do que a simples revolta contra a injustiça salarial que atingia os músicos do teatro de Dresden do qual era diretor. Num piscar de olhos se transformou de refinado artista em feroz revolucionário.


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