Alma da cultura
germânica
Pedro
J. Bondaczuk
O bicentenário de
nascimento do compositor, maestro, diretor de teatro e ensaísta Wilhelm Richard
Wagner, em 22 de maio de 2013, enseja-me oportunidade, que espero há muito
tempo, para escrever alguns comentários sobre as idéias, condutas, obras e
comportamentos desse polêmico personagem, cuja genialidade é contestada por
alguns, mas reconhecida incondicionalmente pelos que amam a música, linguagem
universal (e única) da humanidade e que, quando de qualidade, sobrevive a quem
a criou. Trata-se de figura polêmica, impulsiva, apaixonada, que merece ser
estudada – com isenção, interesse e vagar – pelas lições que nos enseja
aprender.
São tantos, tão
heterogêneos e não raro paradoxais aspectos da biografia de Wagner a
considerar, que eles suscitam opiniões e observações suficientes para a
produção de alentados ensaios, dezenas deles, quiçá até de alguns livros (e
aqui não vai nenhum exagero) que (quem sabe) talvez eu venha ainda a redigir e
a partilhar com os que me honram com o prestígio da leitura. É o típico caso em
que ao escritor é mais apropriado se deixar levar pelo tema, para ver no que vai
dar, em vez de seguir uma única linha de raciocínio que, no caso, seria
contraproducente e perdulária.
Richard Wagner não se
limitou à sua arte, na qual, como pretendo demonstrar, foi genial e inovador.
Teve vigorosa atuação política, Era ferrenho nacionalista, profundamente
idealista, embora ideologicamente tivesse idéias paradoxais. Foi, por exemplo,
amigo pessoal do célebre anarquista russo Mikhail Bakunin e foi, por muito
tempo, fortemente influenciado por idéias anarquistas. Para entender sua postura, é indispensável
contextualizar a questão.
Wagner nasceu, foi
educado e atuou em um período de grande efervescência revolucionária em uma
Alemanha que sequer existia como a conhecemos hoje. Era, na ocasião, uma colcha
de retalhos de pequenos reinos, ducados, principados e cidades-Estado, cada
qual defendendo interesses particulares e não raro antagônicos, embora
houvesse, vivo e poderoso, genuíno sentimento da necessidade de unificação.
Existia consciência latente que, se esta viesse a acontecer – e para tanto,
havia inúmeros obstáculos a superar – emergiria do processo uma federação
germânica poderosa e respeitada, uma potência entre as maiores do mundo bem no
centro da Europa.
Richard Wagner, no que
se refere à atuação política, tem que ser compreendido como produto do seu
tempo. Nasceu em uma época em que o “furacão napoleônico” ainda varria o
continente, deixando enorme rastro de mortes, destruição e humilhações em seu
caminho. Quando Napoleão Bonaparte, afinal, foi contido, ao ser derrotado
militarmente na Batalha de Waterloo, na Bélgica, por uma coligação de exércitos
europeus (a sétima) que incluía uma força britânica comandada pelo Duque de
Wellington e outra prussiana, sob a chefia do general Gerhard Leberecht von
Blücher, o futuro maestro e compositor
tinha somente dois anos de idade. O célebre confronto foi travado em 18 de
junho de 1815.
Foi a partir daí, das
conseqüências da fúria conquistadora do chamado “Grande Corso”, que começou a
nascer, entre os povos germânicos, o sentimento, embora ainda um tanto difuso,
informe e incipiente, de união, de fusão, de uma instituição genuinamente
nacional fundindo aquela profusão de pequenos reinos, ducados, principados e
cidades-Estado em uma única e grande pátria, como a lógica política indicava
que deveria acontecer. Afinal, tudo os unia – língua, cultura, tradições etc, -
e pouca coisa, ou seja, alguns espúrios interesses pessoais e de grupos
minoritários além de vaidades das respectivas elites, os dividia.
No período considerado
mais fértil da vida de Richard Wagner, quando estava com 35 anos de idade,
cheio de vigor e de ideais, uma onda de idéias liberalizantes varria todos os
Estados germânicos. Agitações populares sucediam-se em todas as unidades
autônomas, com um objetivo único: a unificação. Tanto é que, em virtude dessas
pressões, foi instituído, em maio de 1848, o Parlamento de Frankfyrt –
dissolvido pouco tempo depois – cujo objetivo era o de redigir uma Constituição
para uma Alemanha unificada, cuja criação embalava os sonhos de multidões, de
milhões de pessoas.
Claro que havia
obstáculos gigantescos a serem superados para a unificação. Entre estes, o mais
ostensivo eram as aparentemente inconciliáveis divergências entre republicanos
e monarquistas sobre o regime a vigorar em uma Alemanha unificada. O projeto de unificação começou, somente, a
ganhar contornos de possibilidade concreta e, mais do que isso, de realidade, a
partir de 1862, face ao inequívoco papel de liderança exercido pelo político
prussiano Otto Von Bismarck.
Foram, certamente, essa
realidade política, essa efervescência de idéias e esse fervor nacionalista que
inspiraram Wagner a se valer de temas que valorizavam a cultura germânica em
sua mais lídima expressão, “bebendo” fartamente em suas fontes do passado. O
compositor recorreu a sagas, mitos e lendas, cujas origens perdiam-se no tempo,
mas que eram transmitidas de geração a geração pelo povo em todos os Estados
germânicos, como assuntos para suas óperas. Essas histórias fantásticas eram
comuns a todos os alemães, não importando de que reino, ducado ou principado
procediam, como elos naturais a ligar de alguma forma populações tão
antagônicas e divididas. É certo, no entanto, que os objetivos declarados de
Wagner não eram propriamente, ou especificamente, políticos (embora subconscientemente,
provavelmente fossem). Ele julgava-se, conforme próprias declarações, um
predestinado, um homem do destino, um escolhido por Deus para uma tarefa que
não poderia ser levada a cabo por mais ninguém. E, de certa maneira, o era.
Eram sobretudo, a “alma” da milenar cultura germânica que tão bem valorizou.
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